POEMAS DE NATAL – por Ana Margarida Borges

ANJO DE NATAL

O meu anjo de natal dorme à minha porta
sem pressa, sem horas marcadas, sem medos.
A noite vela os seus frios segredos
encolhidos nas asas marcadas de açoites.


Sirvo-lhe café quente com doses de paciência
e fica tão mais leve a minha consciência!
Às vezes ouço-o sonhar acordado:
Um jardim suspenso a fazer de tecto
Aos príncipes do nada numa
família arco-íris de rituais e de afectos
com estrelas de papel e lareiras acesas
E olhos deslumbrados ao redor de uma mesa!
Ainda se ao menos fosse outra vez menino
perdido de riso, traquinices e birras
o pegassem ao colo e lhe dessem mimo
bordado de ouro, de incenso, e de mirra!
Presentes reais para quem ao relento,
vive de rezas, de ar e de vento!

ALENTO

Tudo se esvai na abundância das lojas
Meus olhos molhados fecham-se de escuridão
No reino dourado das ruas embrulhadas
Perco meu ser meu corpo meu combate
De em tudo achar que tudo é em vão.
E um rio de pureza com águas de alento
Cobre a secura que me vai por dentro.

 

AZEVINHO

Há muito que não moro nestes natais__
Perdi a conta aos anos e às luzes
Que se apagaram na montra da minha alma.

Vejo ainda um brilhozinho
no pinheiro imaginário
da minha infância
e olhos humedecidos
nos gestos de gentes
despidas de presente(s)
Não.
Não quero ser prenda embrulhada nas lojas da moda.
Recuso ser consumida nas vitrinas de Dezembros.
Não me entalem entre beijos e abraços formatados
tão distantes
do bem, do belo e da verdade universais.

E a minha fé na humanidade
floresce como a árvore do azevinho
que vai resistindo ao tempo
e às ameaças

do seu fatal destino

FESTA DE ARROMBA

Quero uma festa de arromba
com música, flores, vinho e pão
e muita, muita solidão!

As luzes da cidade não me atraem.
Não vou fazer compras ao shopping
nem ao mercado;
nem te mando a ti o vulgar recado
da noite de inverno
que, no mundo real, dizem chamar-se natal.

Por companhia,
les voilà:
Mes petits chats,
Postados no altar da minha melancolia!
E até fazem o coro da missa do galo

quando, de barriga vazia farejam ao longe a ementa do dia

Afinal, nem eles nem eu
nunca tivemos lugar no curral do menino.
E muito menos planos celestiais
que poriam em causa
os nossos pragmáticos rituais.

E para ser muito prático
cozinho para todos
um prato de fantasia,
de paz e de harmonia
misturado com um pedaço de luar
de Janeiro, que mais tarde virá,
para dar e renovar
as boas vindas, a nós,
e ao mundo
inteiro

RESSACA

…e sobraram as luzes da consoada
onde foi servido o vazio de todas as ausências.
Uns partiram cedo demais;
outros cresceram e espalharam-se pelos natais da
concorrência__
Ficou por trincar o brinde Bolo Rei
inspeccionado pela Asae
engasgada nas pastelarias pobres da cidade.
As prendas ”made in china” acumulam-se nos armários dos adiamentos
com uma nova roupagem para servirem de moeda de troca
noutras consoadas ou
noutros eventos.
Só o recanto dos afectos continua
de cor bruxuleante
num esforço angustiante
de iluminar a verdade do  presente
o retomar a vida
aqui mesmo ao lado
no virar da esquina.

♦♦♦

Ana Margarida Gomes Borges Nascida em 31 Outubro de 1951, em Vila Pouca de Aguiar. Professora do Ensino Secundário – Aposentada. Diseuse ou dizedora residente no Porto. Participação poética em várias colectâneas e revistas em Portugal, Brasil e Galiza. Um livro de poesia a solo “JÁ NÃO MORO AQUI” resultante de um primeiro prémio em concurso literário. Distinção noutros concursos literários. Publicou o seu 2º livro de poemas em Março de 2019 “ TALVEZ SE ME EMPRESTARES UM DESSES VERSOS”.