CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBERALISMO DE HELENA ROSENBLATT- por Cecília Barreira

 

É importante tecer algumas considerações acerca da obra de Helena Rosenblatt, A História Esquecida do Liberalismo, publicada e traduzida pelas Edições 70 em finais de 2021.

Professora de História na Universidade de Nova Iorque, a autora referencia como o termo liberal no contexto político dos EUA, é mais consensual que o termo democrata.

Se refletirmos sobre a realidade política portuguesa, liberal está conotado com as direitas. Porque os progressistas ou são democratas ou socializantes.

Já não se diz abertamente socialistas. Porque o socialismo é injustamente conotado com comunismo.

Voltando à obra que aqui nos interessa. O Liberalismo surge ainda antes das encruzilhadas da Revolução Francesa de 1789. No contexto político dos EUA. Da independência face ao império britânico.

Avançando um pouco para o século XIX, as revoluções que por todo o mundo ocidental irromperam a partir de 1848, assustaram os teóricos. Devido ao ativismo das classes trabalhadoras. E os liberais queriam manter o poder circunscrito às elites.

Daí a emergência de governos autoritários como os de Napoleão III ou de Bismark.

Em relação à participação das mulheres nas incursões políticas ou na orla do trabalho, os liberais eram totalmente contra.

À mulher estava destinado apenas preservar a família e cuidar do marido e dos filhos.

Mas ocorreu algo que os liberais receavam.

Nos anos 70 de oitocentos surge nos EUA a Liga Liberal Nacional com uma doutrinação inclusiva e revolucionária. Às mulheres era permitido a participação em todos domínios.  Admitia-se que todas as religiões e credos eram igualmente importantes. E que o amor deveria ser livre. Isto é, para uma educação gratuita para todos associava-se uma liberdade sexual, inclusive o divórcio, o voto feminino, o fim de toda e qualquer forma de escravatura ou opressão.

Claro que a Igreja reagiu negativamente e os liberais conservadores ficaram em pânico com a propagação destas ideias.

Em finais do século XIX em França, por exemplo, temia-se o direito de voto feminino.

Os movimentos feministas eclodiam em força pela Europa mais culta. Sem nunca porem em causa a domesticidade a que as mulheres eram remetidas. Até porque tinham a missão da reprodução.

A obra Uma Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações de 1776 do filósofo Adam Smith é universalmente considerada o livro fundador do Liberalismo. Os interesses de um coletivo num plano de liberdade e dos direitos individuais.

Os americanos liam Adam Smith e outros teóricos. E no dia 4 de julho de 1776 consagraram a Declaração da Independência face ao Império Britânico. Os direitos eram vistos como naturais.

Os homens nasciam iguais e com direito à felicidade e à liberdade. A liberdade não era uma concessão.  Era um direito natural.

Mas a escravatura perdurava. Se havia o direito à felicidade era para o homem branco e não para o de raça negra.

O abolicionismo avançava. Mas o antiabolicionismo também.

Quanto às mulheres, do lado americano, havia a noção de que se fossem mais   cultas melhor cuidavam da célula familiar e assim transmitiam à prole uma maior elevação moral e espiritual. Contradições do Liberalismo.

Contudo, a pouco e pouco, ia nascendo o conceito de Democracia.  Essa sim, uma ameaça ao Liberalismo.

Lisboa, janeiro de 2022

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Cecília Barreira é professora no Departamento de Estudos Portugueses da NOVA-FCSH. Publica poesia desde 1984, com regularidade. A sua área de estudos é a Cultura Contemporânea.