Na floresta para Waldberta O guia perde o poeta. Na serpentecostal selva remotta Um criancião paracleto O aguardava com sinais cristântricos. Do cóccix à pineal Pousou o mestre a mão E alçou alucifeéricos fogos pecúlios Despertando-lhe uma pedagogia petrográfica aprendiz. E o poeta petiz Reencontrou-se guia apóstata Ifá de Orumilá. Axé! Ave! Amém!
Entre constelações, esferas rochosas, violentas estrelas mortiças e cintilantes cometas, nascer Vênus pode ser considerado uma afronta ao restante dos planetas Pisando em trompas, ventres, ovários e vulvas e aquela mistura que poucos sabem ao certo o nome, lambuzo-me de sangue menstrual derramado nas ruas Há polícia? O que há? Será que alguém me escuta? É claro que não, eu sou notícia corriqueira de uma realidade fantasticamente banal O sangramento da violência não é repudiado, apenas é visto com asco aquele que mostra que sou um ser próprio, forjada em minha natureza sem ser sexy, sendo apenas espécie e que sinto por fora e por dentro me desmanchando em vermelhoContinuar a ler “POESIA de – Lua Pinkhasovna”
Sonhar. Ambos sabemos o que é. Quer eu que teclo para que as palavras alinhadas sejam desenhadas, quer vossa senhoria que depois as está a ler, entre o deitar e o erguer da cama e quando o deus Morfeu nos contempla com o seu beneplácito, sonhamos.Continuar a ler “OS SONHOS – por Manuel Igreja Cardoso”
há muitas palavras para mentir e apenas uma para a verdade. no jardim das maravilhas da minha vida jazem vários caules hercúleos, eternamente iluminados pela seiva interna a correr desde o coração. morrerei já não jovem, sei-o agora. e do passar dos tempos sei, também agora, que as convenções podem matar o brilho de um olhar uma covinha no rosto um arrepio na nuca. só que nunca o amor será vencido. mora em lugar altaneiro onde poucos acedem de onde muitos desabam – ali ao alcance da tal palavra pura.Continuar a ler “7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano”
En el pueblo de Brujas vivía una mujer blanca de ojos negros, quien llamaba la atención de los hombres por sus senos turgentes y caderas anchas. Por su cuerpo fue objeto de halagos por parte de muchos pretendientes, quienes la desearon con fines sexuales, mas no como compañera eterna.Continuar a ler “PUEDE OCURRIR – por Moisés Cardenas”
É preciso viver sem paixões. Mergulhar no absoluto anonimato, Permanecer morto ou vivo até ao fim. Aclamar o tumulto escuro e bruto. Encenar o drama clemente e lento. Sentir um amor ideal por anjos nebulosos. Descobrir um novo fundo de poesia e aguardar uma voz que nos ordene docilmente: – Não te movas, nem te inquietes, nem traias o que ainda não és.
Praticamente ninguém nega que vivemos tempos de exceção. Ainda não ultrapassamos, por completo, a mais grave pandemia em 100 anos e, no início deste, deparamo-nos com uma guerra de contornos anacrónicos. Como fruto dessa guerra, ressurgiram os fantasmas da confrontação nuclear; a ordem internacional foi abalada, abrindo-se a porta para o reaparecimento de um tipo de guerra que julgávamos fechado nos livros de História – o que visa o alargamento territorial; o custo de vida, um pouco por todo o mundo, disparou. Neste contexto, que lugar passou a ocupar a questão ambiental na escala de prioridades dos cidadãos comuns bem como na dos políticos que nos governam? Em 1971, Ronald Inglehart afirmou que, desde a Segunda Guerra Mundial, na Europa Ocidental, terá havido uma mudança nos valores priorizados pela sociedade. Segundo este autor, nesses países, o aumento, quer do bem-estar económico quer dos níveis de segurança, permitiu a passagem de paradigma nos valores de um, assente no materialismo, para um outro, assente no pós-materialismo. A ideia subjacente a esta teoria é a de que apenas quando as necessidades mais básicas estão satisfeitas é que a atenção se move para questões que não se prendem, diretamente, com a subsistência. Na mesma linha de raciocínio, Müller-Rommel (1998) referiu que, nos anos 70 e 80 do século passado, nos países desenvolvidos, se assistiu a uma mudança cultural, marcada por um forte crescimento das preocupações sociais que vão para além da satisfação das necessidades básicas. A igualdade de direitos, a atenção às minorias, as preocupações ambientais, a solidariedade para com o chamado Terceiro Mundo, as exigências de desarmamento, entre outras, assumiram-se como novas exigências da sociedade para com a classe política.
Falta paz Não apenas a ausência da guerra Falta faz termos paz Nada desejarmos ou querermos mudar Falta nos seres algum “deixa para lá” “Tudo bem” “Não faz mal” Ninguém pediu para nascer mas depois tudo nos é pouco Quando o pouco do que não pedimos Quando nada éramos Nos devia bastar Contentar Se assim fosse Se o pouco dado ao nada que corre para o nada fosse muito Teríamos tudo Tudo temos porque sim Por Deus ou pelo destino Só nos falta a lembrança do que somos e para onde iremos Quando nada formos e não nos acharmos Nem mesmo a reclamar Continuar a ler “ARQUITECTURAS – de Ricardo Amorim Pereira”
Eram meados de maio do ano da graça de 2022 e a imperiosa Copacabana transpirava uma brisa à Jonny Alf, quando a estátua do compositor Dorival Caymmi, que saudara a “princesinha do mar” em antológica canção praieira, se aproximara da escultura do poeta Carlos Drummond de Andrade, para dois dedos de prosa sobre as amenidades da vida e a arte da sobrevivência nesta São Sebastião do Rio de Janeiro.
24 de fevereiro de 2022. Mais uma vez, em plena Europa, a Rússia, Pátria de Gogol, Turguêniev, Tchékhov, Dostoiévski, Tolstoi, Pushkin, Borodin, Stravinsky, Eisenstein, Tarkóvski, por decisão do seu governo presidido por Vladimir Putin, irrompeu pela vizinha Ucrânia, causando destruição, sofrimento e morte inusitadas, sem qualquer propósito para lá do domínio territorial e da desmesurada manifestação brutal da força bélica. Mais uma vez milhões de pessoas que apenas querem ter uma existência tranquila, são expulsas do seu território que a força das armas reduz a escombros. A segunda grande guerra na Europa só findou em 1945, a horrível guerra na ex Jugoslávia teve inicio nos anos de 1990 e arrastou-se até ao inicio do século XXI. A invasão do Iraque aconteceu em 2003. Na Síria decorre uma guerra civil que foi iniciada em março 2011. Se a isto juntarmos diversos conflitos menores e a sangrenta e quase permanente disputa entre israelitas e palestinianos, os confrontos na Irlanda (só em julho de 2005 o IRA anuncia o fim da luta armada) ou no vizinho País Basco (só em janeiro de 2011 a ETA adotou o cessar-fogo permanente), o ataque às torres gémeas nos Estados Unidos da América a 11 setembro 2001, os massacres em França, do Charlie Hebdo a 7 janeiro 2015 e em 14 novembro no teatro Bataclan, ficamos com uma panorâmica recente da peregrinação do mal e da guerra. Como lembra o dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956), seja por questões metafísicas ou por corriqueiros interesses materiais, a civilização que os homens construíram, tal como relatado na Bíblia, em Homero, nos trágicos gregos, Shakespeare, Dante, Cervantes e tantos outros, está a transbordar de guerras cruéis e fratricidas, dos maiores horrores e atrocidades. Também Hanna Arendt ao relatar os testemunhos dos carrascos julgados no pós guerra, conclui que a natureza humana é servil aos maus instintos daqueles que detêm o poder, levando pessoas normais a obedecer cegamente e provocar sofrimento nos seus semelhantes.Continuar a ler “DA ERRÂNCIA DO MAL (…..) – EDITORIAL – por Artur Manso”
Senhor Comandante, por obséquio, eu peço-lhe que cesse com a Guerra, porque os seus bombardeios mutilam cidades e famílias, à proporção que explodem as vilas, os corpos e a esperança pacífica de histórias apagadas pelas labaredas da odiosidade proferidas por sua covardia ignóbil e incabível.Continuar a ler “SENHOR COMANDANTE – por Wander Lourenço”
Una joven dama argentina casada se halla con un mexicano licenciado en abogacía. Tienen un hijito y una mansión en ciudad de México. Ella era cancionista de tangos hasta que se produjo su enlace, sin lo que se dice amor-amor, para acceder así, legalmente (por la puerta grande, principal), a la suprema misión a la que una mujer muy mujer está destinada: dar a luz y consagrarse al retoño. Continuar a ler “FILM – por Rolando Revagliati”
As sociedades, de uma forma crescente, vêm ficando atentas à situação delicada em que nos encontramos, no concernente à problemática do aquecimento global antropogénico. Com efeito, cada vez mais, é menor o número daqueles que prescindem de reconhecer que este se afigura como um dos principais problemas com que a Humanidade se confronta ou se confrontou. A ciência mais credível e bem estabelecida, com efeito, é perentória, ao afirmar que a atual trajetória de emissões de gases causadores do efeito de estufa está a encaminhar-nos para um desastre de dimensões bíblicas. Subsiste, todavia, uma, aparente ou não, dicotomia entre preservação ambiental e crescimento económico. Como se pudesse haver economia sem ambiente e, sem economia, possibilidade de apreciarmos e beneficiarmos de um bom meio ambiente. Tal como as Histórias políticas do século XX e do início do XXI demonstraram à saciedade, todo o tipo de fundamentalismos encaminha o ser humano para a sua perdição. Deste modo, o desafio existencial com que, atualmente, nos confrontamos só encontrará resolução, efetiva e duradoura, quando for possível harmonizar estes dois mundos – o económico e o ambiental. Continuar a ler “DESAFIOS AMBIENTAIS PARA O SÉCULO XXI – por Ricardo Amorim Pereira”
Quem tem olhos para ver pode convencer-se de que nenhum mortal consegue guardar um segredo.
Sigmund Freud
Quando a memória o obrigava, debruçava-se no próprio colo, entre os mistérios estomacais. Punha-se a cismar, na postura de ampulheta imóvel. Por dentro, bulia, como areia a cair por estreito trajecto. Talvez sentisse uma ligeira febre, um aquecimento de motor. O organismo tinha de funcionar. A maravilhosa máquina não iria decepcioná-lo, sabia-o: conhecia as manobras interiores, o mínimo alerta ácido, as sedes, as fomes, as indisposições, os enjoos, os vómitos, as temperaturas, as fricções. Acaso seria possível voltar ao vaso inteiro de si mesmo, no âmago de uma contrariedade apertada?Continuar a ler “O PERISCÓPIO – por Marília Miranda Lopes”
nasci para aprender a ser árvore/ crescente desde o coração da terra/ voadora pelos ramos e asas / espraiando-me entre cumes e desertos, / montanhas mágicas serras áridas / e mornas planícies morenas dos suis. até desarvorar – fidelíssima e de vez – / no amoroso corpo envolvente do meu devoto amor , o mar.
Comi no meio de um ruído imenso. Tomei dois cafés. Procuro um lugar fora do mecanismo. No futuro será mais difícil de encontrar. Cada vez haverá menos lugares desses. Atravesso as compridas artérias institucionais e fecho-me numa sala para escrever. Não há música mas podem enviar-se escritos. É uma área de organismos tecnológicos. Uma visão da vida controlada nos nossos tempos. Fórmulas dados sintomas diagnósticos perfis são palavras que saltam destes aparelhos. Tudo em gráficos e grelhas. As vidas como gravações para consulta pragmática. Nada que lembre coreografias sexuais desmesuras sem palco ou o espanto de quem se perdeu nas cidades e nas vidas de outros.Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (2) – por Lúcio Valium”
Vê? Que tudo virou medida. Esses números que a gente regurgitava. Que engolimos, fazendo hematomas por nós adentro. Uma semana. Que virava duas e três. Um morto que nunca era um, era nome, era gente, eram cinquenta mil. Eram cem. Cem mil nomes. Sem mil nomes. E quatrocentos mil. Mais sem. Aquela espécie de virose que medo mete. Sentir-se em contradição, o tempo todo tempo, tempo cem tempo. O que cabia num tempo não era um, era cem, era sem, juro. Tempo sem tempo dentro. Os cômodos, incômodo. Ficava. Eu medindo a aflição crescer pelos batentes da porta de um em um mês. Tanto que crescia, pegava lápis pra escrever, assim, como mãe que acompanha a mania de grama que criança tem. Minha aflição pôs-se pra mato. De um em um metro. E aquilo era auto distância.Continuar a ler “METRO MEDIDA* – por Lua Nê”
Só fui acordar vinte anos depois! O despertador tinha me traído. Preparado para berrar às oito horas da manhã, como EM todos os dias, daquela vez o relógio resolveu ficar em silêncio durante um quinto de século. Agora, eu estava ali, duas décadas perdidas depois, olhando para aquela folhinha espetada na parede, já virado até mesmo o século. Vocês se lembram daquela história em que o personagem dormira durante vinte anos ininterruptos, para acordar em um mundo no qual a grama do seu jardim vinha lhe bater nos joelhos? Tem muita dessemelhança com a minha! Para começar, a grama do meu jardim estava cuidadosamente bem aparada. Como se alguém tivesse tido a preocupação de mantê-la, enquanto o dono dormia, em plena conformidade com a linha de austeridade exigida às vegetações urbanas e rasteiras. Dentro de casa o interruptor ainda controlava a luminosidade da sala, sinal de que a luz não havia sido cortada por falta de pagamento. No mais, estava tudo perfeito. A poeira varrida. O pó de café cheirando a ontem… como se, em nenhum instante, a rotina tivesse sido quebrada.Continuar a ler “O HOMEM QUE DORMIU DEMAIS – por José D’Assunção Barros”
Desbravando caminhos caro António Machado a vida é mais satisfatória e o corpo conserta a alma dorida como a água que nos sacia e o vento na cara que nos desperta o coração comovido pela flor que desabrocha o mistério da árvore que dá os seus frutos mansamente ao longo das estações como eu dou ao sonho as profundezas do meu ser envolto na memória que se estende pelos campos em volta da infância carregada de segredos ternos e doces na vastidão incomensurável do amor paterno encontramos as raízes daquilo que somos como um arbusto fulminado pelo raio vemos para lá do tangível, para lá da parede àquela luz que nunca se apaga, vislumbramos as épocas de ouro e terror, o caminhar certo.Continuar a ler “MARGINÁLIA – por Januário Esteves”
Nunca, como nos dias de hoje, se foi tão solicitado a estarmos sempre ocupados.
Em lugar de procurarmos compreender e aprender, pedem-nos que dediquemos os nossos dias a empreender – o empreendorismo tornou-se um modo de vida. E a vida torna-se um zapping constante – uma azáfama, um frenesim.Continuar a ler “O ABORRECIMENTO – por Fernando Martinho Guimarães”
escreveu o Dirceu de Marília. Me leia enquanto estou quente”
Lygia F. T.
TOMANDO UM KAFKAFÉ COM ELE
Exuberância tecida de curiosidade, Lygia entra no jardim dos caminhos que se bifurcam, dirigindo-se, sem hesitações, ao canteiro nº 40. Embevecida, captura, ávida, a fragrância da rosa imarcescível, o primoroso exemplar do borgeano jardineiro. “(…) ninguém pensou que o livro e o labirinto eram um único objeto”.Continuar a ler “TOMANDO UM KAFKAFÉ COM ELE – por Danyel Guerra”
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