MIGUEL DE UNAMUNO: ALGUMAS IDEIAS por Cecília Barreira

“Oliveira Martins era un pesimista, es decir, era un português. EI português es constitucionalmente pesimista; él mismo nos lo repite. No es acaso la flor amarga de este espírito la poesia desesperada y dura de Antero de Quental? Encontró acaso alguna vez lá desesperación acentos más trágicos, más hondamente poéticos en su rígida armazon meta física, menos artísticos? “

Miguel de Unamuno, Por Tierras de Portugal y Espana, 1930, pp. 49-50.

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auto-retrato

Unamuno pertence à pleíade de pensadores que por roda de 1898 reflectiram e equacionaram os problemas culturais e políticos duma Espanha recém-abalada pela questão colonial. Era a derrocada última de um Império já de si enfraquecido e decadente:

Já o dissemos: Miguel de Unamuno foi outro dos pensadores da Peninsularidade. Irracional e sensitivo, imerso numa certa visão trágica e mítica, desmedida, pouco serena do real, é também um grande problematizador da cultura peninsular – e com que genialidade e raro sentido de percepção.

Interessante será convidarmo-nos à leitura de algumas das suas opiniões, dispersas no tempo e na obra, acerca de Portugal. Concluiremos pela coerência, pela linha de fundo, quase fatalista, que o faz entrever, em palavras poéticas e repletas de uma grandiosidade quase apocalíptica, este quadro por exemplo.

«Esta enorme tristeza, este arraigado pesimismo, arranca de la falta de un elevado edeal colectivo, de uno de esos edeales que, unificando la vida de un hombre y la de un pueblo, le dan aquella personalidad sin la cual no es la vida, aún con riqueza, más que vaciedad y tristeza. Ese pesimismo arranca de apatia, una apatía que produce a las veces arranques de furia.» (1)

Dir-se-á que Unamuno não gostava de Portugal: daí a opinião tão enegrecida que emite. Pelo contrário, a Portugal e aos grandes nomes da sua cultura dedica Unamuno, uma muito particular atenção: entre os preferidos contam-se Oliveira Martins, o cronista dessa saga, imparável, caminhando para uma decadência, caminhando para a morte, que é a História de Portugal.

Desabafava D. Filipe (assim era também conhecido) com o seu amigo Manuel Laranjeira, em carta datada de 9 de Setembro de 1908:

«Hay veces en que creo que ustedes sin saberIo, por un acto de sabiduria colectiva subconciente, han llegado aI más triste fondo de la verdad humana, à la vanidade de todo esfuerzo, aI final fracaso de toda a vida individual o nacional, y entonces Antero se me aparece como un terrible profeta, vocero de todo un pueblo.» (2)

E ainda a confirmar a imagem de estranheza e de impressão funda que lhe sugeria essa visão questionava- se, a seguir:

«Portugal, que es el extremo ocidente, no se dará la mano con el extremo oriente y no habrá llegado à la terrible verdad que descobró el Buda?”.

Almeida Gàrrett, Herculano, Eça de Queiroz, Teixeira de Pascoaes, todos desfilam perante o olhar cálido e amargo de Unamuno, que deles recolhe frases, opiniões, ideias que corroboram as suas. Portugal é um país onde é fácil florescer o anarquismo, mas nunca a liberdade: há como que um doloroso e fatal destino que vence a rebeldia e o espírito de renovação. Num povo apático, passivo e servil é possível acontecer um regicídio: é um acto rebelde puramente extemporâneo, anárquico, sem uma fundura de vitalidade colectiva. Unarnuno explica:

«Sumisos hasta cuando se rebelan.. (3)

Mas estas palavras envolvem uma coloração profunda e algo dramática se as restituirmos ao contexto temporal a que elas naturalmente pertencem: 1908. Isto é, dois anos antes da proclamação da República e dezoito antes da instauração da Ditadura Militar. E quase a completar um ciclo de amarga e desesperança (para logo se iniciar um outro, e um outra, numa interminável senda ritual), em 1935, quando, após uma viagem ao País de Salazar, frus trante e medíocre, o autor de Por Terras de Portugal y de Espana se expande em considerações que não corrigem aquela primeira imagem do Portugal de 1908, antes a agravam e empobrecem, então sentimos que as suas palavras soavam a profecia. Como se de um mágico se tratasse, cujas sentenças, videntes e atemporais, transpusessem a linearidade dos anos para comporem uma visão estrutural, instintivamente englobalizante.

Mas, recordemos essas palavras em que Miguel de Unamuno relata as circunstâncias que o haviam levado a deslocar-se ao nosso país (1934 recorde-se):

«Habia sido yo invitado, con otros, a visitar Portugal por la Propaganda Nacional y con ocasion de las fiestas de la ciudad de Lisboa. Festejos ordenados para festejar el orden que aseguran haber restablecido. »(4)

D. Miguel não aderira à cultura oficial salazarista. A sua sensibilidade crescia e exultava ao vislumbrar o Tejo (Tejo português e castelhano, como diria). Mas tudo o mais, o programa, os festejos, inspiravam-lhe desconfiança e frases deste género:

«Y aqui estoy en este pueblo, en que aprendi a querer, a admirar y a compadecer, oyendo quejas de los que tienen que ahogar sus protestas, de los protestas, de los protestantes civiles e laicos. Y hasta se decreta la alegria oficial patriótica! Patriotismo oficial. Se persigue como sospechoso aI que recibe ciertos libros deI extrangero. La terrible sospechosidad inquisitorial!» ( 5)

Censura, repressão, paz pôdre que até a um visitante eram palpáveis, denunciáveis. Unamuno não poupa nada nem ninguém. Principalmente Salazar, em quem entreviu um ditador sereno, frio, castrador:

“y nada mejor que Ilamar fajismo de cátedra – pedagógico y doctrinarioai que informa el actual régimen político português. La dictadura dei núcleo que representa Oliveira Sal azar es una dictadura académico- castrense o, si se quiere, bélico-escolástica. Dictadura de generales – o coroneles – y de catedráticos, com alguna que otra gota eclesiástica.» (6)

Faláramos em ciclo vicioso a propósito das impressões que Portugal suscitara no espírito de um dos maiores pensadores espanhóis contemporâneos, 1908 e 1934: dois momentos, diferentes e soltos na avalanche imensa de um século. Neles surpreende Miguel de Unamuno uma inter-relação, uma identidade, uma projecção num destino que transcende um facto, um regime ou um estádio de coisas. Já no princípio do século fora atraído pelo sebastianismo e, mais tarde, pelo saudosismo de Pascoaes. E devem-se-Ihe das palavras mais justas e intuitivas na avaliação da obra deste último poeta:

“Um panteísmo naturalista, vago y informe, instintivo más que reflexivo, poético más que filosófico.» (7)

Esta caracterização, breve, sintética, profunda, do pensamento pascoalino é própria da prosa unamuniana, simples, mas devastante, musical e envolvente, lenta, rápida, trepidante. Como que suspeitando uma outra explicação para o destino português, Unamuno descobre o Encoberto. Não para o exaltar ou destruir (o seu acerbado espírito crítico acentuava-lhe a justeza e o rigor das afirmações). Mas para lhe reconhecer a marca de um novo mito; o do Nacionalismo, devastador e feroz, inimigo da solariedade entre nações, inimigo de si próprio. Unam uno pode bem considerar-se um psicanalista do destino português: entre a irracionalidade e o instinto, entre o mito e o telúrico -, tudo esses olhos sagazes palmilharam e feriram em busca do autêntico sentido da nossa cultura.

NOTAS
(‘l Miguel de Unarnuno, Por Tierras de Portugal y de Espana; Madrid, Renacimiento, 1930,p. 52.
(2) Manuel Laranjeira, Cartas (prefácio e Cartas de Miguel de Unamuno), Lisboa, Portugália Editora, 1943, p. 175. (‘) Miguel de Unamuno, op. clt .. p. 56.
(4) Miguel de Unamuno, “Lisboa y Toledo», in Ahora, 21 (VI), 1935.*
(b) id .. «Nueva Vuelta a Portugal>” in Ahora, 3 (VII), !93~.Miguel de Unamuno, op. cit .. 31.

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Cecília Barreira nasceu em Lisboa, licenciou se em História na Faculdade de Letras de Lisboa e entrou como assistente estagiária na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, nos anos 80.  Em 1991 defendeu doutoramento na FCSH e em 1999 agregou se em Cultura Portuguesa Contemporânea. É autora de muitos ensaios  sobre figuras do pensamento contemporâneo. Escreve poesia como hobby. Pertence ao CHAM-Centro de Humanidades como Investigadora Integrada.

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