“Mais amigo é aquele que me critica porque me corrige, do que aquele que me adula para me corromper”
Santo Agostinho
Ao longo da vida, muitas vezes encontramos o que queremos sem procurar. Em regra, essa epifania acontece depois de muito procurarmos sem encontrar. Eu já estava desistindo, quando, por acaso, numa loja do Shopping Cedofeita, avistei o disco pousado na vitrine. Entrei, pedi autorização para apreciá-lo. Solícita, a balconista indagou: quer ouvi-lo? Não, obrigado. E anunciei. Vai virar um disco voador…em direção ao Brasil. É uma encomenda.Continuar a ler “I WILL SURVIVE AO GNR – por Danyel Guerra”
Trinta e cinco anos sem escutar ao vivo a voz de Nara
Já se evolaram quase quatro décadas, mas parece que foi ontem. Nara Leão se apresentando no palco do Teatro Rivoli, num show memorável, dedicado ao camarada Adriano Correia de Oliveira. Não demoraria que ela começasse a padecer do tumor cerebral inoperável, que acabaria silenciando sua voz tão encantadora quanto interventiva. Apesar desse peso e desse pesar, esta cidadã carioca – embora natural de Vitória, capital do Espírito Santo – não abdicou de continuar manifestando determinação e coerência, atributos apanágio tanto da mulher como da artista.Continuar a ler “CHEGA DE SAUDADE, NARINHA – por Danyel Guerra”
“Suas entrevistas eram ricas em aforismos exigentes sobre a vida e sobre o amor.”
François Truffaut
Joyeux anniversaire, Framboise!
Caminhava impetuoso para o fastígio o verão de 1967. Num dos primeiros dias do mês de julho, eu folheava um exemplar do Paris Match, que ganhara de um primo migrado em França. Era uma edição toldada pelos fumos negros do luto, nas páginas onde se reportava o desastre que vitimara uma bela e talentosa atriz dos novos tempos do Cinema francês. Uma atriz que eu não conhecia de Carnaval nenhum e muito menos de um filme. Pelas fotos da matéria, a extinta parecia ser uma pessoa pulsante de sangue bom, quente e latino. Aparentava ter sido, melhor escrevendo.Continuar a ler “A PEAU DOUCE DE UMA CAMÉLIA – por Danyel Guerra”
EÇA DE QUEIROZ NO PANTEÃO? SIM, MAS COM UMA CONDIÇÃO…
“Ao rei tudo, menos a honra” Calderón de la Barca
I – Eça de Queiroz. A exemplaridade da sua vida, a excelência da sua obra, a modernidade da sua herança cultural, artística, intelectual merecem ser (bem) lembradas, são credoras de reiterados tributos. Como, por exemplo, a projeção num ecrã de ‘O Mandarim’, a montagem num palco de ‘A Capital’, a publicação de um ensaio crítico sobre ‘A Relíquia’. O que este insigne autor de dimensão universal não merece, de certeza, é “ver” seu “descanse em paz”perturbado, ter suas (prezável) memória e (impoluta) honorabilidade molestadas pelo viés da vendeta, da armação, da instrumentalização típicas da (baixa) política. Distorções que denunciou, deplorou, até execrou, com estóica têmpera e fértil poder fabulatório, seja enquanto inspirado ficcionista e talentoso romancista, seja enquanto incisivo cronista e aquilino publicista. Continuar a ler “EÇA DE QUEIRÓZ NO PANTEÃO? – EDITORIAL POR DANYEL GUERRA”
A ninguém agrada receber ‘Parabéns p’ra você’ no dia errado. Imagine-se o milenar desconforto de Jesus, o Cristo, ao ser mimoseado com saudações de niver numa data em que historicamente não nasceu.
o-o-o-o-o
Bilhões de seres humanos vivem e morrem sem superar seus dilemas metafísicos. Entretanto, milhões admitem estar no (bom) caminho ao não acreditarem num alegado deus antropomórfico, concebido à imagem e semelhança dos mentores e líderes religiosos. Têm meio caminho andado. Continuar a ler “TEXTOSTERONA: CRÉDULOS & INCRÉDULOS – por Danyel Guerra”
“Quando os jornalistas mencionavam La Dolce Vita, eu respondia, direto, Anita Ekberg…” Federico Fellini
UMA NINFA MUITO FELLINA
Certa noite, alguém importunou a Srª D. Kerstin Anita Marianne Ekberg indagando quantos homens ela já tivera. A deusa escandinava ouviu, suspirou e não podia ter sido mais sibilina. “Você quer dizer quantos homens, além dos meus?!”Continuar a ler “RomAnita – por Danyel Guerra”
“Il m’a marquée plus definitivement qui aucun autre réalisateur. L’image qu’a imposée de moi ‘Les Parapluies…correspond quelque parte à une verité de moi-même“
Catherine Deneuve
Joyeux anniversaire, Jacquot !
Eranotte aAvellino, num dia de novembro de 1982. Mal entro no Cine Eliseo, ouço a Chiara me chamando, um tanto frenética. Daniele, vienni qui… Eu ainda não cheguei junto dela e já está me indagando. Conhece aquele cavalheiro? Um minuto só…conheço, ele é o Jacques…Continuar a ler “O TRIUNFO DA (BOA) VONTADE – por Danyel Guerra”
“Ida Lupino, John Cassavetes e Glauber Rocha foram uma influência fundamental para a minha formação. Seu Cinema continua sendo uma inspiração para mim, enquanto cinéfilo e cineasta”
Martin Scorsese
Feliz aniversário, Glauber!
Num incerto dia de um outono dos anos 70, Juan Luis Buñuel passeava por Saint-Germain-des-Prés, quando, de súbito, alguém cutucou seu ombro. Ao se virar, logo reconheceu o cidadão. Trazia um pacote nas mãos e intimou Juan a acompanhá-lo. “Ele parecia ansioso, aflito mesmo”. Em passo acelerado caminharam até à margem esquerda do Sena.Continuar a ler “SPAGHETTI E SOMBRINHAS JAPONESAS – por Danyel Guerra”
“É preciso uma revolução estetyka e cultural no Cinema. É necessário que o próprio conceito de autor cinematográfico seja revolucionado” Glauber Rocha
‘La Mort de Glauber Rocha’. Assim titulava Serge Daney, o célebre epicédio dado a estampa na edição de 24 de agosto de 1981, do diário francês ‘Libération’. Nesse tributo, o sinecrítico confessava que nele “ainda não se tinha dissipado a estupefação” provocada, em 1979, pelo visionamento da obra testamento do sinemanovista brasileiro. “‘A Idade da Terra’ não se parece a nada de conhecido. É um filme torrencial e alucinado. Um OVNI fílmico, sem mais nem menos”.Continuar a ler “SINEMA, SEU DESTINO É PECAR – por Danyel Guerra”
“Silvino Santos não foi mais um nome para os empoeirados arquivos de cineastas primitivos. Soube sempre colocar sua consciência profissional acima de quaisquer especulações esteticistas”
Alex Viany
Em Portugal, está ainda por inventariar e historiar, de modo sistemático, abrangente e rigoroso, a muito estimável contribuição dos imigrantes lusos para o fomento, incremento e desenvolvimento do cinema brasileiro.Continuar a ler “TEM PATRICIO NOS SETS BRASILEIROS – por Danyel Guerra”
escreveu o Dirceu de Marília. Me leia enquanto estou quente”
Lygia F. T.
TOMANDO UM KAFKAFÉ COM ELE
Exuberância tecida de curiosidade, Lygia entra no jardim dos caminhos que se bifurcam, dirigindo-se, sem hesitações, ao canteiro nº 40. Embevecida, captura, ávida, a fragrância da rosa imarcescível, o primoroso exemplar do borgeano jardineiro. “(…) ninguém pensou que o livro e o labirinto eram um único objeto”.Continuar a ler “TOMANDO UM KAFKAFÉ COM ELE – por Danyel Guerra”
ArteLiteraria, eis a palavra-passe para quem quiser acessar o universo aliceano! Para começo de interação com ele, devo confessar que ignoro qual é a praia predileta de Beatriz Pacheco Pereira, enquanto cidadã. Na certa, todavia, não me enganarei se escrever que, enquanto autora, ela frequenta as finas areias da praia (da) arte literária, onde maresia se faz concórdia com poesia. E desde 2003, em que publicou ‘As Fabulosas Histórias Dela’, coletânea de contos de feição, noblesse oblige, fantasista.Continuar a ler “SERÁ ‘ALICE E OS ABUTRES’* UM ROMANCE ALICEANTE? – por Danyel Guerra”
‘O País das Pessoas de Pernas para o Ar’. Há livros que nos ganham num átimo. O título basta. É esse o caso daquele que encorajou, numa Feira do Livro do Porto, vivia-se uma tarde nublada do Verão Quente de 1975, intrépida expropriação revolucionária. Só depois é que reparei nos prenomes do autor. Manuel António. Até à data, o único Manuel António que eu conhecia era o ponta de lança do FC Porto e da Académica, que se tornaria médico oncologista e chegou a prestar assistência ao Miguel Torga.Continuar a ler “FAZENDO O PINO COM A IDA LUPINO – por Danyel Guerra”
“I dreamed about you last night and I fell out the bed twice”
Morrisey, citando Shelagh Delaney
A noite passada, o Sargento Pimenta sonhou com Nara e caiu da cama duas vezes. A sério, podem crer. Alerto porém que esta Nara não é, esclareça-se, a cidade dourada que no século VIII foi içada a primeira capital do Japão. Embora ela, a cidade, se tenha, antes de tudo, singularizado pela zen serenidade de seus templos budistas e pelos parques povoados de cervos prenhes de meiguice.Continuar a ler “O SONHO DO SARGENTO PIMENTA – por Danyel Guerra”
“Creio que os jornais fazem-separa o esquecimento, enquantoos livros são para a memória”(1)
Jorge Luís Borges
BORGES TINHA RAZÃO MAS NÃO FOI RAZOÁVEL
1- O ano de 1946 decorria politicamente atribulado na República Argentina. Após ser solto da prisão e se ter casado com Eva Duarte, Juan Domingo Perón ganhava nas urnas, a 24 de fevereiro, o direito a residir, como presidente, na Casa Rosada. Uns meses depois, o funcionário Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo foi remanejado do seu lugar numa biblioteca municipal da Grande Buenos Aires, sendo mandado inspecionar aves e coelhos nos mercados da capital.
Os motivos são notoriamentre políticos. O portenho de 47 anos, festejado inventor de Ficciones, havia assinado pronunciamentos de intelectuais contra o general Perón. Um saneamento em coerência com os novos tempos que sopravam nas margens do rio de la Plata.
Ignoro de todo se, em tão tumultuada época, o proscrito já sustentava a controversa opinião expressa na epígrafe deste texto. Se já a defendia, será caso para se dizer que o caudillo justicialista “escreveu direito por linhas tortas”. Nessa conformidade, terá sido, outrossim, uma demissão com justa causa.Continuar a ler “EDITORIAL- BORGES TINHA RAZÃO, MAS ….- por Danyel Guerra”
“Sou uma amadora e faço questão de continuar sendo. E faço questão de não ser uma profissional, para manter a minha liberdade”.
Clarice Lispector
Complimenti, buon compleanno, Roberto!
‘Wuthering Heights’. À introvertida e melancólica Emily Brontë foi suficiente publicar, nos seus 30 anos de vida, um solitário romance, sob o pseudônimo Ellis Bell, para ter lugar cativo no panteão dos imortais da arte literária. De semelhante privilégio se poderá orgulhar a posteridade de Roberto Rossellini. Embora tenha sido imensamente mais prolífero na obra e longevo na idade, ele teria pleno direito de figurar na galeria dos intemporais da sétima arte, mesmo que só tivesse assinado um único filme. Um filme único, enfatize-se. Continuar a ler “QUEM TEM OLHOS VAI A ROMA CITTÀ APERTA – por Danyel Guerra”
A pré-publicação deste conto nas páginas de ATHENA antecipa sua edição no livro ‘Corpo Estranho’, de Danyel Guerra, com saída do prelo prevista para dia 3 de maio, SEGUNDA-FEIRA, no Hard Club, ao Mercado Ferreira Borges, Porto, no set do Fantasporto. Horário: 18 horas.
NO ENTRUDO, VALE TRUDO
C’est l’enfer, l’éternelle peine! Voyez comme le feu se relève! Je brûle comme il faut. Va, démon!”
Arthur Rimbaud
Na memória ainda vivaz e lúcida da Virgem de Vandoma não há lembrança de um dia tão gelidamente irado na cidade sua protegida. Fustigado pela algidez do clima, possuído, porem, pela agilidade da chita, um cavaleiro sobe a íngreme rua de Ceuta, como se estivesse voltando a 1415. E só para em frente de um edifício de consultórios, onde entra ajustando o elmo das “manhãs de oiro e de cetim”(1), em que um puma estilizado esboça o bote. Continuar a ler “NO ENTRUDO, VALE T(R)UDO – por Danyel Guerra”
“Ele é o mestre completo”
Maria Helena da Rocha Pereira
VÍTOR VITÓRIA
Decorria o ano de 1976, quando o escritor sueco Artur Lundkvist declarou que Jorge Luis Borges jamais ganharia o Prêmio Nobel de Literatura, “devido a razões políticas”. Categórico, sem dar chance a dúvidas, este membro da Academia Sueca desvirtuava com este anátema o caráter literário da distinção. Continuar a ler “EDITORIAL – VITOR VITÓRIA – por Danyel Guerra”
o grato campo da senhora, que quem tivesse visto amava”
Floro
AMAR ANICÉE ALVINA
Que deslumbrante sinestesia. Uma noite destas, escutei no rádio, Carminho e Seu Francisco cantando a maviosa Carolina, numa interpretação timbrada pela depuração do sublimado. Inadvertida, a audição me sugeriu uma vertiginosa associação de ideias e de sentidos. Na tela da minha memória tremularam sequências de Le Jeu avec le Feu (1975), de Alain Robbe-Grillet, reavivando algumas boas lembranças cinéfilas. Continuar a ler “AMAR ANICÉE ALVINA – por Danyel Guerra”
“Os doze tiros partiram como um só. O Sr. Sauvage caiu, como um cepo, para a frente. Morissot, mais alto, oscilou, girou e desabou sobre seu camarada, com o rosto para o céu, enquanto da sua túnica, crivada no peito, se escapavam borbotões de sangue.” Guy de Maupassant
Buon Compleanno, tanti auguri, Monicelli
UM BRAVO GUERREIRO
“C’era una volta il Italia”, 1982. No Cine Eliseo de Avellino, na Irpinia, entranhas do mezzogiorno da Campania, mais uma edição do festival (também) fundado por Pier Paolo Pasolini se desdobrava. Na plateia agitava-se um público inquieto, irrequieto, participativo. Continuar a ler “UM BRAVO GUERREIRO – por Danyel Guerra”
Como a vida, o amor é eterno enquanto dura. Mas em boa verdade, ele só será mesmo eterno enquanto for terno.
o-o-o-o-o
“O amor é cura, mas também é loucura”
Sigmund Freud
Sendo verdadeira esta contradição, ela explicará porque de médico e de louco, o amor também tem um pouco.
o-o-o-o-o
No amor, um é pouco, dois é bom, três é demais. Três só não é demais num ménage à trois. Contudo, nessa triangulação, por norma, isóscélica e e até escalena, o amor, enquanto ideal, pode ter cabidela, mas, em geral, não tem cabimento.
Nunca terá havido um ménage à trois mais inusitado do que o de Alex Delarge com a Sonietta e a Marty em ‘A Clockwork Orange’ do Stanley Kubrick, ao som da abertura de ‘Guglielmo Tell’, de Rossini. Capaz de causar tonturas de tão vertiginoso. Tanto aos parceiros como aos cinespectadores.Continuar a ler “PRENSAMENTOS & DESAFORISMOS – I Série – por Danyel Guerra”
“Depois da civilização de Atenas e do Renascimento, entramos agora na civilização do derrière”
Pierrot le fou, de Jean-Luc Godard
(crônica carnevalesca)
Fim de tarde estival, sol quase no poente, na esplanada de um bar, dois clientes tomam, divertidos, um schopen Hauer* estupidamente gelado. O boteco situa-se numa praça em forma de círculo, que encanta sobremaneira um deles, cidadão caRIOca, que pela primeira vez degusta umas Trip’s à moda do Porto. Continuar a ler “UMA ROTUNDA BOA VISTA… por Danyel Guerra”
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