FRANSÉRGIO E OUTROS POEMAS – por Claudio B. Carlos

FRANSÉRGIO

Fransérgio amava o carnaval. Era quando ele, entre plumas & paetês, miçangas & não-sei-o-quês, podia ser ELA, sem culpa. Longe do olhar recriminatório da adorada esposinha.

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……OUTROS POEMAS

 

Homens na lida
                         sol a pino
                         o suor
                                    e
                                      s
                                        c
                                          o
                                            r
                                              r
                                                e
                       envernizando os corpos
                       mãos firmes no cabo da enxada
                       e no alinhar da relha

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a cara minguada
amarela e anêmica
reflete a fraqueza da pampa
como que pintada por mãos de artista
puro realismo
raquitismo
a face minguante
como se foice fosse
estampada no porta-retratos da minha janela
noite fria a cortar-nos a judiada epiderme
na vidraça
como máscara veneziana
a lua a espiar
a ver-nos contar o franzino caraminguá
e o pior é que vemos que não dá

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O QUE SE MOVE

A Fome
negra
de asas abertas
ronda o rancho
guri de bodoque na mão
e cusco
caçam qualquer coisa
ao derredor de casa
o pai – mais longe –
tenta qualquer coisa maior
qualquer coisa que se mova
e projete sombra
serve e de sobra
pra livrar-nos do assombro

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queria
minha infância de volta
a vidinha disposta sobre a mesa da cozinha
grandes jogadas no futebol de botão
a mesa lavrada pela carretilha das costuras da mãe
o cheiro do café escorrendo no coador de pano
a alegria era ali
a vida sem dia seguinte
tudo era bola na rede
e grito de gol
e o foguetório da torcida
o foguetório
eram pipocas estourando em fogo brando

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SOBRE UM SERVO IMPERFEITO

32 dentes afiados
e uma língua rombuda
fariam-me vosso servo perfeito
não fosse o pequeno defeito
de não saber ser pela metade
uso as armas que tenho:
Enxadas cegas
unhas sujas
pés rachados que nas tardes surdas
pisam e repisam a terra
em que passo a passo
calado
planto-me
E as palavras que são tantas
e as palavras me são tantas
são-me como plantas
num chão onde passo os dias
macerando os sonhos mudos
E onde o vosso reino
que a nós não vem?
Pois que vossa vontade
sempre é feita
assim na terra
que magra
seca as mandiocas
e murcha as flores
que rouba dos trevos
que por sina
nunca são de quatro folhas
nunca são de quatro folhas
E porque não sei ser pela metade
indago
e perguntando ponho-lhe à prova:
Onde o vosso reino
que a nós não vem?
Onde
o vosso reino
que a nós não vem?
Onde?

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Cláudio B. Carlos é poeta da nulidade, filósofo do nada e editor de livros marginais. Nasceu em 22 de janeiro de 1971, em São Sepé, RS, Brasil. Tem diversos livros publicados. Vive em Belo Horizonte, MG.