ANUNCIAÇÃO OU ANATOMIA DE AFRODITE- por Giselda Leirner

Sem titulo, 1985, de Artur Cruzeiro Seixas

Rosa era um ovo. Cheio e frágil. Acordava cedo. Não lembrava de sonhos. Assim que se levantava, punha uma polca no aparelho de som. Era seu único disco. Não tinha muitos pensamentos, e falava sozinha. Não foi sempre assim. É claro que nada é sempre assim. Rosa fôra loira, alegre, gostara de um homem e de arte sacra mais que tudo. Nunca saiu de sua cidade e sua cidade nunca deixou de ser Girona, terra cansada de uma Espanha negra e profunda.

Continuar a ler “ANUNCIAÇÃO OU ANATOMIA DE AFRODITE- por Giselda Leirner”

O FINGIMENTO DE PESSOA – por João Esteves

Caricatura de F.P por J. Almada Negreiros

O fingimento de Pessoa «O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.» Com esta frase, começou a conversa de uma pessoa que deu entrada no serviço de urgência de psiquiatria. Não deu, na verdade. Mas podia bem ter dado. Acontece que essa pessoa imaginária vinha com esta frase no seu pensamento, totalmente descontextualizada, desconhecendo o passado do poeta que a escreveu, as suas circunstâncias sociais e psicológicas. Não é motivo para vergonha. Todo o pensador se confronta com o problema da descontextualização. É dela que emana o seu pensamento paranóide, totalmente desenfreado, pronto para satisfazer os mais profundos desejos do narcisismo. Continuar a ler “O FINGIMENTO DE PESSOA – por João Esteves”

REFLEXÕES SOBRE O LIVRO E A LEITURA- por Joaquim Maria Botelho

 

Autor que não publica sua obra, perde a própria definição, porque inexiste como autor. E, mesmo em tempos de recordes de títulos publicados, muitos autores não conseguem sequer ter seus originais analisados por editoras, ocupadas demais em perseguir best-sellers. Continuar a ler “REFLEXÕES SOBRE O LIVRO E A LEITURA- por Joaquim Maria Botelho”

ARTE E A ARTE DA PSICANÁLISE – II PARTE – Jorge Antônio da Silva

(leia a I PARTE aqui )

Enquanto Freud aguardava um novo século para inaugurar seu feito, as artes ebuliam com as experimentações impressionistas ao ar livre. O Expressionismo não retratava a realidade objetiva, como os impressionistas, porque não mais admitia a realidade como leitmotiv mas a interioridade humana com suas emoções, incertezas e mistérios. Denunciava a injustiça social, mostrava os vícios humanos em formas retorcidas com a violência de tubos diretamente aplicados sobre as telas, em impastos vigorosos. A infância da Psicanálise ocorreu nesse fértil terreno transitivo, quando a incógnita alimentava uma nova era de velozes transformações que a arte se incumbiu de registrar. Arte a que Adolf Hitler (1889/1945), depois, chamaria de degenerada. Continuar a ler “ARTE E A ARTE DA PSICANÁLISE – II PARTE – Jorge Antônio da Silva”

IMAGENS DE FÉ- por José Boldt

José Boldt nasceu no Porto, mas foi Lisboa que o viu crescer Balança de signo. É simpático, um bom amigo, inteligente, trabalhador, talentoso, muito modesto…e mentiroso. A sua paixão a Fotografia, e outras paixões que não vêm a propósito. Gosta de sol, do Alentejo e de preguiça em partes iguais. Odeia certezas, discursos políticos e biografias por encomenda.

Entre outras, realizou três exposições na Union Assurances de Paris, na Galeria Quadrante, obteve um 2.º prémio no concurso fotográfico da Escola de Artes António Arroio. Escreve aqui:

http://wwwescrevercomluz.blogspot.pt/
http://escrevercomcor.blogspot.pt/

SETE POEMAS DE LEILA FERRAZ

O HÁLITO DO VENDAVAL

Há folhas espalhadas por todo o jardim, e venta
como se não houvera vento antes desta manhã.
Leva para o mar todas as memórias da luxúria.
E eu me abro para mais um dia, outro dia, novo dia.
Para quem perdi meus dedos nesta noite.
Acordei com estrelas e bambus.
Odores sensuais cozeram meu corpo à cama
e as lembranças de sedas, rendas, cadeiras tombadas
e ilógicas derramaram um esquecimento lilás. Continuar a ler “SETE POEMAS DE LEILA FERRAZ”

ARGUMENTUM E SILENTIO – por Luís Costa

18 poemas de Paul Celan
Versões de Luís Costa

@Artur Cruzeiro Seixas

Ouvi dizer

Ouvi dizer que na água havia
uma pedra e um círculo
e sobre a água uma palavra
que põe o círculo à volta da pedra.

Eu vi o meu choupo descer à água,
vi como o seu braço mergulhava na profundeza,
vi as suas raízes viradas para o céu, implorando pela noite. Continuar a ler “ARGUMENTUM E SILENTIO – por Luís Costa”

EÇA DE QUEIRÓS E LEOPOLD SZONDI – PARTE II – por Marilene Cahon

leia a Parte I aqui

Parte II

Na segunda edição há uma nota introdutória na qual Eça de Queirós defende-se da acusação de que “O Crime do Padre Amaro” é uma “imitação” da obra “La faute de Labbé Mouret” (editada em português com o título de “O Crime do Padre Mouret”) do escritor francês Émile Zola. Continuar a ler “EÇA DE QUEIRÓS E LEOPOLD SZONDI – PARTE II – por Marilene Cahon”

LA TORTUGA ECUESTRE, DEL PERUANO CÉSAR MORO, EN COSTA RICA – por Ricardo Echávarri

Nota sobre la reciente aparición de La tortuga ecuestre, del peruano César Moro, en Costa Rica.

Gracias al cuidado de Omar Castillo, Amirah Gazel y Alfonso Peña acaba de aparecer, bajo el sello de Art Edition, en San José, Costa Rica (2018), la última reedición de la Tortuga Ecuestre, del poeta peruano surrealista César Moro. Esta cuidada edición contiene dos nota distintivas: una introducción de Omar Castillo y los admirables “collages” de Amirah Gazel y Alfonso Peña. Continuar a ler “LA TORTUGA ECUESTRE, DEL PERUANO CÉSAR MORO, EN COSTA RICA – por Ricardo Echávarri”

QUATRO POEMAS PELA AMÉRICA LATINA – por Rosa Sampaio Torres

I  QUANTAS VEZES SE MORRE

Para Moacir Armando Xavier

“Ninguém na vida teve tantos pecados que mereça morrer duas vezes.” Frase de Maria de Magdala quando Jesus pretende  ressuscitar Lázaro.

(“O Evangelho segundo Jesus Cristo” – José Saramago)            

Quantas vezes
se morre
nesta vida,
com pecado
ou sem pecado? Continuar a ler “QUATRO POEMAS PELA AMÉRICA LATINA – por Rosa Sampaio Torres”

UM ALBUQUERQUE PELA INDEPENDÊNCIA BRASILEIRA – Rosa Sampaio Torres

Por ocasião do bicentenário da Revolução de 1817

Um Albuquerque pela independência Brasileira

Manoel Cavalcanti de Albuquerque
Do ramo do engenho Castanha Grande - Alagoas
(“Papai Cavalcanti” - século XlX)

Como seu avô, outro Manoel de mesmo sobrenome que participou da “fronda’ dos “nobres da terra” contra autoridades e mascates portugueses nos anos de 1710, nosso jovem Manoel logo teria também manifestado índole indômita e não conformista, “sdegnosa”, dos longevos Cavalcanti italianos – índole que por aqui se mantinha em família afeita à luta libertária – luta agora nos trópicos nativista, independentista e republicana. Continuar a ler “UM ALBUQUERQUE PELA INDEPENDÊNCIA BRASILEIRA – Rosa Sampaio Torres”

AL FILO DEL OJO de Omar Castillo – por Victor Bustamante

 

Hay varias formas de abordar la realidad poética en un momento determinado. Una de ellas enfundado y buscando brillo al hablar solo de escritores importantes, entre comillas, muchos de ellos impuestos por el marketing y el insidioso mundo editorial, donde se confunde literatura y negocios. Esto trae como retaliación una manera de escudarse y vivir del brillo de los poetas de relieve. Otra es la comodidad del mundillo académico pervertido y cifrado solo en escudarse tras el prestigio del legado de escritores muertos, impidiendo que haya una reflexión sobre el presente, lo cual excluye, y deja de lado a los escritores actuales, hasta que un remoto historiador los recobre. Todo lo anterior por pereza de buscar aspectos diferentes, como si nos señalaran para decir que esos escritores fueron de mayor fuste. Todo esto debido a ese lastre borgiano, admitido como mandamiento, cuando añadió que el antólogo verdadero es el tiempo, y esa cuasi sentencia mal entendida trajo como seña y saña olvidar las escrituras actuales. De tal manera añaden algo en este desalojo, que siempre la literatura está en otra parte; entre más lejos mejor. Ambas decisiones juegan con las cartas marcadas. Continuar a ler “AL FILO DEL OJO de Omar Castillo – por Victor Bustamante”

OS RATOS – por Uili Bergammín Oz

Os jogadores de cartas, de Paul Cezanne

– Vou perder. – sussurrei comigo mesmo, enquanto observava dois enormes ratos desfilando sobre o balcão. – Vou perder tudo esta noite.

Seu Genaro tentava enxotar os pestilentos com um pedaço de pano, algo que já fora cobertor há muito tempo. Era em vão. Quando dava por si, lá estavam eles sobre a tábua imunda, repleta de copos e garrafas vazias, como se velassem a batalha que se travava. Sim, uma batalha era aquilo, não um simples carteado. Um combate psicológico e campal. Eram olhares oblíquos, estratégias ousadas, fumaça, a tensão dos generais ao decidirem se atacam o inimigo ou defendem o território conquistado. O silêncio era de estourar os tímpanos. E não só a mesa, mas todo o boteco era o campo de guerra. Uma guerra de nervos. O bairro temia aquele recinto. Todos sabiam da bomba-relógio que lá havia. Continuar a ler “OS RATOS – por Uili Bergammín Oz”

POEMAS E CENAS DE Zuca Sardan

PIRRAZZA

1 . VAPORETTO

Aviso aos navegantes o Vaporetto
partirá pra Cithera o Capitão
chama o cozinheiro chinês
o cozinheiro chinês chama o avestruz
o avestruz bota um ovo o chinês
parte o ovo traz um jornal o vento
venta o chinês faz da casca
o casco o chinês faz do jornal
a vela o Capitão reclama o chinês
faz do cachimbo do Capitão a cha-
miné o Vaporetto apita o vento
venta que venta que venta Continuar a ler “POEMAS E CENAS DE Zuca Sardan”

EDIÇÃO Nº 3 – DE FEVEREIRO 2018

EDITORIAL – No Tempo do Faz de Conta – por Júlia Moura Lopes

“Dans le monde réellement renversé, le vrai est un moment du faux” Guy Debord.

Estamos no Carnaval e o leitor de Athena perguntará onde fica e onde cabe a cultura, durante esta época?

Pois direi que é no reino e no tempo do faz de conta, que se cruzam todas as alegorias. Desde a sátira política e social, aos rituais que culminam na inversão dos papéis sociais, com origens na época em que o escravo se transformava em rei, e por sua vez, o rei se transformava em escravo, oferecendo esse sacrifício aos deuses.

Hoje, no Carnaval, os homens e as mulheres “trocam de sexo”, alguns por simples brincadeira, outros para cumprir algum secreto sonho. Na busca contínua da felicidade, nunca o lugar-comum mudou algo.

Continuar a ler “EDITORIAL – No Tempo do Faz de Conta – por Júlia Moura Lopes”

EÇA DE QUEIRÓS E LEOPOLD SZONDI (PARTE I) – por Marilene Cahon

PARTE I

Leopold Szondi

A Psicologia szondiana está marcada pelo convencimento, intuitivamente adquirido, de que, em cada par de contrários (polaridades), os pólos são atraídos um ao outro e formam uma unidade. Segundo seu criador, não vale pender unilateralmente ao bom e desprezar o mau, mas é melhor perceber o bom e o mau como dois extremos da mesma totalidade e mantê-los em um equilíbrio dinâmico. Quando um pólo cresce, o outro decresce, quando um diminui, o outro desabrocha.  A partir daí, desenvolveu a teoria da Análise do destino.

A Análise do Destino completa os conhecimentos da Psicologia Profunda, com o acréscimo do Terceiro Inconsciente, o Familiar, depois do Pessoal de Freud (Viena) e do Coletivo de Jung (Zurique).

Continuar a ler “EÇA DE QUEIRÓS E LEOPOLD SZONDI (PARTE I) – por Marilene Cahon”

MIGUEL DE UNAMUNO: ALGUMAS IDEIAS por Cecília Barreira

“Oliveira Martins era un pesimista, es decir, era un português. EI português es constitucionalmente pesimista; él mismo nos lo repite. No es acaso la flor amarga de este espírito la poesia desesperada y dura de Antero de Quental? Encontró acaso alguna vez lá desesperación acentos más trágicos, más hondamente poéticos en su rígida armazon meta física, menos artísticos? “

Miguel de Unamuno, Por Tierras de Portugal y Espana, 1930, pp. 49-50.

Continuar a ler “MIGUEL DE UNAMUNO: ALGUMAS IDEIAS por Cecília Barreira”

MULHERES NAS RUAS DO PORTO (IV) por César Santos Silva

Albertina de Sousa Paraíso (Rua de)

Início – António de Sousa e Silva (Rua de)
Fim – Cul de Sac
Consagrada desde - 2010
Freguesia de: Paranhos

 

Albertina Sousa Paraíso nasceu na cidade do Porto, em 11 de Janeiro de 1864.

Filha da classe média da cidade, seu pai era director bancário e sua mãe directora de um colégio.

Continuar a ler “MULHERES NAS RUAS DO PORTO (IV) por César Santos Silva”

REI E RAINHA DE UM CARNAVAL MICARETA por Danyel Guerra

Alain desenlaça, decidido, o amasso da frenética Romy. O que se passa, querido? Darling, o que passa daqui a uns segundos é o bus dos 33 minutos, não posso perdê-lo…! Ele ajusta, no orifício certo, a fivela prateada do cinto, selando a separação com um beijo fugaz nos lábios carmesins da garota. E sai disparado rua afora…senão vou tomar um chá de cadeira de meia-hora, completa aconchegando o cachecol black  & white ao pescoço e estugando a passada. E com apenas 33 segundos de atraso, um 33 se detém perante o solitário e ansioso passageiro.

Continuar a ler “REI E RAINHA DE UM CARNAVAL MICARETA por Danyel Guerra”

A “Europa” ou a minha “Nação”? por Diogo Pacheco de Amorim

Contra ou a favor da Europa? Contra ou a favor das nações? A “Europa” ou a minha “Nação” ?

Questão que hoje vivamente se coloca, desdobrando-se em infindáveis discussões. Juízos rápidos e fulminantes disparados contra quem duvida da bondade da escolha politicamente correcta, a da “Europa”. E contudo…

… Contudo são discussões sem sentido, caso antes se não defina, clara e inequivocamente, qual a Europa de que se fala. Porque há duas europas em tudo diferentes. Dois conceitos distintos instalados dentro de um mesmo termo: “europa”. Assim, se me perguntarem se quero manter-me na, ou “sair” da “europa” começarei por perguntar “qual Europa?”. Clarifiquemos, pois há uma Europa que nasceu na Grécia há 2.700 anos, entre oliveiras, penedos sagrados e o azul do mar. E aí, entre deuses demasiado humanos e homens quase divinos, nasce, cresce e agiganta-se toda uma Cultura. Ésquilo, Sófocles, Píndaro, Heraclito, Fídeas, Anaximandro, Sólon, e tantos outros, deram ao mundo o espírito de uma civilização ímpar.

O Espírito. O primeiro pilar.

Continuar a ler “A “Europa” ou a minha “Nação”? por Diogo Pacheco de Amorim”

ENRIQUE ROSENBLATT, LA POESÍA OCULTA – por Enrique Santiago

 

Enrique Rosenblatt Berdichevsky, 17 de febrero de 1922, 6 de septiembre de 2009. Fue un poeta muy cercano al grupo Mandrágora. Uno de los colectivos surrealistas más influyentes de la literatura chilena y latinoamericana. Su primer acercamiento con estos poetas, se da primeramente bajo ciertas circunstancias del azar objetivo, cuando tenía 20 años y había comenzado sus estudios de medicina, le fue diagnosticada una tuberculosis, lo que le obligó a guardar reposo en su hogar durante un tiempo prolongado. En ese entonces uno de sus vecinos era Juan Sánchez Peláez, con quien estaba iniciando una amistad debido a que compartían el gusto por la poesía. Continuar a ler “ENRIQUE ROSENBLATT, LA POESÍA OCULTA – por Enrique Santiago”