TRÊS ANOTAÇÕES VAGAMENTE ERÓTICAS- por A. Sarmento Manso

TRÊS ANOTAÇÕES VAGAMENTE ERÓTICAS:

DE  D E S E J O –  DE  M A R – DE  V E R Ã O

para a AC

D E S E J O

Estão os dois sentados na areia junto ao mar. Ela entre as pernas dele encostada ao seu peito com os olhos semicerrados protegidos pelas lentes escuras a fitar o horizonte. A tranquilidade do mar é a mesma do seu corpo bem definido.

Ele acaricia esse corpo que tanto o atrai. Os caracóis fartos do cabelo dela afagam-lhe o rosto à medida da brisa que vai correndo. Os braços dele envolvem o seu corpo coberto com um leve vestido que deixa entrever uns seios bem proporcionados. As suas mãos descem pelo interior do tecido e suave e meigamente vão massajando essas sinuosidades de formato arredondado com movimentos leves e pausados, acariciando o bater lento de um coração descansado. Mamas bem proporcionadas, de dimensão certa e textura agradável. Os dedos das mãos, abrindo-se e fechando-se vagarosamente, demoram-se na auréola acastanhada dos mamilos que ocupa alguns centímetros e se eriça nuns biquinhos duros, pequenas setas de prazer que desejam romper para o infinito.

As mãos descem lentamente ao ritmo pausado da brisa que passa pelo doce corpo que ao seu se fixa. A anca bem definida, o traseiro de proporções agradáveis, as coxas bem circundadas que se vão alargando até confluírem, cada uma em seu lado, na zona genital que o desejo continua a cobiçar à medida que as mãos, à vez, prolongam as longas carícias e os dedos, como que num bailado desenhado ao ritmo de uma qualquer composição de Erik Satie, massajam e penetram na plenitude essa zona de carne macia que se vai abrindo e humedecendo. Na extensão do apetite, os toques passam da lisa e clara suavidade das margens exteriores para a rugosidade rubra e acastanhada que acarinha e relaxa o membro masculino aquando da penetração e do consequente auge da excitação. Quando o rasgão começa a extinguir-se o dedo polegar amacia a protuberância do deleite que sente endurecer, acabando por repousar a mão na parte cimeira alisando a pequena linha de pelos curtos e eriçados de volúpia.

E ela na tranquilidade dos tons azuis escavados pelo doirado quente e cintilante que a envolve por inteiro, continua a descansar de olhos semicerrados junto ao corpo de quem a deseja e quer possuir, embalados ambos pela partilha da voz melancólica de Leonard Cohen que com as suas composições quase em forma de lamento, lhes acalma o desejo e tranquiliza a satisfação.

M A R 

Umas cervejas na esplanada, uns caracóis a acompanhar e o mar revolto lá ao fundo. Um vento desagradável que afugenta os cabelos soltos das meninas que na areia descansam e levanta com alguma violência os grãos de areia que fustigam a pele escurecida pelo calor. Os enamorados abraçados na nudez partilhada reclamam desses grãos porque à medida que juntam os lábios e cerram as línguas o ácido da pedra impede-os de ir mais além. O seu prazer é interrompido por essas minúsculas partículas que o vento transporta.

Terão outros dias e outros momentos em que apenas o sol os deixe a transpirar e o prazer a desejar. Onde as mãos de uns e outros se passeiem tranquilamente pelos contornos aveludados dos corpos que ardem em busca da satisfação que a juventude reclama.

O verão nas praias do norte é um desafio para os apaixonados que nelas se estendem. Quando o horizonte se abre a seus olhos num reflexo azul que se prolonga sem fim e o calor aumenta o desejo e enrijece os órgãos sexuais, quando a penetração acontece com naturalidade, quase sem se perceber, esse vento vem perturbar o fim do desejo. Entre as peles que roçam uma na outra intrometem-se os grãos de areia que as rasgam em pequenos sulcos e onde o sangue, em gotículas superficiais, se vai libertando.

E a frequente neblina que da noite se liberta por um vento frio desproporcionado, quando a escuridão encontra os corpos já relaxados pelo som que os vai embalando, faz com que a nudez do dia se encubra por trajes demasiado grossos e desconformados para a época. Agora os corpos que de dia descansam na sua nudez quase total, não deixam muita pele à vista. As mãos, ainda descobertas ficam geladas e não podem acariciar a derme que repousa no conforto de tanto agasalho. Mesmo as carícias ao longo dos contornos da face e pelos lábios semi quentes de umas bocas sedutoras tendem a esbarrar no desalento do frio em que se embalam.

O verão nas praias do norte é um querer e não querer, um desejar e não consumar, um instinto que acaricia os amantes e que não deixa os afagos irem mais além. Mas é verão e haverá sempre e abundantemente toldos para amaciarem o desejo e confortarem o prazer.

V E R Ã O

O verão está quase a terminar mas o sol ainda aquece os corpos que soltam a pele acastanhada e reluzente que ao longo dos últimos meses ocupou os areais da costa e gozou da frescura do mar. É tempo de iniciar outras tarefas. As multidões, agora, enchem as cidades a caminho das ocupações rotineiras e os mais novos, os extensos e prolongados espaços escolares.

Pela porta entreaberta, o retângulo vai ficando composto. Os rostos variam e os corpos bem definidos deixam entrever os limites do apetite como que em prolongamento dos tempos estivais. Nos decotes pronunciados a transição do branco imaculado para o transitório bronzeado que os dias irão consumir, aqui e ali, ocupam tamanhos consideráveis. Corpos bem cuidados com os cabelos em desalinho como se ainda estivessem a ser fustigados pelo vento da costa.

E há um corpo, e há um rosto que parece preocupado e atarefado, mesmo que seja, pelo tom castanho que o cobre, o perfeito exemplo do verão que está a acabar. Os olhos escuros mas brilhantes, o sorriso da boca pequena que os lábios finos e rosados contornam, o cabelo, em caracóis fartos e desalinhados, as maçãs do rosto salientes, o peito e os ombros nus que se estendem até ao lugar em que os seios, em proporção exata e realce certo, prendem o olhar e afagam o desejo que se prolonga e estreita ao redor da cintura onde se apoiam as pernas elegantes que transportam o corpo.

Sentados em algumas tarefas, os corpos quase que ficam amputados da parte inferior que o mobiliário acaba por encobrir em contraste com o realce que a fração superior passa a fruir. Esses corpos aparecem como prolongamentos dos retratos renascentistas, ao modo da Gioconda ou Mona Lisa, em movimento, porque também dela se diz que o mistério que a envolve e que o seu olhar esfíngico oculta se deve ao cuidado e ao longo tempo em que foi captado nos mais pequenos pormenores por Leonardo da Vinci que se terá enamorado pela retratada, sendo a demora do trabalho a forma encontrada de aliviar o seu apetite na presença daquela que excitava os seus sentidos. Mesmo que os corpos que Leonardo mais desejasse possuir fossem os masculinos.

Na verdade, a beleza é assexuada e variada no momento em que se dá e sexuada no instante em que se partilha e usufrui.

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A. Sarmento Manso, nasceu nos idos de 1964, pelo outono, ao cair das folhas, na aldeia transmontana de Izeda. Ao longo de mais de meio século de existência tem-se dedicado à aprendizagem de pequenas coisas, do lugar que nos pode caber no mundo e de como a beleza nos haverá de tranquilizar.

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