RESSIGNIFICAR A POBREZA – por Teresa Escoval

Falar sobre a pobreza e combatê-la leva-nos primeiramente a entender o que ela é efectivamente.

O Banco Mundial define-a como: “alguém a viver com menos de um dólar americano por dia”. Isto corresponde a, aproximadamente, 90 cêntimos, em euros.

Este mesmo Banco, definiu há bem pouco tempo, existir uma meta de diminuição para 3%, até 2030, o percentual de extrema pobreza no mundo. Disse que se houver uma acção política rápida e significativa, essa taxa pode mesmo vir a irradicar 7%  da pobreza, daqui a 10 anos.

Mas vejamos como é entendida mundialmente a pobreza: a) absoluta, que é quando não se consegue ter sequer as necessidades básicas mínimas para viver: como comida, roupa, uma casa e condições de saúde/bem estar; b) relativa, que é medida conforme o contexto social em que as pessoas estão inseridas, isto é, nas desigualdades que existem entre a nossa riqueza e a de outros países e na qualidade de vida que conseguimos ou não ter.

Portanto, na maioria das vezes, a pobreza é definida com referência a níveis e condições de vida. Seja qual for o conceito adoptado para defini-la – absoluto, relativo ou subjectivo – a pobreza preocupa-se com as condições que têm de ser satisfeitas, ou com os recursos que são necessários para se ter acesso a um determinado padrão de vida.

Por outro lado, é óbvio que isto implica que se assuma a existência de um limiar, abaixo do qual se estará face a uma situação de pobreza, logo haverá uma comparação de níveis de desigualdade, ou entre classes dentro do próprio país, ou entre valores considerados comparáveis entre um e outros tantos países, como sejam a privação e a falta de recursos.

Em termos económicos, sociais e humanitários, ouvimos e lemos, a cada dia mais, que nunca houve tanta injustiça no mundo, como hoje. Que a grande riqueza e a grande pobreza são igualmente patológicas e prejudiciais para a sociedade. E, também, que os muito ricos não sabem parar por ganância e sede de poder e transformam poder económico em poder político, corroendo a democracia.

Acho que todos concordamos que o básico, numa sociedade civilizada não pode faltar a ninguém, e muito menos às crianças que não têm nenhuma responsabilidade pelo caos a que são subjugadas. Não é uma questão de esquerda e direita, e sim de elementar decência humana.

Parece-me ser de bom senso, e não caridade, que fica muito mais barato tirar as famílias da miséria e acabar com a pobreza, do que arcar com as consequências em termos de doenças, insegurança e baixa produtividade, além do sofrimento gerado.

Logo, se não fosse por uma questão de poder e autoridade/controle, ampliar o bem-estar devia funcionar para todo mundo.

Como escreveu António Aleixo: “O pão que sobra à riqueza, distribuído pela razão, matava a fome à pobreza, e ainda sobrava pão”.

Diria mais, que acima da verdade conhecida sobre os dados e factos que nos revelam sobre a pobreza, existe a verdade desconhecida.

É da minha opinião que enquanto o mundo não compreender as palavras: verdade, razão, justiça, dever, hierarquia, sociedade, liberdade, igualdade, fraternidade, viveremos sempre na mentira. Também, que os governos, ainda vêem a questão social como um complemento, um apêndice, e não o eixo central das suas propostas.

Também acredito que se for ensinado a todas as pessoas que têm de focar-se na psicologia da abundância em detrimento da psicologia da escassez, mudaremos muito no mundo.

O que eu sei é que há pessoas que nascem sem recursos financeiros e não se entregam à pobreza. Com perseverança, determinação, trabalho, auto-estima e esforço, mudam um padrão de “pobres” que lhes foi dado à nascença e conseguem mudar a vida para melhor. São regidos por princípios e atitudes de merecimento.

Também que há pessoas que nascem com muitos recursos económicos e possibilidades inatas de prosperar na vida, e deitam pela janela fora as boas oportunidades que a vida lhes deu.

Também há os que acreditam que viver na pobreza lhes pode fazer alcançar um estado divino e de limpeza de karma, que os leva aos reino dos céus.

Parece-me que independentemente do país onde se vive, do governo ou estado que lidera, também temos cada um de nós de assumir a nossa responsabilidade pelo que somos, temos e criamos.

Há que ter uma visão mais alargada da vida, que exige um longo trabalho interno.

Há para mim algo mais belo – a essência humana. E é sobre resgatar essa fagulha divina que nos habita, mas que fomos esquecendo ao longo do tempo, que me parece ser um factor diferenciador de podermos trazer mais riqueza a nós mesmos e ao mundo.

É necessário ressignificar o que vivemos, encontrar soluções para os nossos problemas, para as nossas qualidades e talentos e para a real ocupação que pretendemos ter no mundo.

Cultivar o autoconhecimento é dar espaço a um lugar dentro de nós no qual não cabe mais olhar somente para nós mas sim olhar para o mundo.

Dar atenção a essa nova forma de viver, focada no todo, exigirá treino da nossa parte, porque somos ensinados e condicionados a pensar na vida focados na nossa própria narrativa como se estivéssemos separados do resto do mundo.

As nossas acções impactam o todo, então, que a gente se autoconheça, se aperfeiçoe, se corrija, evolua, se transforme para melhor e que isso seja também para transbordar amor no mundo.

Mesmo que seja em pequenas acções. Esse é um dos efeitos reais do autoconhecimento. Autoconhecer-se permite que possamos dar algo bom, belo e verdadeiro, mesmo que não seja perfeito.

É um ponto de partida, estarmos abertos a trocas gentis. Escolher a responsabilização sobre o que somos.

Tentar dar algo verdadeiro e bom, de uns para outros, através das nossas acções, pensamentos e sentimentos é vital.

Um dos livros que mais me ensinou a olhar o outro através de uma janela mais generosa foi “As cartas de amor de Khalil Gibran e Mary Haskell“. Ao longo de centenas de cartas, Gibran refere a importância da generosidade e do elogio.

Ensina-nos que todo mundo possui algo que merece ser elogiado. Que os elogios significam compreensão. Que cada um de nós, independentemente das suas histórias, possui uma alma que merece respeito e que quer ser vista do mesmo tamanho e importância.

Na realidade o que ele quis dizer é que no nosso íntimo, ninguém é melhor que ninguém. Que é necessário aprender a ver a grandeza de próximo, para que possamos abraçar e acarinhar a nossa própria grandeza.

Nesta vida, como nos ensina Gibran, começar a trazer à luz aquilo que temos de mais belo, é um primeiro passo para uma vida menos binária.

Pequenos gestos também mudam o mundo.

Felicidade não é apenas ver o mundo que eu quero para mim, mas também incluir o que é bom para a humanidade.

Se cada um de nós se permitir ser o arquitecto da sua alma, tornar-se –á um “curandeiro acordado”, onde a criatividade, a liberdade, a inteireza dar-lhe-ão forças para permanecer na vida e criar abundância e expressar gratidão por tudo o que a mãe terra dá generosamente.

Este alinhamento universal, trás segurança, equilíbrio, vontade de explorar, comunicar e brincar. Sair da limitação e ancorar as novas possibilidades, onde se vê nitidamente o que se consegue fazer com tudo o que nos é servido no prato.

Importa encontrar um conceito de bem-estar existencial vinculado a sentimentos de satisfação, auto-estima, optimismo vital e propósito com a vida.

E parafraseando Platão: “O amor é filho da pobreza e da riqueza: da pobreza, porque constantemente pede, e da riqueza porque constantemente se dá.”.

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