POEMAS E CENAS DE Zuca Sardan

PIRRAZZA

1 . VAPORETTO

Aviso aos navegantes o Vaporetto
partirá pra Cithera o Capitão
chama o cozinheiro chinês
o cozinheiro chinês chama o avestruz
o avestruz bota um ovo o chinês
parte o ovo traz um jornal o vento
venta o chinês faz da casca
o casco o chinês faz do jornal
a vela o Capitão reclama o chinês
faz do cachimbo do Capitão a cha-
miné o Vaporetto apita o vento
venta que venta que venta

2. CASTELO

Viagem atribulada foi-se
ao vento o boné do Capitão
o Vaporetto empina faz pirrazza
faz cavalo-de-pau quase
enfia o casco nos cornos
da torre do castelo
de Dona Sofia
rodopia rodopia
parece uma folia
de viúvas d’operetta
quase atropela o velho taxi
Packard do seu Cafunga

3. CITHERA

Em audaz desafio
às arengas do Bispo
o vento sopra propício
céu violeta luar de Watteau
melancolias de mandolina
sonatina de Pierrot
beicinhos de Colombina
levantamos ãncora
o Vaporetto s’embalanga
nas brumas grenat
rumo a Cithera
Partir ! Partir ! Partir !

 

BUS-REBUS

  1. BUS

Bus Obus
Xevô Xamô
Artixô
Rebus Remix
Rien ne va plus !

2. CARAVELA

Caravela
Calavera
Saravaca
Caravaca

3. JARARACA

Jaca
Jacaré
Jararaca
Pororoca
Perereca

MOINHO

  1. DALVITA(DALVITA)- Ventiladores giram na taberna de Madrid… oh decadência sublime !…. O garçom trouxe na sopa a mariposa afogada
    (GOYA)- Que dizes lá, Dalvita !… mariposa na minha sopa ?…
    (DALVITA)- Sim, Goya, quando alegre partiste… bem te lembras !… tu me deste uma sova… Ai, que doeu… Malvado !…
    (GOYA)- Eia !… que cantas, Dalvita, tão triste … quando te passo a correia .
    (DALVITA)- Sou tua gata vestida … Sou tua gata pelada.

2. CASTELOS

(QUIXOTE)- Meus castelos em Saragossa se esboroam qual borbulhas de pastilha dissolvente em água mineral gasosa… minha gesta de armadura de lata e rocim capenga… não pode parar. Avante, Sancho !…
(SANCHO)- Do desbeiçado almanaque voando vão folhas tantas …
(QUIXOTE)- As filhas do moleiro, Remédios, Dolores, Rosário, me passaram na mó … Fizestes-me farelos. moçoilas

3. MAIS-VALIA

(PREMIER)-Assim, Secretário, onde vamos parar ?… Quantos reis sem coroa e quantos ministros sem pasta… e a rainha Sofia que não sai, por ter o manto poído…
(SECRETÁRIO)- Os proletários não sossegam, Premier… e querem sempre ganhar mais, e mais e mais !… Saem pela rua, cantando bocagens !…
(PREMIER)- E a mais-valia, se já valia pouco, hoje entao… já não vale mais nada.
(SECRETÁRIO)- Que horror, Premier !… Ora pois, onde vamos parar ?…

 

4. FUTEBOL

(JACY)-Não repouses na área, Pirata, foste travar da sinistra, furaste a pelota !
(LOCUTOR)-Brada Jacy na torcida da curva, pro Pirata , Evoé… Baco !…
(PROFESSOR)- Isópteros ordem maldita, do pirata lh’acabam coa secular sucupira
da perna de pau. Sic transit bola… eppure… si muove !…
(PIRATA)- Eu qu’era ciclone … hoje virei jabuti
(PROFESSOR)- Sic transit gralha, craquibus fulgit gloria

5. PANGARÉ

(PANGARÉ)- Com meu trote singular… eu era um belo cavalo, que seria perfeito, não fosse ter apenas … três pernas .
(NAPOLEÃO)- Tal peculiaridade contudo, permitia-te caracolar qual perfeita carrapeta, com mysterioso feitiço, oh divinal Pangaré !…
(PANGARÉ)- É verdade, Napoleão… eu dava meia-volta completa girando num casco só, até mesmo dentro do elevador… da Gare d’Austerlitz

 SEREIA 

(PESCADOR)- És meio gorducha, Sereia, lá isso é verdade. Mas …
(SEREIA)- O garçom vem trazendo a mariposa na sopa, descascando as asas .
(GARÇOM)- Cheguei !… Muito gentil, a sua sereia, oh Pescador, mas poderia apenas… ser , talvez, um pouco menos gordita, sabe-se lá …
(PESCADOR)- Mas enfim, ora ora, se eu gosto dela, e ela gosta de mim …

MINOTAURO

(SAPO)- No cais do porão, o Minotauro levanta-se de seu trono-de-balanço.
(MINOTAURO)- Persecuzione !…crudele persecuzione !… MÚÚÚÚÚÚÚ …
(CIRCE, surjo, vinda de trás do biombo)- Chamaste-me, Minoto ?…
(MINOTAURO)- Ouves esses guturais grunhidos, essas arfantes imprecações ?
(CIRCE, olho pro cais) – Sim… Talvez haja sereias no rio subterrãneo .
(MINOTAURO)- São os gregos, que me perseguem… E porque ? Porque ???
(CIRCE)- Certamente por inveja, Minoto… Não querem aceitar que sejas um personagem importantíssimo … Mais conhecido que o Grifo de Megara .
(MINOTAURO)- Nunca ouvi falar desse Grifo de Megara !… Mas eu, sim, estou em todas as enciclopédias… E sou mesmo mais conhecido que o Teseu, malgrado ele achar que me venceu. Venceu, um nabo, coisíssima nenhuma !!! MÚÚÚÚÚÚÚÚÚ…
(SAPO)- Ouvem-se, num crescendo, longínquos gemidos … ÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚ…
(CIRCE)- Mas… ele não te venceu, Minoto ?… Em todos os baixo-relevos e esculturas, ele sempre parece te estar cruelmente espancando, subjugando…
(MINOTAURO)- Parece, porque os artistas são gregos, Circe. Eles me boicotam. Só mostram flagrantes do início do combate, quando o Teseu me atacou de surpresa. Mas ninguém mostra quando a seguir, recebendo severas chifradas, o Teseu saiu correndo. E agora, já a salvo, fora do Labirinto, o frascalho conta vantagens.
(CIRCE)- Essa tua versão, mais fidedigna, da luta… ninguém conhece .
(MINOTAURO, furioso)- FINGEM !!! … ignorar que eu seja um grande estadista… Incentivei a Marinha Mercante, o solfejo, o canto sacro, o pandeiro e a harpa…
(SAPO)- Ouvem-se gemidos longínquos, dolorosos … ÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚ …
(CIRCE, bocejinho)- Um desenvolvimento sustentado… aumento de exportações…
(MINOTAURO) Afinal, Circe, a origem da Europa foi aqui em Creta !… quando o Júpiter chegou, trazendo a Princesa fenícia, filha do Rei Agenor… O Júpiter estava bonitão, na sua elegante metamorfose, com bela cabeça de touro …
(CIRCE)- Parecidão contigo, meu bem… (bocejinho, sottovoce)… haja saco …
(MINOTAURO, desconfiado)- Que murmuraste lá, Circe ?…
(CIRCE, vestalzinha)- Eu ??… não disse nada, mas… (arregalo os olhos)… ouço vozes !… passos que se aproximam !… Vou me esconder por trás do biombo .
(MINOTAURO)- Mas ora essa !… recebe comigo os fiéis peregrinos, Circe …
(CIRCE)- Que pensariam de nós dois ?… Vou me esconder (sumo atrás do biombo)
(MINOTAURO, sentando-me)- Cá estou eu. Só, irremediavelmente só, no meu rangente trono-de-balanço. (embalango-me) KWEK-KWEK… invenção do Dédalo …
(SAPO)- Pela porta dos fundos, surgem Dédalo e Ícaro com esquadros e martelos .
(DÉDALO)- Salve, Minoto !… Estou continuando a preparar as asas de cera, pra fugir voando, com meu filho. Projetei este Palácio com tantas quinas, curvas e armários de fundo falso, que eu mesmo não consigo sair. (gesto) A Arte !…
(SAPO)- Continuam a se elevar os gemidos sofridos, pavorosos… ÚÚÚÚÚÚÚÚ …
(MINOTAURO, inquieto)- Ouves os gemidos, Dédalo ?… (ÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚ …)
(DÉDALO)- Sou meio surdo, Minoto. Mas… (aproximo-me da borda da murada que encaixa o rio subterrãneo) mas… vejo a barca do Caronte, que se aproxima … (os gemidos vão crescendo …)… até mais, Caronte. (eu e Ícaro saímos, prestíssimos)
(MINOTAURO, sozinho)- Mas, esperai !… ora ora !… Os gemidos… são meus … são meus !… era uma treta… Ô-Rô-Rô… (recomeço a mugir)- MÚÚÚÚÚÚÚÚÚ …

GIOCONDA

(PLUTONE, surdina)- Salvar-se é supérfluo, danar-se é preciso. Eu, Plutone, o Príncipe das Trevas, recebo Professor Fumegas no luxuoso salão de minha Furna Lux, no Hotel Averno. Móveis voluptuosos, tapetes cabeludos e… o quadro mágico da Gioconda.
(FUMEGAS)- Oh, Príncipe Plutone !… Perdoai-me se estou meio intrigado… Mas… a Gioconda deste quadro magistral… me piscou o olho !…
(PLUTONE, leve pigarro)- Parece que ela gostou de ti, Professor Fumegas… és madurote mas ainda tens os teus encantos… de queijo levemente passado. Afinal o Leonardo, com aquelas barbas intermináveis … nunca achava …
(FUMEGAS)- Alguns críticos, com auxílio de justaposição de imagens de ambos, chegaram à conclusão de que a Gioconda é o próprio Leonardo.
(PLUTONE )- Ora, que infantilidade… Diz-me : a Gioconda tem barbas ?
(FUMEGAS)- Talvez o Leonardo as tivesse raspado pra pintar o auto-retrato.
(PLUTONE )- Crês que Leonardo houvesse raspado as barbas da Gioconda ?
(FUMEGAS)- Uma vez que fossem as próprias dele, porque não ?
(PLUTONE )- E o generoso busto, donde acaso sacou ?
(FUMEGAS, mímica significativa)- O Leonardo usou umas bexigas de couro.
(PLUTONE )- E o avantajado rabo ?… questo capolavoro …
(FUMEGAS)- Mas Príncipe !… Não se vê o trazeiro da dama no retrato.
(PLUTONE)- Se virarmos o quadro, poderemos apreciá-lo .
(FUMEGAS)- O Leonardo pintou no verso ? Certamente à noite, no Louvre, muito
distraído, ele teria botado a tela de frente pra trás.
(PLUTONE )- … Ou o de trás pra frente… Esta Gioconda não é a do Louvre .
(FUMEGAS)- Uma réplica extraordinaria !… Meus parabéns …
(PLUTONE )- A réplica do Louvre ?… Realmente primorosa, visto que foi pintada pelo próprio Leonardo… (giro o anelão de rubi no dedo, pisco o olho)
(FUMEGAS, surpreso)- Mas esta vossa tela tambem é original ?…
(PLUTONE, comprazido sorriso )- Sim, Fumegas, esta é realmente a única original.
(FUMEGAS)- Absolutamente extraordinária, talvez superior à original do Louvre.
(PLUTONE )- Só existe uma tela original. No caso da Gioconda, a original é esta que cá está. As demais são reles cópias, umas delas ridícula, tem até bigode ….
(FUMEGAS)- Mas se o Leonardo pintou esta e a do Louvre, então as duas são originais.
(PLUTONE)- Gioconda mesmo, só tem essa . Não insistas, Fumegas …
(FUMEGAS)- Tendes razão, Príncipe Plutone !… Esta, e somente esta, é a tela original, a verdadeira, charmosíssima Gioconda !…Oh !, ela tornou a me piscar o olho !…
(PLUTONE )- Gioconda sabe apreciar um abalisado parecer. Ou está… levemente enrabichada pelo erudito visitante …
(FUMEGAS)- Um agradinho da Divina Dama pra este vão cronista… La Dama é móbile, meu Principe. O Leonardo que o diga… com aquelas barbas …
(PLUTONE )- Móbile e… deliciosamente fingidinha .
(GIOCONDA, coradinha)- E meu… sorrisinho de esguelha ?… Ih-Hi-Hi …
(PLUTONE)- É de … de matar um santo monge … ao lhe surgir no missal .
(GIOCONDA)- E agora… me requebro, giro, e… mostro o bundão !… Così … (PLUTONE)- Così… belo !… Ô-Rô-Rô-Rôôôôôôôôôôôôôôôôô !…

AB OVO

Querido Harrie,
Que honra supimpa !!!
Gracias miles a você e a nossos
devotadoss alunos e alunas
reporteres e fotografas
paparratôes
e paparratinhas
e cronistas volantes
do nosso dinãmico
insuperável
zuca-magazine
Ia eu já come§ar o
artigo inaugural
verifiquei que
o artigo, presto
zaaafffttttt !!!
já come§ou, !!!
com um título clássico
cósmico-filosófico
sobre a Origem
do Cosmos !…
O Ovo Primordial
que levou a terrível
porretada… o
BANNNNNGGGGG
explodiu
CAPOOONNNGAAAA
Do Ovo destro§ado
os cacos formaram
as constela§ôes e planetas…
Mas os cientistas espertos
tão sabidos em explicar
a origem do Cosmos
a partir do Ovo…
Fingem s’esquecer
de que antes da origem
do Cosmos seria preciso
explicar a ORIGEM
Do OVO !!!
Se houve uma
Galinha Primordial
que tenha posto o
Ovo, donde teria
ela surgido ? Dum Ovo !!!
E assim teríamos
uma sequencia
Ovo-Galinha
INFINITA
O Infinito Retrospectivo
do Passado Infinito
é o Verdadeiro
INFINITO do Tempo
Porqu
enquanto o
Presente vai comendo
o Futuro… logo a segiir
o Passado come o Presente
initerruptamente, a cada
dia, a cada segundo…
Então seria preciso
saber se o Passado
vai crescendo
cada vez mais…
Será que o Futuro
um dia acaba ?…
E a Origem
das Espécies ?…
Enfim, a LUTA
das espécies
é a origem da
luta de classes
e o operário
inventou o Ovo !…
Mas o Capitalista…
inventou a Galinha.
Tendo assim o
Ovo sido inventado
pelo proletário
se as galinhas fizerem
greve… o Capitalista
vai querer que o
Galo ponha os ovos
ou vai pra panela .
Eccolequà
sator arepo tenet
opera rotas

♦♦♦

Zuca Sardan (Brasil, 1933). Poeta, desenhista e dramaturgo. Satírico, com um humor irreverente, surrealista e patafísico. Mais recentemente já publicou três volumes de teatro automático, escritos a quatro mãos com Floriano Martins, além de um volume solo com um expressivo conjunto de sua obra. Mais a seu respeito, o leitor interessado encontra aqui:

http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2015/10/s9-viagens-do-surrealismo-zuca-sardan.html.