CEM ANOS DEPOIS DE ATHENA – por Rui Lopo

CEM ANOS DEPOIS

Por motivOs que não interessa agora referir, em 2017, fui impelida a criar uma Revista que queria de literatura, poesia, cultura e artes. Um projecto aberto às novas gerações que não tendo possibilidade de publicar tanto quanto gostariam, pudessem aqui ser acolhidas. Como refere Fernando Pessoa, na Mensagem, no poema dedicado ao português mais empreendedor de todos os tempos, o Infante D. Henrique, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, neste caso já pôde sonhar uma mulher, que com o apoio de outras mulheres e também de alguns homens, originou este projecto que intitulou, acompanhando o fio do tempo, Athena.pt, porque agora outros empreendedores de vários continentes, ditaram não ser o papel o único meio de publicação e difusão, disponível, a todo o tempo, a toda a hora, no mundo inteiro. A revista Athena surgiu em Outubro de 1924 em Lisboa sob a direcção de Fernando Pessoa, contou com cinco números, e esta nossa, bem mais modesta, já vai nos trinta números, na altura em que a Athena original faz cem anos.
Agora no final de 2024, ano de comemoração do centenário, este jovem projecto, conta e situa o historial da publicação original, pela pena de Rui Lopo, a quem agradeço a generosidade do ensaio em torno da sua fundação e vida breve. Sabemos ser quase impossível, sejam quantos forem os anos da nossa publicação, igualar o rasgo criativo de Fernando Pessoa, mas também não aspiramos a isso: apenas a fazer pequenas coisas na senda do sonho pessoano. O resto, a Deus graças.                                                                              Júlia Moura Lopes                                                                                                                                                        http://athena.pt


CEM ANOS DEPOIS DE ATHENA

I

O Modernismo como Vontade e Representação

Uma revisitação lúcida suscitada pelo centenário do modernismo que a partir de 2015 se assinalou, tomando como ponto simbólico de referência a publicação de Orpheu em 1915, assume que as revistas marcam a constituição de grupos e movimentos de ruptura histórica de ampla repercussão. Isto é, mais que assinalar uma obra ou um autor, são os encontros de autores entre si incoincidentes que nos fazem repensar a operatividade de considerar a história cultural a partir da ideia de geração e da quase contingência da afirmação grupal em projectos como o Eh Real! (1915), Centauro (1916), o Exílio (1916), o Portugal Futurista (1917), Sphynx (1917); Contemporânea (1922-26) e Athena 1924-1925). Nos últimos anos organizaram-se colóquios e publicações evocativas destas revistas. É hoje mais fácil aceder ao enorme acervo documental necessário ao estudo pelo facto de estarem em constante aperfeiçoamento importantes sítios em linha como o modernismo.pt e Revistas de Ideias e Cultura – Portugal e o Arquivo Pessoa: Obra Édita e o Edição Digital de Fernando Pessoa.

Do estudo destes projectos editoriais e da sua meditada releitura ressalta a constatação da pluralidade de vozes no seio do que hoje denominamos como modernismo, que nos leva a identificar – em certa medida – uma autoria colectiva das novas propostas literárias e artísticas que se iam apresentando e que fundas consequências tiveram. Na leitura global que propomos, é necessário relativizar a noção de autoria individual valorizando autores até agora menos atendidos, mas afinal determinantes na constituição do espírito do movimento modernista português em seus plurais matizes. Há que estudar sincronicamente o contributo dos participantes nestas revistas em torno de dois eixos principais até aqui obliterados: primeiro importará detectar se nos novos modos de assumir a Arte pictórica ou literária, poética ou ficcional, haveria ou não, subjacente, um programa teórico filosoficamente fundamentado. E de que modo os textos doutrinais e ensaísticos destes autores o revelam e explicitam, numa perspectiva colaborativa, constelada e reticular? Poderá o cultivo da crítica de arte por parte dos próprios artistas ser entendido como uma forma de autoconsciência do seu processo criativo? Por outro lado, importaria aquilatar de que modo é que as novas atitudes filosóficas da passagem do século contribuem para enquadrar, fundamentar ou orientar os novos projectos estéticos para os quais não existiam ainda possibilidades, modos ou categorias de recepção. Haveria, contrapolarmente, que esclarecer como o entendimento até então dominante da categoria filosófica de representação sofre um decisivo abalo a partir das obras de Ângelo de Lima, Amadeo Souza-Cardoso, Raul Leal, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro. Isto é: opera-se uma redefinição da apresentação artística como nova representação do mundo, em seu triplo aspecto: gnosiológico, desconfiando da representação científica ou naturalista; sócio-existencial, revelando o lado teatral de toda a actividade humana, social e política; e ontológico, mostrando todo o ser como representação prévia inconsciente, mais ou menos volitiva. Colocamos assim a hipótese de que o modernismo português supõe uma revolução filosófica prévia e simultânea, que até agora não foi assumida ou explicitada e, em segundo lugar, que os desenvolvimentos filosóficos do século XX português são impensáveis sem o influxo da revolução estética modernista e futurista.

II

Athena? Que Athena?

Um colóquio para Athena!

Tendo como horizonte o sempre incertamente delimitável conceito de moderno e de modernismo a partir do estudo das suas mais influentes revistas, em que se ensaiaram novas formas de escrever e ler a tradição e novas formas de pensar o fenómeno artístico atendendo com inaudita punção ao modo como a sua actualidade o determina, e sua época constitutivamente o enforma, colocamos a hipótese de que criar o moderno implicou que o criador se assumisse enquanto sujeito futurante de um presente incompleto.  Assinalando-se este Outono o centenário da revista Athena editada por Ruy Vaz e Fernando Pessoa em cinco números mensais saídos entre Outubro de 1924 e Fevereiro de 1925, entendeu o Grupo de Investigação Raízes e Horizontes da Filosofia e da Cultura em Portugal do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto organizar um colóquio que pretende colocar questões e lançar hipóteses de trabalho. O colóquio tem como mote a pessoana injunção: não se aprende a ser artista, aprende-se porém a saber sê-loAthena suscita uma certa estranheza, difícil de circunscrever: porque é que aqueles que se manifestam culturalmente num gesto de fractura e cisão optaram por tal título grego? Que (neo-)helenismo é este dos modernos e em que se distingue do neo-helenismo dos renascentistas ou do dos românticos? Qual a natureza, função e valor deste título? Decoração, mais ou menos irónica? Será ele orago, inspiração ou totem? Figura tutelar ou mito fundador (contraposto a Orpheu?) E nisto tudo não se intui algo de programático?

Em que medida a concretização de Athena cumpre o plano de difusão neopagã? Como é que o neopaganismo inspirador da revista pôde acolher colaborações tidas por (neo)clássicas, românticas e contemporâneas? Em que medida é que este modo multiforme de estar na modernidade prepara ou antecipa a presença? O que fez juntar numa revista de arte, que se apresenta, pela pena do seu director, como um acto de cultura, isto é, um modo directo de aperfeiçoamento subjectivo da vida, autores tão diversos como Fernando Pessoa que aparece como teorizador da revista, como crítico, poeta e tradutor (de Poe, Pater e O. Henry), Ricardo Reis, Álvaro de Campos, que também surge como teorizador e como poeta, Alberto Caeiro, Henrique Rosa, Almada Negreiros, António Botto, Mário Vaz, o Visconde de Meneses, Mário de Sá Carneiro, cuja colaboração póstuma, escolhida e interpretada por Pessoa, como que o canoniza, Raul Leal, Augusto Ferreira Gomes, Francisco Beliz, Gil Vaz, Castello de Moraes, José Pessanha, Emanuel Ribeiro, Luiz Montalvor, Mario Saa, Cardoso Martha, Carlos Lobo de Oliveira, Antonio de Seves, Alves Martins, Francisco Costa e Alberto de Hutra?

Sentimos que falta trazer à luz o contributo propriamente filosófico desta revista para a qual Pessoa planeara convidar Leonardo Coimbra. Em Athena avulta a colaboração poética de Alberto Caeiro que Pessoa integra programaticamente ao serviço de uma nova proposta filosófica, o objectivismo absoluto; de Álvaro de Campos com seus Apontamentos para uma estética não-aristotélica, onde se procura substituir a ideia de beleza pela ideia de força, e em O que é a metafísica?, visa redefinir tal matricial conceito, o que dará azo a uma bem encenada polémica filosofante com Mário Saa que procuraremos explicitar e enquadrar. Daremos conta que Loucura Universal, de Raul Leal, é afinal um excerto de uma extensa autobiografia filosófica do autor lavrada a partir de um criativo exercício hermenêutico a partir da sua peça de teatro autobiográfico-reflexivo O Incompreendido. De relevar ainda como M.V. [desencriptado por Patrícia Esquível como sendo o crítico Mário Vaz] propõe uma reinterpretação de algumas obras plásticas e escultóricas à luz de novos princípios de teoria da arte. Procuraremos refletir sobre os elementos programáticos explícitos e implícitos na revista sob a forma de textos ensaísticos que apresentam objetivos e princípios estéticos, e pelo cultivo de várias expressões e géneros literários por parte dos colaboradores (Almada como dramaturgo, poeta e desenhador, Saa como poeta e crítico, Pessoa como tudo, etc.). Há que colocar a hipótese de haver algo de dramático, teatral, performático, em toda esta encenação editorial, em que cada participante desempenha vários papéis, de forma mais ou menos consciente e voluntária. Apontar-se-á ainda a ocorrência de tópicos simbolistas tardios, orientalistas e decadentistas, que nunca deixam de ocorrer nas revistas hoje classificadas como modernistas. Daremos especial importância ao facto de a revista ter como projeto inicial a difusão neopagã, assumindo-se como parte duma vasta e complexa campanha de repaganização da vida, da sociedade e da cultura, o que pode não a definir no seu resultado global, mas avulta poderosamente nas colaborações de Campos e Reis e, de algum modo, nas ocorrências clássicas, mais ou menos explícitas. Ficará ainda por apurar até que ponto o neopaganismo pode ser encarado mais do que como uma criação literária pessoana, como um mais vasto movimento que tem em alguns destes autores um momento de expressão, mas que nunca será interrompido na cena cultural subsequente. A crítica, tanto de literatura como das artes plásticas, surge na Athena como um lugar intermédio, de conexão, lugar medial, entre a criação artística e literária e a reflexão filosófica em si própria, continuando-as por outro modo. Talvez tudo isto se resuma, sintetize e culmine na possibilidade pioneiramente avançada por Álvaro de Campos de redefinir a metafísica como uma das belas-artes, como que implicitamente replicando à cautelar advertência de Kant a qualquer metafísica que se apresente como ciência.

Rui Lopo, Porto, Novembro, 2024

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Rui Lopo é formado em Filosofia e membro do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira. Trabalhou com o espólio de José Marinho, depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, e com o arquivo de Agostinho da Silva, sobre quem publicou diversos ensaios e a cuja comissão do centenário pertenceu. Autor. Colabora em Raízes e Horizontes do Pensamento e da Cultura Portuguesa e é investigador do IF-FLUP no projeto Filosofia e Teoria da Arte no Pensamento do Século XX em Portugal. Ocupa-se, ainda, do estudo da receção do budismo na vida intelectual portuguesa (1850-1940).

INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE CULTURA – por Francisco Fuchs

(A) O Didinium é um protozoário carnívoro. (B) Ele nada em alta velocidade pelo batimento sincronizado de seus cílios e, quando encontra uma presa, libera vários dardos paralisantes a partir de sua tromba e devora a outra célula por fagocitose.

INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE CULTURA

Apresentarei aqui os traços mais essenciais do conceito de Cultura que estive amadurecendo ao longo dos últimos 20 anos, porém desta vez sem fazer maiores referências às concepções tradicionais de cultura que são conhecidas de toda gente. O texto também será aligeirado das habituais referências acadêmicas e da análise de uma noção crucial, a noção de problema, à qual dedicarei um ensaio à parte. Por uma questão de clareza, a palavra cultura será grafada com inicial maiúscula sempre que referir-se ao conceito que estou desenvolvendo, o que não significa, obviamente, que eu esteja sugerindo a existência de uma hierarquia entre ele e os demais conceitos de cultura. Continuar a ler “INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE CULTURA – por Francisco Fuchs”

BARRAGENS E MINAS DE LÍTIO (—-) – por Ricardo Amorim Pereira

Barragens e minas de lítio: entre o ambientalismo
radical e o desenvolvimento sustentável

Em artigos passados, escritos para esta prestigiada Revista, fiz já a crítica daquilo que me parece ser um ambientalismo radical, muitas vezes colocado ao serviço de agendas que vão para além da salvaguarda ambiental. Continuarei, hoje, nessa senda, fazendo a crítica dos que criticam a construção de barragens e a exploração de minas de lítio.

Uma das bandeiras de um certo ambientalismo prende-se com a crítica à construção de barragens. Empregam argumentos, verdadeiros, de que tais construções alteram a natureza primitiva dos cursos de água, impactando-se assim na fauna, na flora e nos ecossistemas adjacentes. Continuar a ler “BARRAGENS E MINAS DE LÍTIO (—-) – por Ricardo Amorim Pereira”

O PARADOXO DO MÉRITO – por Francisco Traverso Fuchs

Muito se fala (contra e a favor) da chamada “meritocracia”, mas não é incomum que toda uma discussão sobre esse tema tenha início com definições de “mérito” bastante primárias, o que, a meu ver, acaba prejudicando o debate. Se desejamos avaliar a pertinência (ou impertinência) de uma determinada maneira de organizar a sociedade, faz-se necessário, em primeiro lugar, investigar o conceito que está na base dessa discussão. O propósito deste artigo pode muito bem ser descrito como cirúrgico, pois não pretendo, aqui, examinar a noção de “meritocracia” e nem mesmo definir a noção de mérito, mas apenas explicitar um paradoxo que parece ser inerente a essa noção. Continuar a ler “O PARADOXO DO MÉRITO – por Francisco Traverso Fuchs”

O REAPROVEITAMENTO DAS ÁGUAS RESIDUAIS TRATADAS – por Ricardo Amorim Pereira

 

O reaproveitamento das águas residuais tratadas

Recentemente, foi sentido um dos maiores sismos verificados, neste século, em Portugal. No dia seguinte, muito se falou sobre a preparação necessária para enfrentarmos estes eventos. Como sempre acontece, o assunto caiu logo de seguida, estando agora no maior dos esquecimentos. Esta característica de se conferir importância a um determinado problema, quando o mesmo invade as nossas rotineiras vidas, para, logo de seguida e assim que deixa de se colocar de um modo incontornável, o esquecermos, está presente nas nossas sociedades. Continuar a ler “O REAPROVEITAMENTO DAS ÁGUAS RESIDUAIS TRATADAS – por Ricardo Amorim Pereira”

GIOVANNI PAPINI, 0 HOMEM INFINITO – por José António Barreiros

Giovanni Papini

O Homem Infinito

São algumas notas de leitura do que me foi dado reflectir sobre um extraordinário escritor italiano, omnívoro como já o qualificaram, torrencial na sua estilística, possuído por uma intranquilidade fazedora, incessante, mesmo na mais rude adversidade: Giovanni Papini [1881-1956].

Trago-as aqui, aos leitores da revista Athena, num súbito impulso de regressar onde com gentileza a Júlia Moura Lopes acolheu um meu primeiro escrito sobre a pintora ucraniana Sonia Delaunay.

E trago-as quando estou a ler, no tempo possível que invento, o seu monumental Diário, na versão original, publicada pelo seu amigo e editor Attilio Valecchi [1880-1946].

Se os dedicasse, estes dispersos apontamentos, seria a João Bigotte Chorão, autor de magníficas páginas de análise da sua obra e de compreensão humana da sua pessoa.

Suponho que o primeiro livro seu que li foi na Colecção Unibolso e intitulava-se O Diabo, tendo como subtítulo, mais expressivo Apontamentos para uma Futura Diabologia. Continuar a ler “GIOVANNI PAPINI, 0 HOMEM INFINITO – por José António Barreiros”

MAQUIAVEL – por Rosa Sampaio Torres

Retrato de Niccolò Machiavelli by Santi di Tito.

 “Para compreender a obra de Maquiavel é necessário penetrar seu tempo histórico, acompanhar os dias de Florença em época já revolucionária”

                             (Rosa Sampaio Torres –  Facebook, agosto de 2023).

 (Foto1) Símbolo das liberdades civis da cidade de Florença. Estátua Inaugurada em 8 de setembro de 1504.

Niccolò di Bernardo dei Machiavelli nascido em Florença em 3 de maio de 1469, falecido também em  Florença em 21 de junho de 1527 –  filósofo, historiador, poeta, diplomata e músico. Viveu no período do chamado Renascimento.  É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, segundo o filósofo Leo Strauss (1899 — 1973) (1).

“Com o fim da Primeira República inovadora e socialmente radical de Savanarola, quando objetos de luxo foram até mesmo queimados nas praças, voltaram os florentinos à razão em 1513 – e os Medici novamente ao poder” (2). Continuar a ler “MAQUIAVEL – por Rosa Sampaio Torres”

DEUS E O DIABO, IDEAIS E COISAS QUE TAIS – por M. H. Restivo

Não fosse por essência o diabo algo a ser odiado, muito o estimaríamos por tão profícuas parábolas que à sua custa ensinam a moral aos homens. Que não se estranhe o facto de o símbolo do mal ser o veículo da moral e dos bons costumes pois de que valeria o bem se não existisse o seu contrário? E, assim sendo, não concebemos um mundo sem inspiração diabólica que, como é sabido, mora bem fundo no coração dos homens. Não obstante, mais pobre seria o mundo caso a inspiração divina não se manifestasse ocasionalmente nos homens, que estes, às penas que sofrem, bem merecem o deleite de uma agradável ilusão. E assim se dá que deus e o diabo, essas tão dignas personagens que põem ordem no mundo, continuem a fazer mossa nos nossos corações impenitentes e avessos à paz. E acreditando nós, por força dos males e dos bens da vida, que há males que vêm por bem e bens que por mal vêm, não arriscamos afirmações de autoria em matérias tão controversas.  Continuar a ler “DEUS E O DIABO, IDEAIS E COISAS QUE TAIS – por M. H. Restivo”

APONTAMENTO EM TORNO DA FÉ – por A. Sarmento Manso

Um dos textos mais impressivos sobre Jesus e os seus ensinamentos é assinado pelo cristão oriental Shusaku Endo (1923-1996), autor do aclamado Silencio (1966) narrativa em torno de um padre jesuíta que acaba por renunciar ao cristianismo evitando assim que um grupo de pessoas que tinham abraçado a religião cristã viesse a ter uma morte violenta, mostrando o valor da fé em ambientes adversos, revelador da solidão em que se dá e da mundanidade em que se partilha, quer do ponto de vista da ideologia religiosa quer da análise em torno da organização social e política a que os povos estão sujeitos por leis, decretos e regulamentos. Martin Scorsese em 2016, baseado nesta obra, concluiu o filme com o mesmo título, que como admite, demorou várias décadas a terminar, por força, também, da fé que move os crentes mais exigentes no seguimento da máxima de Tertuliano: “creio porque é absurdo”. Continuar a ler “APONTAMENTO EM TORNO DA FÉ – por A. Sarmento Manso”

DALI E A “TENTAÇÃO DE SANTO ANTÃO” – por Rosa Sampaio Torres

Dali e seu quadro “Tentação de Santo Antão”

 

Uma experiência de viagem especialmente marcante para mim foram visitas às casas que o pintor Salvador Dali possuiu próximo de Barcelona: seu museu em Figureis, a casa de praia em Port Lligat, e o “castelo” de Pujol do sec. XI comprado para sua mulher. Gala – por ele próprio restaurado e decorado. Continuar a ler “DALI E A “TENTAÇÃO DE SANTO ANTÃO” – por Rosa Sampaio Torres”

NO CENTENÁRIO DE MÁRIO CESARINY – por A. Sarmento Manso

O Real e Sobre Real

A propósito do centenário de Mário Cesariny

Em 2023 celebram-se os 100 anos de nascimento de Mário Cesariny de Vasconcelos (1923-2023). As impressões que se seguem não pretendem apresentar a personagem de Cesariny nem destacar os feitos e defeitos do movimento surrealista entre nós. Um e outro trabalho está amplamente documentado nos vários estudos sobre o movimento surrealista português e suas personagens maiores da autoria de António Cândido Franco.

Andava um dia a visitar um museu em Espanha que tinha expostos diversos trabalhos de Salvador Dali, alguns dos mais importantes e de maior destaque, quando um amigo me interpelou sobre o porquê do meu gosto por uma pintura de bonecos deformados? Sabendo eu do gosto dele pelo cubismo, contrapus que era o mesmo que ele tinha pelas mesmas figuras distorcidas do cubismo, nomeadamente Picasso. Disse que não: Picasso distorce coisas, figuras e pessoas que realmente existem; enquanto que os surrealistas criam formas a partir das deformações que provocam naquilo que recriam, e como lhes acrescentam muitos adereços, dizia o meu amigo, acabam por vulgarizar a obra de arte, tal qual as crianças que vão originando coisas banais, acrescentando riscos a riscos, cores a cores, sobrepondo uma quantidade de matérias de forma indiferente na mesma composição. Surrealisticamente lembrei ao meu amigo que o dramaturgo Henrik Ibsen (1828-1906) tinha, ainda no século XIX, escrito, contra a corrente literária, a peça Uma casa de bonecas (1879) para contestar a luta dos indivíduos ante os constrangimentos das convenções da sociedade. A sua dramaturgia sob o signo da bonecada ou do disfarce, foi essencial para uma nova abordagem da arte em causa. Assim sendo, as bonecas e os bonecos, vistos na perspetiva da criação, seja ela qual for, tem sido propícia aos movimentos de contra cultura artísticos e literários de todos os tempos e lugares.

Mas afinal o que é o Surrealismo? A definição de surreal em diversas aceções que consta no Dicionário Houaiss é a seguinte: “1 que denota estranheza; transgressão da verdade sensível, da razão, ou que pertence ao domínio do sonho, da imaginação, do absurdo. 2 aquilo que se encontra para além do real. 3 o que resulta da interpretação da realidade à luz do sonho e dos processos psíquicos do inconsciente”. Seja qual for a atribuição é algo que se sobrepõe ao real e hoje, o surrealismo comummente designa o movimento artístico e literário nascido em Paris em 1924 que tem como teórico principal André Breton (1896-1966) fortemente influenciado pela psicanálise freudiana com a qual tinha tomado contacto aquando da sua formação em medicina, mesmo que não deixe de a censurar por circunscrever a realidade às manifestações do sexo e do instinto. Na edição mais recente em português dos Manifestos do Surrealismo (Letra Livre, 2016) André Breton, no manifesto de 1924 que o fundou, ante as insuficiências das explicitações anteriores, define-o assim: “automatismo psíquico puro, pelo qual se pretende exprimir, verbalmente ou por escrito, ou de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de qualquer vigilância exercida pela razão, para além de qualquer preocupação estética ou moral”. Pouco interessará saber se é possível uma vida surrealmente vivida nas condições enunciadas. Naturalmente que enquanto o indivíduo for um ser racional e social, e nunca deixará de o ser porque essa é a sua própria condição, os limites à sua ação, por parte do outro, da biologia e da sociedade, serão marcantes nas escolhas dos seus percursos. Como aconselhava o filósofo existencialista dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), mesmo que detestemos a vida societária, convém a todos os indivíduos que se mostrem de qualquer maneira à comunidade a que pertence, ou passando pelos cafés, ou visitando as exposições da moda e outros eventos sociais, ou simplesmente passear na rua em horas de maior afluência (na altura, os passeios ao longo da tarde eram verdadeiros acontecimentos sociais).

Outros sentimentos prenderam a minha atenção na ligação entre o surrealismo e a psicanálise. Há alguns anos vi um dos muitos documentários sobre Salvador Dali, já num estado de degradação física acentuada, e creio que sentado em uma cadeira de rodas, desatou em copiosas lágrimas porque o juízo que fazia era de que os génios, grupo em que se auto incluía, não deviam morrer porque eram espíritos do bem; ao contrário, as quimeras do mal escusavam de ter nascido e poupariam o mundo ao sofrimento inusitado. Mas na verdade os génios do bem só se destacam porque há os do mal e vice versa. Outra sensação prende-se com génio agora evocado, Mário Cesariny, que estremecia de pavor quando pensava que o seu corpo, depois de morto, pudesse ser enterrado e servisse de pasto aos mais variados vermes e parasitas que o haveriam, como é normal aos corpos que são enterrados, de o consumir. Estas imagens arriscariam ser identificadoras do cadáver esquisito, esse jogo de inversão da lógica do pensar de cariz racional, que animava os projetos surrealistas pois na altura que tive contacto com os depoimentos, ambas as personagens tinham a imagem aproximada do cadáver e muito longe das gentis proporções de uma mocidade vigorosa que já tinha ficado para trás. Quer Breton quando lançou as bases do Movimento, quer Dali e Cesariny quando assim se expressaram, deveriam conhecer o conto de F. Scott Fitzgerald O estranho caso de Benjamin Button (1922) que invertendo exatamente a lógica da vida e da morte, joga com o real e o surreal mostrando que no meio, está a certeza da verdade procurada, dos que vêm da infância para a velhice, dos que retornam da velhice para a infância. No caso de Cesariny, mesmo podendo optar pela cremação, sempre lhe pareceu mais pacífico que o seu corpo morto ficasse na sua inteireza em um lugar qualquer imune aos vermes e longe do fogo que reduziria a pó e cinzas até os seus rijos ossos. Estes depoimentos lembraram-me, ainda, a composição plástica de contornos realistas de Grant Wood (1891-1942) intitulada American Gothic (1930). O quadro retrata um casal rural americano, pela meia idade, mas pela aparência, pelo traje e ar sorumbático de ambos, mais se parecem com cadáveres adiados do que com indivíduos em plena vida. Substituindo a forquilha empunhada pela figura masculina pela célebre gadanha que instintivamente representa a morte, passamos do cadáver esquisito ou adiado, ao cadáver em vida do evocado Dali e Cesariny.

Grant Wood, American Gothic (1930)

A Portugal, o surrealismo enquanto movimento, ainda que inconsistente, tendo em Cesariny o seu expoente máximo, até pela diversidade da sua ação criativa, poesia, pintura, tradução, ensaio, surge em 1947, 23 anos após a publicação do manifesto de André Breton, a uma mesa do café lisboeta Mexicana. Com ele estiveram Alexandre O’Neill, José Augusto França, Fernando Azevedo, Costa Pinto, António Pedro e Moniz Pereira. Alguns outros houve como Artur Cruzeiro Seixas, António Maria Lisboa e Mário-Henrique Leiria que se lhe juntaram. A insipiência ou insignificância do grupo surrealista português foi tal que o único evento público participado pelos seus fundadores, aconteceu em Lisboa no ano de 1949. Como é sabido uma boa parte daqueles que fundaram e aderiram ao Movimento, são dissidentes do movimento neorrealista de vincados interesses políticos, que sob a cartilha do marxismo leninismo em prol dessa utopia há séculos anunciada e perseguida aqui e ali, quis por a criação ao serviço do povo para o guindar a um nível cultural promotor do bem estar pessoal e coletivo, espécie de alimento para a alma, que acompanharia a melhoria das duras condições de vida. Era preciso repousar o corpo do trabalho cansativo e repetitivo, da obrigação de ter de trabalhar para viver, mesmo que a vida nos tenha sido dada de graça e nesses momentos de repouso, iluminar a alma ou o espírito não com o discurso do temor e tremor que as religiões alimentam, mas com a expressão dos sentimentos individuais mais profundos: literatura, poesia, cinema, música artes cénicas e plásticas. Mesmo que a experiência não tenha ganho raízes, perdido o grupo, salvou-se a demanda individual dos seus elementos, zangados uns com os outros quase sempre, e consigo mesmo de vez em quando, em torno do propósito surrealista. Outras quezílias houve com gente que andou nas proximidades como seja, para citar as mais relevantes, a que tem a ver com um dos primeiros editores de Cesariny, o escritor maldito Luiz Pacheco (a expressão poetas malditos foi cunhada por Paul Verlaine em 1884), a lembrar Rimbaud e Baudelaire, e, não se conhecendo acrimónia notável entre Cesariny e Natália Correia, depois de terem estado em projetos comuns como a Antologia de poesia portuguesa erótica e satírica (1966) da responsabilidade da poeta açoriana, não parece que Cesariny fosse um habitual freguês nas mesas do Botequim, esse espaço de liberdade e transgressão, que Natália egoicamente concebeu e alimentou numa das belas colinas da encantadora Lisboa.

Mas sim. Cesariny é de facto e de direito a figura maior do surrealismo português, ao lado de Cruzeiro Seixas, que viveram desentendidos quase toda a vida. Outra particularidade é que a obra escrita de Cesariny, nomeadamente a poesia, disponível em edição da Assírio & Alvim, fá-lo destacar no panorama criativo português, relativizando a sua obra plástica. Ao contrário Cruzeiro Seixas vê realçada a sua obra plástica, e a criação poética repousa em lugar marginal. Felizmente o acervo mais relevante da obra de ambos está patente na Fundação Cupertino de Miranda, em Vila Nova de Famalicão, museu do Surrealismo.

Termino escolhendo deixar impresso um dos seus poemas mais conhecidos incluído em Pena capital (1957), porque tem a ver com o corpo e o espaço, a sensualidade e a sexualidade, ou apenas o desejo místico, a experiência quase religiosa de ligação, de fusão, de inclusão do que vivendo à parte, anseia pelo todo de que se sente distante, porque o imaterial não é possível ser experienciado sem o prévio contacto com o material:     

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto    tão perto    tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

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A. Sarmento Manso, nasceu nos idos de 1964, pelo outono, ao cair das folhas, na aldeia transmontana de Izeda. Ao longo de mais de meio século de existência tem-se dedicado à aprendizagem de pequenas coisas, do lugar que nos pode caber no mundo e de como a beleza nos haverá de tranquilizar.

DAS RAÇAS DAS DESGRAÇAS – por M. H. Restivo

As desgraças, quando não sentidas na própria pele, muito agradam aos homens, o que as torna em assunto fecundo para as mais variadas histórias. A história que aqui vos trago é a de Isabel, uma história com desgraças, como qualquer boa história, conseguida a expensas do muito que sofreu. É importante, porém, não esquecer que convém manter a desgraça a uma saudável distância do coração. Não se quer que o verdadeiro peso do sofrimento do mundo invada o nosso íntimo, que isso seria mais trágico do que qualquer tragédia, quer-se, antes, que o leitor sinta com a razão, com a mesma razão abstrata que está na origem das coisas do mundo. Com aquela razão, que não é a razão dos homens, que transforma a morte num bem necessário à vida e que faz
do sofrimento a mais eficiente das estratégias de sobrevivência. Que a morte e a dor, ainda que por demais penosas para os indivíduos, são um bem quando vistas através dos olhos do mundo e nós não somos mais do que matéria fugaz no grande carrossel da natureza. Se na vida, tal distanciamento não nos é possível, aproveitemos as histórias para treinar o nosso olhar sobre um ser que, na luta contra a morte e contra o sofrimento, acaba sempre por lhes sucumbir, cumprindo assim os desígnios mais altos da sua natureza. Continuar a ler “DAS RAÇAS DAS DESGRAÇAS – por M. H. Restivo”

O MITO DA POLUIÇÃO DOS AUTOMÓVEIS ELÉTRICOS- por Ricardo Amorim Pereira

 

A desmistificação do mito da poluição dos automóveis elétricos

Nesta prestigiada Revista tenho vindo a discorrer sobre vários assuntos relacionados com a matéria ambiental. Hoje, irei abordar a questão dos automóveis elétricos, debruçando-me sobre a confusão que por aí paira a respeito da poluição gerada por esse tipo de veículos. Motivadas pelo preconceito, simples ignorância, ou, quem sabe, pelo lóbi do petróleo, persistentemente, com efeito, vão surgindo notícias referindo que esse tipo de automóveis polui mais do que aqueles a combustão. Como em todas as lendas, há um fundo de verdade nestas afirmações. Continuar a ler “O MITO DA POLUIÇÃO DOS AUTOMÓVEIS ELÉTRICOS- por Ricardo Amorim Pereira”

O QUE SOMOS – por Joana Rebelo

 

Entre processos e percursos.
Da modernidade à atualidade

Da modernidade desde Descartes (1596-1650) conhece-se uma filosofia do sujeito, “penso, logo existo”, o “homem medida”, que tem a sua origem no racionalismo grego, nos sofistas, pois Protágoras, um dos seus elementos mais proeminentes, fixou na mudança de paradigma da natureza para o homem que este “é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.” Seguiu-se também a famosa máxima atribuída a Sócrates (mesmo que não lhe pertença): “conhece-te a ti mesmo”, desígnio que a longa Idade Média interrompeu com a submissão do poder da razão para os dogmas de deus. O entendimento da natureza e do homem no seu seio é, por isso, de novo, modificado. Antes dos sofistas, era a physis, a substância física da qual todas as coisas eram feitas, que se impunha como princípio organizador da estrutura das coisas, percurso iniciado por Tales de Mileto, que caracteriza o designado pensamento pré-socrático. Continuar a ler “O QUE SOMOS – por Joana Rebelo”

 SANTO UDALRICH – por Rosa Sampaio Torres

   Santo Udalrich

(c. 893 – 4 Jul 973)

       seu contexto genealógico e histórico

A capela de St. Udalrich ainda hoje existente em Avolsheim, Alsácia. Informam fontes locais é “o mais antigo santuário sobrevivente do período carolíngio, pois as investigações arqueológicas realizadas em 1967 permitiram situar a construção desta capela tetra-cônica no século IX”. Continuar a ler ” SANTO UDALRICH – por Rosa Sampaio Torres”

LA FÍSICA DE LAS OPINIONES – por Yasmin Navarrete e Sergio Davis

 

Usando modelos de física estadística, científicos chilenos estudian la influencia —entre pares— de las opiniones y otros temas asociados al comportamiento social. En el año 2014 The European Physical Journal B., publica esta investigación que estudia cómo las opiniones individuales, a través de un modelo obtenido de la física estadística, determinan la distribución espacial y la conectividad entre individuos. El estudio busca entender cómo se relacionan las opiniones en los procesos de socialización, así como también permite observar la consecuencia de estos sujetos respecto de sus opiniones. El resultado señala que existe un valor crítico de consecuencia ante el cual la opinión personal no tendría relevancia. Continuar a ler “LA FÍSICA DE LAS OPINIONES – por Yasmin Navarrete e Sergio Davis”

EDITORIAL – A ARTE DA RESISTÊNCIA – por Jonuel Gonçalves

 

Fotografia de Paulo Burnay

 

Hipótese de trabalho sobre a guerra na Ucrânia *

O conflito armado na Ucrânia é um daqueles que tem várias datas de começo e não se sabe quando será a data de encerramento. Para o mundo, começou há um ano com a invasão russa, mas para os ucranianos vem pelo menos de 2014 com mudanças de poder em Kiev que desagradaram ao vizinho e às forças internas defensoras de relações especiais com ele. Continuar a ler “EDITORIAL – A ARTE DA RESISTÊNCIA – por Jonuel Gonçalves”

A IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA CIRCULAR – por Ricardo Amorim Pereir

Tive já a oportunidade de, nesta Revista, comunicar sobre a importância da prática da reciclagem. Retomarei este tema. De uma forma crescente, as sociedades têm despertado para o facto de caminharmos por um trilho de insustentabilidade, no modo como exploramos os recursos naturais e poluímos o ambiente. É do senso comum que uma redução nos níveis de consumo contribui para o mitigar deste mal.  Este discurso anticonsumo, que não ouso contrariar, todavia, parece-me pecar por não conferir a devida atenção à vertente da chamada economia circular. Não me canso de referir que a apropriação do tema ambiental pelas correntes ideológicas das esquerdas extremadas, anticapitalistas, possivelmente, é parte do problema e não da solução. Entendamo-nos – a questão ambiental deveria estar acima de qualquer conflito ideológico. Trata-se de uma matéria de sobrevivência da espécie e de manutenção de qualidade de vida da mesma. Politizar o tema ambiental seria equivalente à politização de uma hipotética estratégia científica, desenhada com o fito de, no sentido de se evitar uma catástrofe global, se desviar um asteroide que se aproximasse do nosso planeta. Uma total falta de sentido, portanto. Continuar a ler “A IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA CIRCULAR – por Ricardo Amorim Pereir”

RECEITUÁRIO DE SONHOS – por Wander Lourenço

 

Receituário de sonhos através da literatura

Em sua obra intitulada A interpretação dos sonhos, o psicanalista Sigmund Freud explicita que esforçar-se-ia por elucidar os processos a que se devem a sua estranheza e a obscuridade, ainda que pouco ou nada que aborde a sua natureza essencial possibilite uma solução final para qualquer dos enigmas dos sonhos. Deste modo, aviso aos navegantes: a crônica não se predispõe a elucidá-lo, absolutamente; entretanto, se inclina a utilizá-lo como metodologia de leitura, que prognostica a prevenção como modo eficaz de combate às aflições psíquicas do Homem pós-moderno. Neste compasso, eis que se prescreve o Receituário através da literatura, sob forma de breve contribuição ao estado de saúde mental do Leitor, que se quer são e hígido em lucidez. Assim sendo, o indivíduo apto ao ato de Ler anteceder-se-ia ao diagnóstico clínico, subscrito pela consternação agônica do espírito, às margens do abismo da existência que, por vezes, impele o ser humano ao suicídio físico ou moral. Continuar a ler “RECEITUÁRIO DE SONHOS – por Wander Lourenço”

A VIAGEM DO ELEFANTE – por Celso Gomes

A VIAGEM DO ELEFANTE         

Em maio deste ano, publicamos na Athena o artigo Quem Porfia Mata a Caça, no qual procurávamos analisar o romance O Homem Duplicado de José Saramago. O tempo passou, outras leituras vieram e me esqueci por completo do escritor português até que li uma notícia antiga sobre sua doença em um jornal do Rio de Janeiro, meses antes, de Saramago ressurgir nos cadernos literários brasileiros com entrevistas e um novo livro publicado: A Viagem do Elefante. Continuar a ler “A VIAGEM DO ELEFANTE – por Celso Gomes”

A GUERRA E O AMBIENTE – por Ricardo Amorim Pereira

A guerra e o ambiente.
Preocupações coexistentes.

Praticamente ninguém nega que vivemos tempos de exceção. Ainda não ultrapassamos, por completo, a mais grave pandemia em 100 anos e, no início deste, deparamo-nos com uma guerra de contornos anacrónicos. Como fruto dessa guerra, ressurgiram os fantasmas da confrontação nuclear; a ordem internacional foi abalada, abrindo-se a porta para o reaparecimento de um tipo de guerra que julgávamos fechado nos livros de História – o que visa o alargamento territorial; o custo de vida, um pouco por todo o mundo, disparou. Neste contexto, que lugar passou a ocupar a questão ambiental na escala de prioridades dos cidadãos comuns bem como na dos políticos que nos governam? Em 1971, Ronald Inglehart afirmou que, desde a Segunda Guerra Mundial, na Europa Ocidental, terá havido uma mudança nos valores priorizados pela sociedade. Segundo este autor, nesses países, o aumento, quer do bem-estar económico quer dos níveis de segurança, permitiu a passagem de paradigma nos valores de um, assente no materialismo, para um outro, assente no pós-materialismo. A ideia subjacente a esta teoria é a de que apenas quando as necessidades mais básicas estão satisfeitas é que a atenção se move para questões que não se prendem, diretamente, com a subsistência. Na mesma linha de raciocínio, Müller-Rommel (1998) referiu que, nos anos 70 e 80 do século passado, nos países desenvolvidos, se assistiu a uma mudança cultural, marcada por um forte crescimento das preocupações sociais que vão para além da satisfação das necessidades básicas. A igualdade de direitos, a atenção às minorias, as preocupações ambientais, a solidariedade para com o chamado Terceiro Mundo, as exigências de desarmamento, entre outras, assumiram-se como novas exigências da sociedade para com a classe política.

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ROLANDO E SEU RAMO HORNBACH- por Rosa Sampaio Torres

Carlos Magno lamenta-se ao encontrar o corpo de Rolando. Iluminura de Jean Fouquet.

Este trabalho tem o objetivo de identificar a exata filiação de Rolando, o famoso herói franco morto em 778 na batalha de Roncevalles, na Espanha, que sugerimos do ramo genealógico dos Hornbach.  Continuar a ler “ROLANDO E SEU RAMO HORNBACH- por Rosa Sampaio Torres”

DESAFIOS AMBIENTAIS PARA O SÉCULO XXI – por Ricardo Amorim Pereira

Foto de Mariana Blue

As sociedades, de uma forma crescente, vêm ficando atentas à situação delicada em que nos encontramos, no concernente à problemática do aquecimento global antropogénico. Com efeito, cada vez mais, é menor o número daqueles que prescindem de reconhecer que este se afigura como um dos principais problemas com que a Humanidade se confronta ou se confrontou. A ciência mais credível e bem estabelecida, com efeito, é perentória, ao afirmar que a atual trajetória de emissões de gases causadores do efeito de estufa está a encaminhar-nos para um desastre de dimensões bíblicas. Subsiste, todavia, uma, aparente ou não, dicotomia entre preservação ambiental e crescimento económico. Como se pudesse haver economia sem ambiente e, sem economia, possibilidade de apreciarmos e beneficiarmos de um bom meio ambiente. Tal como as Histórias políticas do século XX e do início do XXI demonstraram à saciedade, todo o tipo de fundamentalismos encaminha o ser humano para a sua perdição. Deste modo, o desafio existencial com que, atualmente, nos confrontamos só encontrará resolução, efetiva e duradoura, quando for possível harmonizar estes dois mundos – o económico e o ambiental. Continuar a ler “DESAFIOS AMBIENTAIS PARA O SÉCULO XXI – por Ricardo Amorim Pereira”

O AMOR PLATÓNICO: Fragmento a Propósito de um Equívoco – por A. Sarmento Manso

Foto by Paulo Burnay

Platão é um grande exegeta do amor, tratando-o de forma única, deixando um lastro de desejo e luxúria que perdura até à atualidade em qualquer das suas manifestações: homossexual, heterossexual, bissexual, espiritual. No entanto dessa herança ressalta de boca em boca uma ambiguidade em torno daquilo que passou a designar-se de amor platónico expressão cunhada por Marsílio Ficino (1433-1499). Os estudiosos mais atentos vão enunciando o seu verdadeiro significado, mas raramente, nesse pormenor, saem do enredo em que a tradição o confinou. Platão nos diálogos O banquete e Fedro trata do amor físico e metafísico, abrangendo em simultâneo o corpo e a alma, a carne e o espírito, a sedução e a contemplação. Continuar a ler “O AMOR PLATÓNICO: Fragmento a Propósito de um Equívoco – por A. Sarmento Manso”

CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBERALISMO DE HELENA ROSENBLATT- por Cecília Barreira

 

É importante tecer algumas considerações acerca da obra de Helena Rosenblatt, A História Esquecida do Liberalismo, publicada e traduzida pelas Edições 70 em finais de 2021.

Professora de História na Universidade de Nova Iorque, a autora referencia como o termo liberal no contexto político dos EUA, é mais consensual que o termo democrata. Continuar a ler “CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBERALISMO DE HELENA ROSENBLATT- por Cecília Barreira”

PRESENCIA DE SÍMBOLOS RELIGIOSOS EN EL IMAGINARIO DE ALTAZOR- por Claudia Vila Molina

 

En el presente ensayo se analizarán diferentes elementos expuestos en el prefacio del texto Altazor. Un primer aspecto que llama la atención es la reunión de símbolos extraídos desde la tradición judeocristiana (Cristo, Dios, la Virgen, el demonio), en relación con ello se presentarán diversos argumentos. Continuar a ler “PRESENCIA DE SÍMBOLOS RELIGIOSOS EN EL IMAGINARIO DE ALTAZOR- por Claudia Vila Molina”

SERÁ ‘ALICE E OS ABUTRES’* UM ROMANCE ALICEANTE? – por Danyel Guerra

ArteLiteraria, eis a palavra-passe para quem quiser acessar o universo aliceano! Para começo de interação com ele, devo confessar que ignoro qual é a praia predileta de Beatriz Pacheco Pereira, enquanto cidadã. Na certa, todavia, não me enganarei se escrever que, enquanto autora, ela frequenta as finas areias da praia (da) arte literária, onde maresia se faz concórdia com poesia. E desde 2003, em que publicou ‘As Fabulosas Histórias Dela’, coletânea  de contos de feição, noblesse oblige,  fantasista. Continuar a ler “SERÁ ‘ALICE E OS ABUTRES’* UM ROMANCE ALICEANTE? – por Danyel Guerra”

O PIERROT LUNAIRE A PARTIR DUM ENSAIO DE AUGUSTO DE CAMPOS- por Eric Ponty

 

O PIERROT LUNAIRE E AS SUAS CORRESPÔNDENCIAS

Música de Invenção, São Paulo, Editora Perspectiva, 1998.

A partir dum ensaio de Augusto de Campos

Em 1912, um ano antes da colisão da SAGRAÇÂO DA PRIMAVERA, de Stravinsky, uma outra obra escandalizou as orelhas do século: PIERROT LUNAIRE, de Arnold Schoenberg, um ciclo de 21 poemas de Albert Giraud, em versão alemã de Otto Erich Hartleben, para voz e pequeno conjunto instrumental (piano, flauta e flautim, clarinete e clarinete baixo, violino, viola e violoncelo). Continuar a ler “O PIERROT LUNAIRE A PARTIR DUM ENSAIO DE AUGUSTO DE CAMPOS- por Eric Ponty”