PNEUMATOLOGIA
rir é respirar
de um jeito diferente
o ar entra e sai
de outra forma da gente
inspiração expiração
mudam na mesma hora
respirar também muda
quando a gente chora Continuar a ler “POEMAS – de Luiz Renato de Oliveira Périco”
PNEUMATOLOGIA
rir é respirar
de um jeito diferente
o ar entra e sai
de outra forma da gente
inspiração expiração
mudam na mesma hora
respirar também muda
quando a gente chora Continuar a ler “POEMAS – de Luiz Renato de Oliveira Périco”
BLUES
Blues na cozinha. O som entrava pela garganta das botelhas amontoadas. Depois saí da hospedaria para vadiar. Fiquei algum tempo recostado na avenida central. A sala de visitas dos meninos de botão de punho. Gestores de sítios terrestres. Passei na estação. Havia gajos a tocar. Subi ruas estreitas de tascos e putas batidas. Sem rumo. A mente não escrevia. Indiferente, de olhos no chão, ia por vielas sujas lentamente. Ninguém interrompeu esse corpo invisível. Estava fora do ritmo. Temporal cardíaco. Um dia andou por aí um desterrado que caminhava. De regresso a esta mesa escrevi pequenos textos com palavras de outros. Um gozo o roubo de materiais sem proprietário. Nada de novo. Entretanto o mundo segue infetado de sangue e medicado com espetáculo. Infantil, mercantile, infame. Nas redondezas arrancam-se casas como dentes. Instalam-se implantes do negócio devorador. O confronto contínuo, sanguinário. Parcelas de chão para encher os cofres e despojar humanos. Vejo cada vez menos pessoas. Muitos foram-se embora. Vivemos o jogo da vida. Escolher o lugar onde deitar os ombros é escrever um tempo. Continuar a ler “UMA NUANCE NAS NÓDOAS II – por Lucio Valium”
MATRIOSKA
que vontade de me meter
outra vez no menino
despir o incêndio da idade
ser o desperdício de mim
em pés alheios
com a urina demarcar
o enigma do totem:
um circuito de cicuta
no beiço da memória
abrir em mim mesmo minha fuga
para dar de cara enfim
comigo Continuar a ler “MATRIOSKA E OUTROS POEMAS – de Kissyan Castro”
POEMA SEM GALINHA NEM FEIJÃO
Tradução de Anderson Braga Horta*
A panela
nua e fria
esqueceu os caldos
o fumo da tarde
a lenha estalejante (o fátuo fogo)
verduras e sais
A mão que lavava sua pele
jaz vencida e prostrada
vazio adentro da casa solitária
os filhos muito longe
Chile Argentina Peru
Brasil Colômbia Equador
Chamam diáspora a esta solidão
eu a chamo vento derrota lágrima
fastio céu caído
Se algo deixou tristeza
caducidade
desamparo
foi o pranto da mãe
e esta panela vazia
As bananeiras do quintal são cicatrizes
do barranco
as folhas sem varrer
onde antes houve jogos de meninos
as aves de cercado e o louro
só deixaram penas na terra
algum sismo levou a alegria do lar
a inocência da criançada
o olhar de amor dessa mãe
algum punhal cortou sua língua
rasgou seus trapos
derrubou as gamelas de lavar
os talheres de pobre
as máquinas de costurar as calcinhas
algum alfinete espetou seus olhos ternos
apagando ilusões sonhos e esperanças
prostrada na velha cadeira de madeira
consumida nas poeiras da tarde
Ninguém semeia junto à casa os feijões
carreiras de milho
ou amores-perfeitos amarelos
As borboletas passam como fantasmas inocentes
alguém tosse e se apaga
enquanto as portas de outro mundo deixam cair
desvencilhados raios apontados ao paraíso
Depois das cinzas
resta apenas um poema
sem galinhas nem feijões
nem sóis à vista Continuar a ler “POEMAS INÉDITOS – de José Pérez”
91.
O sabor não mora
na língua ou na fruta.
Nasce na hora
em que as duas
na gruta viva da boca
se encontram.
Nuas.
UM POEMA INFANTE
Como era febril a brisa da manhã…
Aquele vento seco e gélido que raspava
meu rosto, difundia borboletas amarelas
nos pilares do amanhecer.
Eu sentia medo e frio, não conhecia
aquela escola e tinha apenas sete anos.
A tua loucura ébria me deixou confortável
para ser eu mesmo. Tua voz ruminava
nos meus pensamentos mais íntimos.
Era agosto, e o frio percorria a espinha.
Teu riso, teu corpo em movimento, tua pálida
razão… era como cavalgar um anjo, como existir
dentro do quasar do amor.
Tu foste meu anjo caído, loiro e pueril;
um naufrágio dentro do teu regaço agora
tece, ponta por ponta, os fios infinitos da memória.
Brincávamos de gangorra, de balanço, eu não estava
mais só, alguém me ouvia e me existia, me esperançava e
me imortalizava.
Sei que posso ser a sombra da tua sombra hoje, mesmo
que aqueles risos quentes tenham criado a nossa infância,
mesmo se pudéssemos voltar no tempo…
eu nunca mais me senti tão radiante, eu era capaz de
fruir pinheiros no lume dos colossos que residem nos céus.
Estojos, cadernos, trabalho em dupla, sonhos, adeus… Continuar a ler “DAS INTERMITÊNCIAS DA INFÂNCIA – por Christian Dancini”
TRÊS ANOTAÇÕES VAGAMENTE ERÓTICAS:
DE D E S E J O – DE M A R – DE V E R Ã O
para a AC
D E S E J O
Estão os dois sentados na areia junto ao mar. Ela entre as pernas dele encostada ao seu peito com os olhos semicerrados protegidos pelas lentes escuras a fitar o horizonte. A tranquilidade do mar é a mesma do seu corpo bem definido.
Ele acaricia esse corpo que tanto o atrai. Os caracóis fartos do cabelo dela afagam-lhe o rosto à medida da brisa que vai correndo. Os braços dele envolvem o seu corpo coberto com um leve vestido que deixa entrever uns seios bem proporcionados. As suas mãos descem pelo interior do tecido e suave e meigamente vão massajando essas sinuosidades de formato arredondado com movimentos leves e pausados, acariciando o bater lento de um coração descansado. Mamas bem proporcionadas, de dimensão certa e textura agradável. Os dedos das mãos, abrindo-se e fechando-se vagarosamente, demoram-se na auréola acastanhada dos mamilos que ocupa alguns centímetros e se eriça nuns biquinhos duros, pequenas setas de prazer que desejam romper para o infinito. Continuar a ler “TRÊS ANOTAÇÕES VAGAMENTE ERÓTICAS- por A. Sarmento Manso”
Yeats e a transitoriedade: alguns poemas curtos
1
A meditation in times of war
For one throb of the artery,
While on that old grey stone I sat,
Under the old wind-broken tree,
I knew the One is animate,
Mankind inanimate phantasy.
Uma meditação em tempos de guerra
Por um pulsar da artéria
Enquanto sentava naquela velha pedra cinza,
Sob a velha árvore quebrada pelo vento,
Eu soube que o Um é animado,
Fantasia inanimada da humanidade. Continuar a ler “WILLIAM BLUTLER YEATS traduzido por Heitor Freire”
Eon
Daqui a um milhão de anos estaremos no jardim das delicias, como seres espirituais incorpóreos
Terraformando planetas secos e sem vida em paraisos artificiais, movendo-os para próximos de estrelas mães
Para que a luz se liquidifique e a fotossíntese aconteça
Nos abraços espiralados da simbiose das orquideas
Com os cavalos marinhos transferindo os genes para
Alienígena que vai habitar o novo mundo tenha os números certos que o seu criador lhe deu para viver
Em harmonia com a natureza e entre si, alimentando-se sómente do ar que os pulmões transformam em alimento
E a vida exista sem punição eterna num limbo cósmico. Continuar a ler “TRÊS POEMAS DE JANUÁRIO ESTEVES”
O dilema da vontade num diálogo fictício entre Schopenhauer e Nietzsche
– O querer é dilacerante!
– Sem o querer não se sai do lugar!
– Fiquemos parados então!
– A apatia é a arma dos fracos, a Vontade de Potência dos fortes!
– Há mais sabedoria em negar um desejo do que em sucumbir a ele…
– Típico de um homem que se guia só pelo pensamento!
– Ora, meu caro, típico de um homem que se guia só pelas glândulas!
E o diálogo durou ainda por muito e muito tempo… Continuar a ler “DEZ POEMAS EXISTENCIAIS – por Henrique Duarte Neto”
81.
Grave,
o passado rege os passos
e o espaço da História.
Apressado,
o futuro acena e nos chama
reclama nossa demora.
Mas a vida
é agora. Continuar a ler “POEMINHOS – 81-90- por Jaime Vaz Brasil”
O peso do esquecimento
I.
A flor é beijada pela peste.
Como uma palavra primitiva
do português, o triunfo da
civilização é /pequeno/
é a soma das patas quebradas
de um colibri, morto pela
espingarda de ontem. Continuar a ler “O PESO DO ESQUECIMENTO // The weight of oblivion – por Luciana Moraes”
UMA NUANCE NAS NÓDOAS
PELE
eu procuro a luz senhora.
uma luz de pele nua.
viva.
em abandono.
uma eternidade fêmea
e o suave rosnar das peles.
música arrepiante
engolindo lentamente o abismo.
eu procuro a luz de fogo.
negro como uma ideia livre.
e o licor demencial.
a doçura aterradora dos corpos.
serpenteiam entre si como águas gélidas
nas rochas quentes.
eu procuro a luz senhora.
uma luz de gato. noctívaga.
luz de vinho. sanguínea.
sem rédea.
e solar.
vejo-a por vezes na madeira da mesa
inundada pelo sol gato.
errante. solitário. altivo.
como os que denunciam a morte da vida.
com seus corações felinos.
essa luz foge para a lua
e vem queimar-nos a pele.
deitados na cama no tempo.
beijando línguas
amando a espiral.
assim voamos nas inebriantes
partituras.
não tendo ouro como lei.
a senhora sabe de luz.
a sua pele é o lugar
onde o gato a encontra.
Invisible pero, como todos…
Invisible pero, como todos, pesado y numerado.
El calor del sol me quema, tal vez, un poco más
y ante mis ojos se extiende un desierto
por el que erran desaladas criaturas.
O limiar das fendas
e como eu caminhasse
por aqueles pátios líquidos
de violência falada,
algo inesperado se via:
a fenda é o espaço
estreito no qual o fio
morte e vida termina. Continuar a ler “TRÊS POEMAS – de Douglas Laurindo”
In memoriam omnium Pompeianorum plebis
perierunt anno LXXIX A.D.
Pompeii, Aestate MMXXI.
Num meio-dia escaldante de Verão,
Perambulávamos pelas ruas desertas de Pompeia
Espiávamos pelas janelas abertas das casas e vilas destelhadas,
Hipnotizados pelos objectos carbonizados e mudas, petrificadas estátuas humanas,
Pestanas semicerradas contra os raios solares omnipresentes
Que pareciam envolver as testemunhas do Passado numa luz ofuscante,
Impressionados diante dos templos vazios, em silêncio pensante,
Ansiosos por ouvir os ecos das orações nunca atendidas,
Pedidos e suplícios dos adoradores de numes há muito extintos. Continuar a ler “AS RUAS DE POMPEIA – por Francisco da Rocha”
BIBLIOTECA
demasiadas
palavras,
um supérfluo
de frases
empilhadas
por toda a parte
em colunas
de equilíbrio,
atravancando
a casa
de mofo
e cheiro a papel Continuar a ler “POEMAS – de Henrique Miguel Carvalho”
ser
pode o ser nas tradições orais ir além das estruturas
feito um pássaro cortês da diversidade,
ser um animal aqui perto do coração,
não podemos ir adiante enquanto os gigantes mamíferos
são destruídos em alto mar
como conchas pisoteadas por estátuas,
continuar a mimese é o que chamo de obsceno,
os homens predadores sorriem junto com a morte
sem vontade para o debate ecológico,
seguem a lógica de conquistar territórios, de touros de ouro
na Faria Lima sem sonhos,
à medida que ando, o urbano me fere na vesícula
que reproduz em 3d a fome sem enfeite
ontem encontrei uma garota/totem,
procurava um guia com jipe, para ir na direção das cavernas
(Poema do livro: Infernos Fluviais e por que nunca conversamos sobre Nick Cave?. Editora Clóe, 2023) Continuar a ler “TRÊS POEMAS – de Marcelo Torres”
A madrugada a doer, a doer-me muito.
Na memória que guarda o teu nome
este cantar lúcido das águas.
Tu és belo como esse canto, esse perfeito tiro ao alvo
ao fundo da noite
perfurando as fogueiras adormecidas.
Que segredo se oculta, em esplendor, onde teu corpo habita?
Quem te nomeia nesse mar tão branco?
O que amas?
A orla do rio, ou a raiz deserta?
A madrugada a doer, a doer-me muito.
♦♦♦
Maria Gomes nasceu em Benguela, República de Angola, em 1958. Foi professora de artes visuais e trabalhou em contabilidade após a independência daquele país. Vive em Coimbra. Tem poemas publicados no Jornal de Angola, nas antologias de Poesia 1 e 2 ” Escritas” sob a edição do poeta José Félix, em outras revistas de literatura na web, e na revista de Poesia de Tradução Di Versos nº 8 de Edições Sempre-em-Pé. Participou no poema ” O Estado do Mundo”, poema criado no ciber espaço, no âmbito de Coimbra, Capital Nacional da Cultura 2003, a editar brevemente em livro, e participou na II e III Bienal de Poesia em Silves, em Abril de 2005 e de 2008.
LUZ NO CAMINHO
Escutas o silêncio
Para não perderes
O murmúrio dos meus lábios
Um silêncio onde respirar
Se torna mais fácil
Uma transparência que mostra
A areia no fundo do rio
És a Fonte onde os pássaros
Bebem e cantam
E no teu rosto, a Luz poisa
Reconhece-te, pertence-te
Como o perfume pertence à flor. Continuar a ler “ENTRE A LUZ E O CREPÚSCULO – de Maria João Oliveira”
deste cubículo precário
(a A.M.O.)
.
neste cubículo precário que é o mundo
às vezes falta a brisa. e o ar de tuas mãos.
faltam os olhos de água como sorris
a polpa e a saliva que és, na voz,
a fala feita à passagem dos teus gestos
— de ti: a falta. o encanto e a maravilha.
.
neste precário cubículo que é o mundo
deixas ficar-te em perfume. permaneces.
e é pelos densos poros dos sentidos
que, se não estás, sei o instante
sei o instante em que adormeces.
.
neste precário cubículo que é o mundo
nem tudo falta:
ao viveres-me
és também tu que aconteces.
.
maria toscano.
Coimbra, Café-Pastelaria Tosta Rica. 25 Novembro/ 2003. Continuar a ler “TRÊS POEMAS COM ALGUNS ANOS – de Maria Toscano”
Sin título
El silencio de la lluvia
abrazó los ojos de este león que soy.
Ocultándome en un libro,
sentí el sol sobre las palabras.
De pronto salieron gritos,
la visualización
de la orquídea esperando nacer,
recuerdos,
viejas historias,
miré mis zapatos desgastados,
la botella de whisky vacía,
un poema de Walt Whitman.
Supe el sabor de la lluvia. Continuar a ler “POEMAS DEL LIBRO “POEMAS A LA INTEMPÉRIE” – de Moisés Cardenas”
Seis poemas do livro
A PALAVRA EM SEU DESERTO
O OUTRO
Eu canto a ovelha
e o lobo,
a serpente que engole
a própria cauda
e o fim sábio
do poeta tolo.
Eu canto o limo
e o mar aberto,
a madrugada
dos poetas e o tiro seco
dos filósofos. Continuar a ler “A PALAVRA EM SEU DESERTO – por Tito Leite”
ORTOGRAFÍA DE TU CUERPO
Desde aquí pienso…
en los puntos suspensivos y las comas
que sólo conocemos yo y tu cuerpo.
Ahora me invade no sólo la tristeza
sino la geografía del silencio.
YOUR BODY’S PUNCTUATION
From this point I wonder. . .
About the ellipsis and the commas
Only familiar to your body and me.
I’m now filled not only with sadness
but also with the geography of silence. Continuar a ler “ORTOGRAFIA DE TU CUERPO – por Francisco Álvarez Koki”
O ÓPIO DO POVO
No passado, o ópio do povo
era a igreja.
Agora, em tempos mais etílicos,
é a cerveja.
No passado, o ópio do povo
era o capital minimamente disseminado.
Agora, em tempos mais lúgubres,
é o capital exclusivo, privado.
No passado, o ópio do povo
era o bom futebol.
Agora, em tempos mais frívolos,
é reality show, besteirol.
No passado, o ópio do povo
era a ideia do paraíso.
Agora, em tempos mais mercadológicos,
é lucrar, desdenhando o último juízo. Continuar a ler “DEZ POEMAS INDIGESTOS – de Henrique Duarte Neto”
61.
Quadro
é um poema sem palavras.
Poema
é um quadro nas palavras.
62.
Quando há arte
numa obra
nada falta
nada sobra. Continuar a ler “POEMINHOS (61-70) – por Jaime Vaz Brasil”
FRESTA
Moro num deserto situado
na palavra.
São tantos nomes no remanso
de uma tarde
e eu vi uma borboleta
na sombra de uma granada.
Grafei que o significante
de uma nuvem
é o seu presságio
e depois da chuva um poema
fecunda a sangria dos sábios.
Bati nos ombros de uma montanha
e acenei: no sangue do poeta
tudo é talhante,
nada é suave. Continuar a ler “POEMAS – de Tito Leite”
51.
Nenhum poema
esgota o tema.
Mas, quando bom,
põe a verdade
em estado
de estando…
52.
Dante, à porta do inferno:
– “Deixai, vós que entrais,
toda a esperança”.
Quintana retrucou, na entrada:
– “Esperança é uma espera que não cansa”.
Eu?
Ora… sentei num banquinho
e não disse nada. Continuar a ler “POEMINHOS (51-60) – por Jaime Vaz Brasil”
You must be logged in to post a comment.