D´A UTOPIA DO CARNAVAL SEM FIM – de Bernardo Almeida

Remoto

O som do mar
a ricochetear
nas fronteiras
invisíveis
da inóspita imensidão

Chão em desintegração
queda, apupo, alienação
E o oceano, em derrisão,
impassível – a compor
a canção da criação
do infinito
Íntima transformação
no ínfimo átimo universal

II

Estranhos eram
Até que fizeram
Sexo e dois filhos

Desconhecidos
Viram familiares
Até que acordam
Arrependidos

Entreolham-se
Ofendidos
Cenho franzido

E partem separados
Sempre enganados
Um de cada lado

Retornados estranhos
Como outrora foram
Um para o outro

Par dissonante
Pai e mãe
Dos desconhecidos
Que produziram

Foto de Paulo Burnay

♣♣♣

 

Autópsia

Você procura pelo futuro no fundo de um cesto de lixo, pendurado em um poste apagado, e encontra nada além do rastro do escuro insensato de dias anteriores “Ninguém mais compra badulaques folclóricos” “Quem vai pagar pelo que ninguém quer sequer de graça?” Quem se apieda e se importa não frequenta as ruas nas quais você trabalha e transborda Dando informações imprecisas a turistas,  você ainda guarda e lava carros Deambula aturdida apressando o passo, sem destino esperado Na fornalha dos trópicos, quando o tempo fecha e a dificuldade aperta, você pede – e não disfarça Mas fica injuriada ao ser confundida com uma esmoler Os seus braços inchados estão completamente atados às armadilhas da estrada, tão lotada de bifurcações: encruzilhadas nas cruzadas da existência Você é a penitente persistência, contrastando com a indiferença de quem já desistiu Você é um paradoxo, que encorpa na miséria, enquanto grassam as pilhérias de toda a sorte, a se confortar na tragédia No repasto, apascento o ânimo você pena, mas não definha engorda de barriga vazia e sorri – recobrando por um átimo a consciência do que poderia ter sido, se tivesse nascido em outro lugar Você procura pelo futuro no fundo de um cesto de lixo, pendurado em um poste apagado, e encontra nada além do rastro do escuro insensato de dias anteriores “Ninguém mais compra badulaques folclóricos” “Quem vai pagar pelo que ninguém quer sequer de graça?” Quem se apieda e se importa não frequenta as ruas nas quais você trabalha e transborda Dando informações imprecisas a turistas, você ainda guarda e lava carros Deambula aturdida apressando o passo, sem destino esperado Na fornalha dos trópicos, quando o tempo fecha e a dificuldade aperta, você pede – e não disfarça Mas fica injuriada ao ser confundida com uma esmoler Os seus braços inchados estão completamente atados às armadilhas da estrada, tão lotada de bifurcações: encruzilhadas nas cruzadas da existência Você é a penitente persistência, contrastando com a indiferença de quem já desistiu Você é um paradoxo, que encorpa na miséria, enquanto grassam as pilhérias de toda a sorte, a se confortar na tragédia No repasto, apascento o ânimo você pena, mas não definha engorda de barriga vazia e sorri – recobrando por um átimo a consciência do que poderia ter sido, se tivesse nascido em outro lugar.

♣♣♣

parcos e porcos

descarno o sol da tua pele ofendida e vazada
pelo orgulho afável da noite sem fim
imaginação desértica a inflar sem sangue
para tudo tornar dispensável

erra o vento que nos move de lugar
empurrando-nos ao contorno inconcluso da morte

choramos como brigam os bons amigos
enterramos pedras no paraíso
como corpos celestes embevecidos
dispensados na cratera
do pó interestelar da manhã
que rejuvenesce na espera –
quando a guerra se esmera
ao enrubescer cretinos e assassinos
progredimos

enquanto a ordem vocifera e determina desalinhos
parcos e porcos, na terra, em desgraça
ditam os caminhos que os fazem prosperar

by Paulo Burnay

 

Nota: Estes poemas fazem parte do livro “A UTOPIA DO CARNAVAL SEM FIM”

♦♦♦

Bernardo Almeida nasceu em Salvador (Bahia), em 1981. É poeta, jornalista, artista digital, roteirista e compositor. Participou de dezenas de coletâneas literárias. Publicou os livros: Achados e Perdidos (poesia/2005), Crimes Noturnos (poesia/2006 e 2018), Enquanto espero o amanhã passar (poesia/2009), Sem um país para chamar de pátria, sem um lugar para chamar de lar (poesia/2009), LONA (poesia/2011), O vencedor está morto (contos/2013), Arresto (poesia/2016), que também foi editado em Paris (2018), e A utopia do carnaval sem fim (poesia/2020). O autor tem textos traduzidos e publicados na Europa, sobretudo na França e na Croácia.