ESCREVER- por Manuel Igreja

Escrever é procurar as palavras que urgem para que se desenhe o que sente. É entrelaçar os fios de que a alma é feita na vida que se tece enquanto esta vai acontecendo em madrugadas surgidas para serem vividas. É pontear as costuras onde por vezes se rasga o viver. É deleitar e sofrer. É clarear, mas também pode ajudar a escurecer.

Escrevendo se diz do que se passou e do que se vai passando. Escrever é dar os ombros, para que encavalitados, outros vejam mais além. Quase adivinhando, escrever pode ser falar do futuro, que não tarda ligado ao ontem que foi mesmo agora.

Escrever é falar da água que passa, da ave que voa planando para nosso encanto e das pedras quebradas para nos servirem de calçadas. Desenhando letras e alinhando frases escritas, se pode falar das horas felizes, mas também das horas malditas. Das alegrias e das tristezas.

Escrever pode ser mostrar momentos. Instantes atuais ou idos. Pode ser falar de avenidas e de monumentos. Das cidades e das aldeias, das ruas, memórias das nossas verdes idades. Pode ser falar do agora. Pode ser falar dos que estão, mas também dos que se foram embora.

Escrever pode ser alimentar a saudade. Pode ser uma simples frase num ramo de flores destinado aos nossos amores. Pode ser um dito sobre o sol e sobre a lua, mas também sobre as estrelas. Pode ser falar do lume que se não apaga, que arde. Pode ser falar do azul do céu, mas também do negrume que antecede a tempestade.

Escrever pode ser preencher os silêncios.  Pode ser habitar na substância do tempo. Pode ser acomodar, mas também inquietar. Pode ajudar a rasgar fronteiras e barreiras. Pode ajudar a desfraldar as bandeiras de que vive a liberdade.

Escrever pode cimentar e espalhar ideias. Pode ensinar a saber e a dar a conhecer. Pode avisar. Pode testemunhar. Pode falar de crueldade e de piedade, evitando egoísmos que são substituídos pela solidariedade. Pode ampliar o eco. Pode fazer fluir diálogos obstruídos. Pode ajudar a fazer a paz, mas também a guerra.

Escrever pode ser toda a vida num momento. Numa linha, numa frase, num livro, num simples guardanapo, se pode espelhar um sentir profundo e sem medida, um amor infinito enquanto dura. Mas também uma raiva. Um temor. Um medo. Um alívio. Um ardor.

Escrever pode ser sobre a morte ou sobre a vida. Pode ser sobre uma flor a florir ou já florida. Pode ser sobre um botão de rosa e seus espinhos e mais dos que encontramos nos caminhos. Pode amparar e apontar a estrela polar nas jornadas do ir e do vir. Mas pode também fazer perder.

Escrever é fazer poesia e prosa. É música nas pautas lidas por entre as pausas e os timbres sublimes feitos de laços da essência e da excelência das coisas tornadas causas.

Escrever é guiar a tinta vertida. É pegar na enxurrada que vem do coração em jeito de levada. É fazer com as palavras alinhadas, hortas granjeadas pelo respeito e pela admiração. É fazer acontecer, mas também fazer parar para olhar e para amar.

Escrever pode ser sobre uma lágrima furtiva pela face escorrida. Quase escondida, mas muito sentida. É aconchegar e mimar com as palavras feitas abraços, mesmo que haja mil cansaços. É não ajudar a não desistir.

Escrever pode ser sobre a beleza, mas também sobre a frieza. Sobre o ciúme, sobre um beijo e sobre um desejo.

Escrever é um caminho. Um dom. Um saber desde a antiguidade, um exclusivo da humanidade. Um lavrar as folhas em branco. Um fio que nos une na arte de viver e no saber ser.

Escrever …

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Manuel Igreja Cardoso, nasceu em 1960 no concelho de Armamar e reside na cidade do Peso da Régua no Alto Douro Vinhateiro.
Licenciado em História, a par da sua atividade profissional da EDP – Energia de Portugal, desenvolveu nos últimos 25 anos uma profícua atividade na escrita de contos, artigos de opinião e de crónicas que tem vindo a publicar em diversos jornais regionais.
Tem publicado um livro de contos, um com a história da Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua, e outro com história da ACIR – Associação Comercial.

 

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