Leer este libro implica adentrarse en la pequeña y gran muerte, como sombra que levita en forma trascendente y no opone resistencia. Sabiendo que en nuestra cultura occidental la actitud frente al suceso de la muerte lleva consigo una gran carga de temor, desgarramiento y dolor frente a un hecho ineludible, como es enfrentarse cara a cara con el temor a lo desconocido. Debido a esto, asombra esta hablante quien transita desde el inframundo hacia el exterior, en cierta medida su poética posee sesgos del gótico, llevado a nuestra época contemporánea. Ella descansa en las aguas mortuorias adquiriendo naturalidad y como una transeúnte con experiencia en estos lugares se desplaza hacia la vida y luego vuelve a sumergirse en los hábitos del antiguo mundo. Continuar a ler “RESENÃ A “PUPILAS DE LOCO” DE VICTORIA MORRISON – por Claudia Vila Molino”
TEM PATRICIO NOS SETS BRASILEIROS – por Danyel Guerra
“Silvino Santos não foi mais um nome para os empoeirados arquivos de cineastas primitivos. Soube sempre colocar sua consciência profissional acima de quaisquer especulações esteticistas”
Alex Viany
Em Portugal, está ainda por inventariar e historiar, de modo sistemático, abrangente e rigoroso, a muito estimável contribuição dos imigrantes lusos para o fomento, incremento e desenvolvimento do cinema brasileiro. Continuar a ler “TEM PATRICIO NOS SETS BRASILEIROS – por Danyel Guerra”
UM GATO É UM GATO É UM GATO – por Fernando Martinho Guimarães
Do gato se pode dizer o mesmo que se diz da tradição: já não é o que era. Mas como o gato não faz a mínima ideia do que isso quer dizer, continua sendo o que sempre foi, o único ser que nos olha sempre de cima para baixo. Na impossibilidade de o domesticarmos, tudo indica que o gato tomou, algures no tempo, talvez há nove mil anos, a iniciativa de nos domesticar. A medida mais recente é a invenção da internet e das redes socias, cuja serventia mais prolífica consiste no facto de podermos partilhar pequenos filmes de e com gatos. Neste processo, não é de desprezar o filme Aristogatos que nos faz crer que toda a gente quer ser gato. E, porque esta metamorfose está destinada ao fracasso, ficamo-nos pelo arremedo de ter um gato…em casa. Trata-se, como é fácil de ver, de mais uma estratégia de gato. Continuar a ler “UM GATO É UM GATO É UM GATO – por Fernando Martinho Guimarães”
POESIA – de Francis Kurkievicz
MAGO
Na floresta para Waldberta
O guia perde o poeta.
Na serpentecostal selva remotta
Um criancião paracleto
O aguardava com sinais cristântricos.
Do cóccix à pineal
Pousou o mestre a mão
E alçou alucifeéricos fogos pecúlios
Despertando-lhe uma pedagogia petrográfica aprendiz.
E o poeta petiz
Reencontrou-se guia apóstata
Ifá de Orumilá.
Axé! Ave! Amém!
TRÊS TEMPOS POÉTICOS – de Henrique Miguel Carvalho
CONVIDADO
ao cair
do astro maior
aguardo,
felicitações
remotas
que pelo
nome
nunca o dizem,
até que
— é sempre assim,
um estranho
de maneiras
inconcretas Continuar a ler “TRÊS TEMPOS POÉTICOS – de Henrique Miguel Carvalho”
POEMINHOS (31-40)- por Jaime Vaz Brasil
31.
Artista
segue tempo adiante.
Crítico
só respira no durante… Continuar a ler “POEMINHOS (31-40)- por Jaime Vaz Brasil”
POESIA de – Lua Pinkhasovna
Espelho de Afrodite
Entre constelações, esferas rochosas, violentas estrelas mortiças e cintilantes cometas, nascer Vênus pode ser considerado uma afronta ao restante dos planetas
Pisando em trompas, ventres, ovários e vulvas e aquela mistura que poucos sabem ao certo o nome, lambuzo-me de sangue menstrual derramado nas ruas
Há polícia? O que há? Será que alguém me escuta? É claro que não, eu sou notícia corriqueira de uma realidade fantasticamente banal
O sangramento da violência não é repudiado, apenas é visto com asco aquele que mostra que sou um ser próprio, forjada em minha natureza
sem ser sexy, sendo apenas espécie
e que sinto por fora e por dentro me desmanchando em vermelho Continuar a ler “POESIA de – Lua Pinkhasovna”
A ÚLTIMA CEIA COM AS ESTRELAS – por Madalena Medeiros
Na eternidade boreal…
Vislumbra-se rumos dissipados em névoas!
Fragrâncias fortes e inesquecíveis,
Patentes num céu boreal.
Onde vou cear e adormecer esta noite?
Volvido nos rodopios da noite boreal,
As minhas Asas esbatem-se, num
Céu turquesa e anil, reluzem
beijos eternos de seres florescentes.
Felizardos dos eternos olhos!
Sentados em estrelas, donos
De um universo escuro e eterno,
Pincelam singelas e extemporâneas vidas.
Eternidade boreal! És sobejamente,
Luz de milhares de anos,
Despertar do adormecido,
E de estrelas que cintilam
aos olhos famintos de indignos de ti!
♣♣♣
ALCANÇADA A TUA LUZ, ELA É…
Mundo invisível, leve e solto
Em que as penas, são POESIA!
Onde a alvura é daltónica
Aos olhos do Ser espiritual…
Ouvem-se Gargalhadas e correrias,
nas estradas de luz em série!
Avistam-se Campos de feno matizado,
Em telas exuberantes e infindáveis..
Continuar a ler “A ÚLTIMA CEIA COM AS ESTRELAS – por Madalena Medeiros”
OS SONHOS – por Manuel Igreja Cardoso
Sonhar. Ambos sabemos o que é. Quer eu que teclo para que as palavras alinhadas sejam desenhadas, quer vossa senhoria que depois as está a ler, entre o deitar e o erguer da cama e quando o deus Morfeu nos contempla com o seu beneplácito, sonhamos. Continuar a ler “OS SONHOS – por Manuel Igreja Cardoso”
7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano
… de trevos e rosas imaculadas
1.
há muitas palavras para mentir e apenas uma para a verdade.
no jardim das maravilhas da minha vida
jazem vários caules hercúleos,
eternamente iluminados pela seiva
interna
a correr desde o coração.
morrerei já não jovem, sei-o agora.
e do passar dos tempos sei, também agora,
que as convenções podem matar o brilho de um olhar
uma covinha no rosto
um arrepio na nuca.
só que nunca o amor será vencido.
mora em lugar altaneiro
onde poucos acedem
de onde muitos desabam
– ali
ao alcance da tal palavra pura. Continuar a ler “7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano”
PUEDE OCURRIR – por Moisés Cardenas
En el pueblo de Brujas vivía una mujer blanca de ojos negros, quien llamaba la atención de los hombres por sus senos turgentes y caderas anchas. Por su cuerpo fue objeto de halagos por parte de muchos pretendientes, quienes la desearon con fines sexuales, mas no como compañera eterna. Continuar a ler “PUEDE OCURRIR – por Moisés Cardenas”
3 POEMAS DE “AZUL INSTANTÂNEO”*- por Pedro Vale
É preciso viver sem paixões.
Mergulhar no absoluto anonimato,
Permanecer morto ou vivo até ao fim.
Aclamar o tumulto escuro e bruto.
Encenar o drama clemente e lento.
Sentir um amor ideal por anjos nebulosos.
Descobrir um novo fundo de poesia e aguardar
uma voz que nos ordene docilmente:
– Não te movas, nem te inquietes,
nem traias o que
ainda não
és.
Continuar a ler “3 POEMAS DE “AZUL INSTANTÂNEO”*- por Pedro Vale”
A GUERRA E O AMBIENTE – por Ricardo Amorim Pereira
A guerra e o ambiente.
Preocupações coexistentes.
Praticamente ninguém nega que vivemos tempos de exceção. Ainda não ultrapassamos, por completo, a mais grave pandemia em 100 anos e, no início deste, deparamo-nos com uma guerra de contornos anacrónicos. Como fruto dessa guerra, ressurgiram os fantasmas da confrontação nuclear; a ordem internacional foi abalada, abrindo-se a porta para o reaparecimento de um tipo de guerra que julgávamos fechado nos livros de História – o que visa o alargamento territorial; o custo de vida, um pouco por todo o mundo, disparou. Neste contexto, que lugar passou a ocupar a questão ambiental na escala de prioridades dos cidadãos comuns bem como na dos políticos que nos governam? Em 1971, Ronald Inglehart afirmou que, desde a Segunda Guerra Mundial, na Europa Ocidental, terá havido uma mudança nos valores priorizados pela sociedade. Segundo este autor, nesses países, o aumento, quer do bem-estar económico quer dos níveis de segurança, permitiu a passagem de paradigma nos valores de um, assente no materialismo, para um outro, assente no pós-materialismo. A ideia subjacente a esta teoria é a de que apenas quando as necessidades mais básicas estão satisfeitas é que a atenção se move para questões que não se prendem, diretamente, com a subsistência. Na mesma linha de raciocínio, Müller-Rommel (1998) referiu que, nos anos 70 e 80 do século passado, nos países desenvolvidos, se assistiu a uma mudança cultural, marcada por um forte crescimento das preocupações sociais que vão para além da satisfação das necessidades básicas. A igualdade de direitos, a atenção às minorias, as preocupações ambientais, a solidariedade para com o chamado Terceiro Mundo, as exigências de desarmamento, entre outras, assumiram-se como novas exigências da sociedade para com a classe política.
Continuar a ler “A GUERRA E O AMBIENTE – por Ricardo Amorim Pereira”
ARQUITECTURAS – de Ricardo Amorim Pereira
1.
Falta paz
Não apenas a ausência da guerra
Falta faz termos paz
Nada desejarmos ou querermos mudar
Falta nos seres algum “deixa para lá”
“Tudo bem”
“Não faz mal”
Ninguém pediu para nascer mas depois tudo nos é pouco
Quando o pouco do que não pedimos
Quando nada éramos
Nos devia bastar
Contentar
Se assim fosse
Se o pouco dado ao nada que corre para o nada fosse muito
Teríamos tudo
Tudo temos porque sim
Por Deus ou pelo destino
Só nos falta a lembrança do que somos e para onde iremos
Quando nada formos e não nos acharmos
Nem mesmo a reclamar Continuar a ler “ARQUITECTURAS – de Ricardo Amorim Pereira”
CONVERSA DE ESTÁTUAS – por Wander Lourenço
Conversa de estátuas
Drummond, Caymmi, Pessoa e Clarice
Eram meados de maio do ano da graça de 2022 e a imperiosa Copacabana transpirava uma brisa à Jonny Alf, quando a estátua do compositor Dorival Caymmi, que saudara a “princesinha do mar” em antológica canção praieira, se aproximara da escultura do poeta Carlos Drummond de Andrade, para dois dedos de prosa sobre as amenidades da vida e a arte da sobrevivência nesta São Sebastião do Rio de Janeiro.
Continuar a ler “CONVERSA DE ESTÁTUAS – por Wander Lourenço”
LEIA A EDIÇÃO Nº20 DE MAIO DE 2022
DA ERRÂNCIA DO MAL (…..) – EDITORIAL – por Artur Manso
…OU DA NATUREZA DA HUMANIDADE
Onde está o perigo cresce também o que salva
Holderlin
24 de fevereiro de 2022. Mais uma vez, em plena Europa, a Rússia, Pátria de Gogol, Turguêniev, Tchékhov, Dostoiévski, Tolstoi, Pushkin, Borodin, Stravinsky, Eisenstein, Tarkóvski, por decisão do seu governo presidido por Vladimir Putin, irrompeu pela vizinha Ucrânia, causando destruição, sofrimento e morte inusitadas, sem qualquer propósito para lá do domínio territorial e da desmesurada manifestação brutal da força bélica. Mais uma vez milhões de pessoas que apenas querem ter uma existência tranquila, são expulsas do seu território que a força das armas reduz a escombros. A segunda grande guerra na Europa só findou em 1945, a horrível guerra na ex Jugoslávia teve inicio nos anos de 1990 e arrastou-se até ao inicio do século XXI. A invasão do Iraque aconteceu em 2003. Na Síria decorre uma guerra civil que foi iniciada em março 2011. Se a isto juntarmos diversos conflitos menores e a sangrenta e quase permanente disputa entre israelitas e palestinianos, os confrontos na Irlanda (só em julho de 2005 o IRA anuncia o fim da luta armada) ou no vizinho País Basco (só em janeiro de 2011 a ETA adotou o cessar-fogo permanente), o ataque às torres gémeas nos Estados Unidos da América a 11 setembro 2001, os massacres em França, do Charlie Hebdo a 7 janeiro 2015 e em 14 novembro no teatro Bataclan, ficamos com uma panorâmica recente da peregrinação do mal e da guerra. Como lembra o dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956), seja por questões metafísicas ou por corriqueiros interesses materiais, a civilização que os homens construíram, tal como relatado na Bíblia, em Homero, nos trágicos gregos, Shakespeare, Dante, Cervantes e tantos outros, está a transbordar de guerras cruéis e fratricidas, dos maiores horrores e atrocidades. Também Hanna Arendt ao relatar os testemunhos dos carrascos julgados no pós guerra, conclui que a natureza humana é servil aos maus instintos daqueles que detêm o poder, levando pessoas normais a obedecer cegamente e provocar sofrimento nos seus semelhantes. Continuar a ler “DA ERRÂNCIA DO MAL (…..) – EDITORIAL – por Artur Manso”
SENHOR COMANDANTE – por Wander Lourenço
Senhor Comandante, por obséquio, eu peço-lhe que cesse com a Guerra, porque os seus bombardeios mutilam cidades e famílias, à proporção que explodem as vilas, os corpos e a esperança pacífica de histórias apagadas pelas labaredas da odiosidade proferidas por sua covardia ignóbil e incabível. Continuar a ler “SENHOR COMANDANTE – por Wander Lourenço”
ROLANDO E SEU RAMO HORNBACH- por Rosa Sampaio Torres
Este trabalho tem o objetivo de identificar a exata filiação de Rolando, o famoso herói franco morto em 778 na batalha de Roncevalles, na Espanha, que sugerimos do ramo genealógico dos Hornbach. Continuar a ler “ROLANDO E SEU RAMO HORNBACH- por Rosa Sampaio Torres”
FILM – por Rolando Revagliati
Una joven dama argentina casada se halla con un mexicano licenciado en abogacía. Tienen un hijito y una mansión en ciudad de México. Ella era cancionista de tangos hasta que se produjo su enlace, sin lo que se dice amor-amor, para acceder así, legalmente (por la puerta grande, principal), a la suprema misión a la que una mujer muy mujer está destinada: dar a luz y consagrarse al retoño. Continuar a ler “FILM – por Rolando Revagliati”
DESAFIOS AMBIENTAIS PARA O SÉCULO XXI – por Ricardo Amorim Pereira
As sociedades, de uma forma crescente, vêm ficando atentas à situação delicada em que nos encontramos, no concernente à problemática do aquecimento global antropogénico. Com efeito, cada vez mais, é menor o número daqueles que prescindem de reconhecer que este se afigura como um dos principais problemas com que a Humanidade se confronta ou se confrontou. A ciência mais credível e bem estabelecida, com efeito, é perentória, ao afirmar que a atual trajetória de emissões de gases causadores do efeito de estufa está a encaminhar-nos para um desastre de dimensões bíblicas. Subsiste, todavia, uma, aparente ou não, dicotomia entre preservação ambiental e crescimento económico. Como se pudesse haver economia sem ambiente e, sem economia, possibilidade de apreciarmos e beneficiarmos de um bom meio ambiente. Tal como as Histórias políticas do século XX e do início do XXI demonstraram à saciedade, todo o tipo de fundamentalismos encaminha o ser humano para a sua perdição. Deste modo, o desafio existencial com que, atualmente, nos confrontamos só encontrará resolução, efetiva e duradoura, quando for possível harmonizar estes dois mundos – o económico e o ambiental. Continuar a ler “DESAFIOS AMBIENTAIS PARA O SÉCULO XXI – por Ricardo Amorim Pereira”
O PERISCÓPIO – por Marília Miranda Lopes
Quem tem olhos para ver pode convencer-se de que nenhum mortal consegue guardar um segredo.
Sigmund Freud
Quando a memória o obrigava, debruçava-se no próprio colo, entre os mistérios estomacais. Punha-se a cismar, na postura de ampulheta imóvel. Por dentro, bulia, como areia a cair por estreito trajecto. Talvez sentisse uma ligeira febre, um aquecimento de motor. O organismo tinha de funcionar. A maravilhosa máquina não iria decepcioná-lo, sabia-o: conhecia as manobras interiores, o mínimo alerta ácido, as sedes, as fomes, as indisposições, os enjoos, os vómitos, as temperaturas, as fricções. Acaso seria possível voltar ao vaso inteiro de si mesmo, no âmago de uma contrariedade apertada? Continuar a ler “O PERISCÓPIO – por Marília Miranda Lopes”
CINCO POEMAS DE MARIA TOSCANO
um.
nasci para aprender a ser árvore/
crescente desde o coração da terra/
voadora pelos ramos e asas /
espraiando-me entre cumes e desertos, /
montanhas mágicas serras áridas /
e mornas planícies morenas dos suis.
até desarvorar – fidelíssima e de vez – /
no amoroso corpo envolvente
do meu devoto amor , o mar.
© Maria Toscano, Novembro, Coimbra Continuar a ler “CINCO POEMAS DE MARIA TOSCANO”
UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (2) – por Lúcio Valium
APARELHOS
Comi no meio de um ruído imenso. Tomei dois cafés. Procuro um lugar fora do mecanismo. No futuro será mais difícil de encontrar. Cada vez haverá menos lugares desses. Atravesso as compridas artérias institucionais e fecho-me numa sala para escrever. Não há música mas podem enviar-se escritos. É uma área de organismos tecnológicos. Uma visão da vida controlada nos nossos tempos. Fórmulas dados sintomas diagnósticos perfis são palavras que saltam destes aparelhos. Tudo em gráficos e grelhas. As vidas como gravações para consulta pragmática. Nada que lembre coreografias sexuais desmesuras sem palco ou o espanto de quem se perdeu nas cidades e nas vidas de outros. Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (2) – por Lúcio Valium”
METRO MEDIDA* – por Lua Nê
Vê? Que tudo virou medida. Esses números que a gente regurgitava. Que engolimos, fazendo hematomas por nós adentro. Uma semana. Que virava duas e três. Um morto que nunca era um, era nome, era gente, eram cinquenta mil. Eram cem. Cem mil nomes. Sem mil nomes. E quatrocentos mil. Mais sem. Aquela espécie de virose que medo mete. Sentir-se em contradição, o tempo todo tempo, tempo cem tempo. O que cabia num tempo não era um, era cem, era sem, juro. Tempo sem tempo dentro. Os cômodos, incômodo. Ficava. Eu medindo a aflição crescer pelos batentes da porta de um em um mês. Tanto que crescia, pegava lápis pra escrever, assim, como mãe que acompanha a mania de grama que criança tem. Minha aflição pôs-se pra mato. De um em um metro. E aquilo era auto distância. Continuar a ler “METRO MEDIDA* – por Lua Nê”
APRESENTAÇÃO DE “A CASA DOS POETAS” de José Pérez
O HOMEM QUE DORMIU DEMAIS – por José D’Assunção Barros
Só fui acordar vinte anos depois! O despertador tinha me traído. Preparado para berrar às oito horas da manhã, como EM todos os dias, daquela vez o relógio resolveu ficar em silêncio durante um quinto de século. Agora, eu estava ali, duas décadas perdidas depois, olhando para aquela folhinha espetada na parede, já virado até mesmo o século. Vocês se lembram daquela história em que o personagem dormira durante vinte anos ininterruptos, para acordar em um mundo no qual a grama do seu jardim vinha lhe bater nos joelhos? Tem muita dessemelhança com a minha! Para começar, a grama do meu jardim estava cuidadosamente bem aparada. Como se alguém tivesse tido a preocupação de mantê-la, enquanto o dono dormia, em plena conformidade com a linha de austeridade exigida às vegetações urbanas e rasteiras. Dentro de casa o interruptor ainda controlava a luminosidade da sala, sinal de que a luz não havia sido cortada por falta de pagamento. No mais, estava tudo perfeito. A poeira varrida. O pó de café cheirando a ontem… como se, em nenhum instante, a rotina tivesse sido quebrada. Continuar a ler “O HOMEM QUE DORMIU DEMAIS – por José D’Assunção Barros”
MARGINÁLIA – por Januário Esteves
António Machado
Desbravando caminhos caro António Machado a vida é mais satisfatória e o corpo conserta
a alma dorida como a água que nos sacia
e o vento na cara que nos desperta o coração
comovido pela flor que desabrocha o mistério
da árvore que dá os seus frutos mansamente
ao longo das estações como eu dou ao sonho
as profundezas do meu ser envolto na memória
que se estende pelos campos em volta da infância carregada de segredos ternos e doces
na vastidão incomensurável do amor paterno
encontramos as raízes daquilo que somos
como um arbusto fulminado pelo raio
vemos para lá do tangível, para lá da parede
àquela luz que nunca se apaga, vislumbramos
as épocas de ouro e terror, o caminhar certo. Continuar a ler “MARGINÁLIA – por Januário Esteves”
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