Só fui acordar vinte anos depois! O despertador tinha me traído. Preparado para berrar às oito horas da manhã, como EM todos os dias, daquela vez o relógio resolveu ficar em silêncio durante um quinto de século. Agora, eu estava ali, duas décadas perdidas depois, olhando para aquela folhinha espetada na parede, já virado até mesmo o século. Vocês se lembram daquela história em que o personagem dormira durante vinte anos ininterruptos, para acordar em um mundo no qual a grama do seu jardim vinha lhe bater nos joelhos? Tem muita dessemelhança com a minha! Para começar, a grama do meu jardim estava cuidadosamente bem aparada. Como se alguém tivesse tido a preocupação de mantê-la, enquanto o dono dormia, em plena conformidade com a linha de austeridade exigida às vegetações urbanas e rasteiras. Dentro de casa o interruptor ainda controlava a luminosidade da sala, sinal de que a luz não havia sido cortada por falta de pagamento. No mais, estava tudo perfeito. A poeira varrida. O pó de café cheirando a ontem… como se, em nenhum instante, a rotina tivesse sido quebrada. Continuar a ler “O HOMEM QUE DORMIU DEMAIS – por José D’Assunção Barros”
A PÁTRIA METAFÍSICA – por Cassiano Russo
Emílio passava boa parte do seu dia trancado naquele quartinho de pensão. Não saia de lá por horas. Preenchia seu tempo escrevendo. Dizia ele que a única coisa que dava sentido ao vazio de sua existência era a escrita, que lhe funcionava como “exílio metafísico”. Para ele, o mundo lá fora não passava de um deserto de nulidades ontológicas. O escritor solitário via a maioria dos seres como “hipocrisias existenciais” que nada tinham a lhe acrescentar. Com essa sua convicção, o contato que ele mantinha com as pessoas era escasso. Saía somente aos sábados para tomar um drink em um café na avenida central da cidade. Lá ele se reunia com o seu único amigo, um anacoreta depressivo que não encontrava razão alguma para existir, pois a vida lhe era demasiado diáfana. Continuar a ler “A PÁTRIA METAFÍSICA – por Cassiano Russo”
O QUARTO – por Cassiano Russo
Uma fumaça com cheiro de enxofre começava a sair do quarto do subsolo daquela velha pensão situada na Vila Mariana. Lá dentro estava um homem a registar seu diário. Os transeuntes que passavam por perto do imóvel, assustados, decidiram chamar os bombeiros. Continuar a ler “O QUARTO – por Cassiano Russo”
UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (Série I)- por Lúcio Valium
HORAS
Na instituição as horas são linhas. Férreas convenções temporais. De manhã não segui a norma. Permaneci na hospedaria. Cama jangada dignos trapos quentes. São a vida. A negação doce e animalesca das imposições. Chego tarde com orgulho. Entro na cápsula como um infiltrado e visto a pele de sereno figurante. Um paciente que não é fácil decifrar. Pouco para o exterior. Só as raras sessões de livre palavria medicante me interessam. De resto busco salas vazias. O desprezo pelo real fraudulento. Não respeito a engrenagem e escondo estratégias que a maquinaria não pode controlar. Sei que a directora é um coração bom. Mas não ia gostar se soubesse do afastamento a que voto as actividades gerais. Pouco importa. Gosto de algumas palavras dela. Mas dou-lhes outro uso. Sonho com o tempo que partilhamos na hospedaria. O nosso vinho na lareira é um festim sem necessidade de ornamentos. É a música primordial dos lábios. Fogo vinho nas cores dos olhos. Prazeres que bailam no labirinto dos corpos. Assim vivo o silêncio íntimo nestes pisos ruidosos. Retendo o suor da noite e a sonoridade da tua pele. Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (Série I)- por Lúcio Valium”
UM SORVETE DE CHOCOLATE – por Via Plaza
Aos poucos ele vai se esquecendo de mim, anteontem, por exemplo, eu perguntei para ele se tinha filhos e respondeu que não, que não tinha.
Eu sou filha dele desde que tenho memória, porém ele já quase não tem. Continuar a ler “UM SORVETE DE CHOCOLATE – por Via Plaza”
CONTO LEVEMENTE ERÓTICO – por Cecília Barreira
Viúvo há escassíssimos meses.
Quando a mulher ainda era viva, conhecera, através das redes, uma rapariga de ofuscante beleza, casada e com filhos adolescentes.
Apaixonou-se logo. Continuar a ler “CONTO LEVEMENTE ERÓTICO – por Cecília Barreira”
FAZENDO O PINO COM A IDA LUPINO – por Danyel Guerra
“I am the lizard king, I can do anything”
Jim Morrison.
Feliz Aniversário Manuel António
‘O País das Pessoas de Pernas para o Ar’. Há livros que nos ganham num átimo. O título basta. É esse o caso daquele que encorajou, numa Feira do Livro do Porto, vivia-se uma tarde nublada do Verão Quente de 1975, intrépida expropriação revolucionária. Só depois é que reparei nos prenomes do autor. Manuel António. Até à data, o único Manuel António que eu conhecia era o ponta de lança do FC Porto e da Académica, que se tornaria médico oncologista e chegou a prestar assistência ao Miguel Torga. Continuar a ler “FAZENDO O PINO COM A IDA LUPINO – por Danyel Guerra”
AS GÉMEAS – por Cecília Barreira
AS GÉMEAS
Eram irmãs. Cada uma com o seu namorado. Gémeas, iguais. O mesmo cabelo, o tique de mexer na repa.
Sempre cúmplices.
Janus e Hélio muitas vezes com dificuldades em perceber quem era uma ou outra.
Eram ambas Mary. Uma, Mary Sue. Outra, Mary Pue. Continuar a ler “AS GÉMEAS – por Cecília Barreira”
HARATINES EP7 – Jonuel Gonçalves
Nota prévia do autor:
“Haratines” é romance em preparação, baseado em contextos e lugares reais, mas os personagens e situações são imaginados por mim. Uma exceção é o texto com sub título “235” – que aqui envio. É acontecimento verídico até nos personagens.
Ultimo trip (desta vez) a Ouidah, Uidá ou Ajudá
João Baptista saiu do hotel em Cotonou e entrou no carro com o professor Da Cruz novamente a caminho de Uidá, às vezes distraído ou traído pelo sub-consciente dizia Ajudá e o professor sempre dizia pensativo “quem sabe não seria preferível a cidade ter dois nomes, como acontece com Anvers-Antwerpen na Bélgica” e lá foram apenas para uma conversa relax com a diretora do museu no velho forte português que Salazar mandou incendiar em 1961 e cujo nome, agora ele sabe, passou para ele próprio João Baptista. Sem nenhuma razão a cabeça de João Baptista enquanto ganhava paz na paisagem litoral beninense lembrou-se da reportagem no “Libération” sobre Henri Lopes intitulada “SIF (sem Identidade Fixa)” à mistura com passagens do livro de Dan Franck “Paris ocupada”. Passagens mais ou menos assim: “Roman Kacew, nascido em Vilnus [Estónia] trocou a França pela Argélia em junho de 1940. Continuar a ler “HARATINES EP7 – Jonuel Gonçalves”
CONTOS CURTOS DE Olinda Gil
A arma debaixo da almofada.
Detestava armas. Ela, que fora ativista contra o armamento via-se agora obrigada a pegar numa arma. Toda a gente deixara de ser o que era. A fome obrigara-a a deixar de ser vegetariana e a matar animais para comer.
A primeira coisa que fazia quando chegava ao esconderijo era largar a arma. Sabia que não o devia fazer, que toda a gente dormia com uma arma debaixo da almofada. Escondia-se ali havia vinte anos. O excesso de confiança e o horror às armas levavam-na a larga-las mal se sentia à vontade. Continuar a ler “CONTOS CURTOS DE Olinda Gil”
NO ENTRUDO, VALE T(R)UDO – por Danyel Guerra
A pré-publicação deste conto nas páginas de ATHENA antecipa sua edição no livro ‘Corpo Estranho’, de Danyel Guerra, com saída do prelo prevista para dia 3 de maio, SEGUNDA-FEIRA, no Hard Club, ao Mercado Ferreira Borges, Porto, no set do Fantasporto. Horário: 18 horas.
NO ENTRUDO, VALE TRUDO
C’est l’enfer, l’éternelle peine!
Voyez comme le feu se relève!
Je brûle comme il faut. Va, démon!”
Arthur Rimbaud
Na memória ainda vivaz e lúcida da Virgem de Vandoma não há lembrança de um dia tão gelidamente irado na cidade sua protegida. Fustigado pela algidez do clima, possuído, porem, pela agilidade da chita, um cavaleiro sobe a íngreme rua de Ceuta, como se estivesse voltando a 1415. E só para em frente de um edifício de consultórios, onde entra ajustando o elmo das “manhãs de oiro e de cetim”(1), em que um puma estilizado esboça o bote. Continuar a ler “NO ENTRUDO, VALE T(R)UDO – por Danyel Guerra”
DOIS TEXTOS DE Yessika María Rengifo Castillo
La sexta calle
El grito de los vendedores ambulantes y las rosas marchitas anunciaron que mi vida era un desastre. Nunca soporte los gritos, que reflejaban el estado decadencia en la que estaba nuestra relación. Relación que se deterioraba ante la falta de sexo y conversaciones del diario vivir. Verónica luchó porque esto fuera un mal sueño y las orquídeas iluminaran nuestras mesas como años atrás. No quise unirme a su lucha y me alejé de la sexta calle que era el coro de nuestra vida.
Recorriendo sus pasos
Recordé que nuestra historia nunca se escribió entre rosas y días de sol. Silvia y yo nos conocimos en el bar que solía frecuentar los viernes cuando salía de mi trabajo. Descubrí que detestaba los días de invierno, las comidas chatarra, y la música rabalera que le recordaba los golpes de su padrastro. No deseaba que tuviéramos una relación estable lo que presenció en su casa era suficiente para creer que nuestra relación se reducía a conversaciones del mundo, relaciones sexuales y aguardientes, momentos que me alegraban pero alejaban la posibilidad de un nosotros. Cuando le confesé que la amaba su frente se ciñó y permaneció largo rato en silencio, prometiendo que hablaríamos después del tema…
Han pasado seis meses y no regreso al bar. Sigo recorriendo sus pasos entre las orquídeas que tanto amaba, y sus fotografías se aniquilan entre mis lágrimas del ayer.
♦♦♦
Yessika María Rengifo Castillo. Poeta, narradora, articulista, e investigadora. Docente, colombiana. Licenciada en Humanidades y Lengua Castellana, especialista en Infancia, Cultura y Desarrollo, y Magister en Infancia y Cultura de la Universidad Distrital Francisco José De Caldas, Bogotá, Colombia. Desde niña ha sido una apasionada por los procesos de lecto-escritura, ha publicado para las revistas Infancias Imágenes, Plumilla Educativa, Interamericana De Investigación, etc.
Facebook: Jessi Porque Rengifo Rengifo
O PROFESSOR – por Cecília Barreira
Era para além do desejo e da vastidão de sentimentos inúteis. Ia às aulas daquele professor porque, sem sequer o escutar, conseguia chegar a um êxtase.
Nas aulas, as hastes de um pendor lúbrico toldavam-lhe a mente. Continuar a ler “O PROFESSOR – por Cecília Barreira”
DE AÇUCAR – por Cláudio B. Carlos
Salivar, diante da imagem, até não mais aguentar. E lambê-la. Toda. Continuar a ler “DE AÇUCAR – por Cláudio B. Carlos”
CACIMBO NOS PEDAÇO DE BANANA- por Jonuel Gonçalves
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Acordei começava a noite sem dúvida deve ter sido a chuva miúda tipo cacimbo grosso no meu rosto que me acordou e pela hora devo ter ficado ali desacordado umas sete horas, não me lembro a que horas caí mas sei que foi devagar e seriam talvez 11 da manhã com um sol abrasador mas eu tinha que atravessar aquela parte da savana para mais adiante conseguir boleia e continuar. De resto enquanto caía devagar lembro-me que só me lembrava de ti e agora também ao acordar ouvi até a tua respiração aqui do meu lado, demorei para entender onde eu estava e estaria fazendo aqui no chão com a chuvinha sem parar no meu rosto como se fosses tu a murmurar comigo. É. Falas comigo em qualquer lugar mesmo quando pensas que não me lembro de ti, lembro sim e a tua voz aparece como chuvinha na savana quente a salvar-me a vida. É isso de certeza. Devo ter caído por muita falta de água, estava com muita sede mas o risco entre voltar atrás ou ir pra frente era igual e agora estou com a cara e os lábios molhados, abri a boca junto com os olhos louco por água muito mais que por comida, embora dia inteiro sem comer também não facilita caminhada longa. Continuar a ler “CACIMBO NOS PEDAÇO DE BANANA- por Jonuel Gonçalves”
FOTOGRAFIA – por Luís Bento
Depois da morte do marido, o amor, resumia-se agora à inevitabilidade da memória de um passado que tinha valido a pena, a espraiar-se pelos filhos nascidos na Bélgica e as saudades que tinha daquele céu de chumbo, que convidava à leitura e reflexão no escritório aquecido, onde passavam largo tempo a olhar pela janela alta, em forma de ogiva com vitrais no canto, o relvado verde húmido onde alguns mais afoitos jogavam à bola de galochas. Continuar a ler “FOTOGRAFIA – por Luís Bento”
AO ESTILO JULIÁN MURGUÍA – por Claudio B. Carlos
Havia uns negrinhos, que barrigudos e descalços, na frente das casas toscas, chupavam o ranho que escorria do nariz. Um deles, com cara de sem-vergonha, sempre piscava o olho pra mim quando passávamos a cavalo. Os guaipecas magricelas saíam de atrás de nós importunando as montarias, que assoleadas, espumavam nos beiços, mascando o freio e coleando as moscas. Continuar a ler “AO ESTILO JULIÁN MURGUÍA – por Claudio B. Carlos”
UMA TRILOGIA de Cláudio B. Carlos
UM HOMEM CHAMADO HOMEM
Era uma vez um homem chamado homem e uma mulher chamada mulher. Todos os dias, o homem chamado homem quebrava pedras, desde as primeiras horas da manhã até as primeiras da noite. Continuar a ler “UMA TRILOGIA de Cláudio B. Carlos”
TORPOR – por Claudio B. Carlos
Eu não queria ouvir o que ela tinha para falar. Como num transe, eu apenas via o mexer dos lábios murchos da velha, sua dentadura frouxa, e o bailar de sua língua saburrosa. Tudo sem som. Eu não escutava nadica de nada. O buço da velha lhe sombreava o lábio, e se misturava com os pelos que lhe saíam pelas ventas. Vez em quando algum perdigoto da bruaca me atingia o rosto. Continuar a ler “TORPOR – por Claudio B. Carlos”
O BERLIN TRABANTÁXI – por Danyel Guerra
Semelhante ao rio que, constrangido pelas margens, anseia pela chegada à foz, um viajante busca, frenético, um táxi, à saída do aeroporto de Berlin Ocidental. O que ele não adivinharia é que tão volumosa corrente de ansiedade iria deparar com um dique inesperado, uma barragem imprevista. Continuar a ler “O BERLIN TRABANTÁXI – por Danyel Guerra”
ZEDES – por Diniz Cortes
Zedes, 5.000 b.p.
O Rapaz observava de longe os preparativos para o cerimonial. Estava ainda ofegante pelo caminho percorrido, ligeiro e a corta-mato desde o povoado, distante algumas centenas de metros daquele lugar.
O rebanho acordava de uma noite fresca e orvalhada e ouvia-se aqui e ali o balido de um cordeiro ao qual a mãe-ovelha nem sempre respondia… Continuar a ler “ZEDES – por Diniz Cortes”
OUTRAS DIMENSÕES – por Duarte Klut
Desde pequeno sonhara ser engenheiro, projectar/realizar impossíveis…
Entre muitos intuitos germinou-se-lhe no cérebro uma ideia espectacular:
erigir uma escada que subia…descendo!
Sim.
Era original.
Mas muitos mais esquiços enxameavam-lhe o pensamento.
Tal como Da Vinci, iria levar a cabo as mais impensadas construções.
Como principal ferramenta tinha a impressora 3D que lhe permitia visionar globalmente o todo de tudo…
Mas de repente foi aflorado por uma dúvida terrível:
E se o tudo fosse o nada?
Que iria ele erigir?
Entre o tudo e o nada algo teria de existir, para que ambos pudessem ser definidos como tal.
Durante anos pensou,
pensou e:
nada!
Todavia era bastante resiliente. Continuar a ler “OUTRAS DIMENSÕES – por Duarte Klut”
UM CONTO de Federico Rivero Scarani
LA VERDADERA HISTORIA DE JAMES COOK Y DEL POLEN DE VENUS, por George Vancouver (1757-1798, compañero de Cook)
I
Contaré una historia que no está registrada en la Enciclopedia Británica: hacia finales del siglo XVIII de Nuestro Señor Jesucristo, Australia había sido visitada por los ingleses; el continente inspiró a Swift para sus viajes de Gulliver donde Liliput aparece como una landa diminuta después del naufragio. Gracias a la cartografía realizada por el navegante portugués Vasco Da Gama, los británicos pudieron adentrarse en los remotos mares aun desconocidos. Continuar a ler “UM CONTO de Federico Rivero Scarani”
O TERRAPLANISTA – por Francisco Fuchs
Até aquele dia, Emanuel jamais questionara o que seu professor lhe ensinava. Ao contrário de alguns de seus colegas, que com o passar dos anos aprenderam a temperar as lições recebidas em sala de aula com um grão de sal, ele sempre se deu por satisfeito com todas as explicações. Emanuel era inteligente o bastante para saber que sua inteligência não era privilegiada e, por isso mesmo, esforçava-se o quanto podia para assimilar o conteúdo das aulas. Ele não enxergava a si mesmo, no entanto, como um conformista; apenas não via razão para questionar verdades há muito estabelecidas. Se o verdadeiro não se torna falso, nem o falso se torna verdadeiro, por que perder tempo com vãs especulações? Assim, se era por aderir à verdade que o chamavam, por vezes, de conformista, e se a zombaria de que era alvo soava aos seus ouvidos como um elogio ao invés de uma ofensa, o que mais poderia fazer senão conformar-se? Continuar a ler “O TERRAPLANISTA – por Francisco Fuchs”
O NARRADOR NUM DOURADO DOMINGO DE OUTONO – por Luis Bento
A vida transformara-se numa obsessão entre paixões e dor a correr no sangue, rio de cicatrizes com a felicidade a desvanecer-se de noite, no lento ronronar do frigorífico estafado pelos vinte anos de uso permanente, a lâmpada interior a tremelicar por mau contacto, a que era preciso dar umas cacetadas, com bolor entranhado nos cantos e meia cebola cortada, colocada no compartimento dos ovos para absorver os maus odores. Tirava uma ou duas fatias de presunto da embalagem de plástico e comia como um bruto, um metro e oitenta de vontade, um monólito que gostaria de criar um narrador para a sua vida. Sempre achara piada aos narradores que sabiam tudo o que ia dentro da cabeça das personagens desamparadas numa espécie de redenção, das alegrias à infelicidade com hipocrisia e compaixão à mistura, alguém que falasse por si, desenvolvesse os episódios e as cenas e lhe desse alguma unidade interna. Continuar a ler “O NARRADOR NUM DOURADO DOMINGO DE OUTONO – por Luis Bento”
CONTOS MÍSTICOS de Moisés Cárdenas
EN ALGÚN PERGAMINO
Siempre sentí curiosidad por Las Santas Escrituras y de saber sobre las profecías, los cumplimientos históricos, el conocer sobre la vida de los profetas, aprender la etimología de las palabras, sus significados ocultos, los números y las señales. Desde niño, mis padres me leían pasajes de La Biblia y me mostraban el vasto universo en noches brillantes de estrellas.
Cierto día, asistí a un encuentro bíblico que se celebraba en un amplio salón de una casa antigua. En el centro colgaba una lámpara grande con bellos cristales y faroles de diversos contornos, que encendida, emitía mágicas luces de colores. Continuar a ler “CONTOS MÍSTICOS de Moisés Cárdenas”
MARIA SALVADORA – Joaquim Maria Botelho
Desceu do Thalys, o trem de alta velocidade, na estação de Amsterdam. Pensava ainda no letreiro eletrônico que indicava 399 quilômetros por hora, um assombro para quem nunca havia ultrapassado 120. Saiu para a rua e deu de cara com um imenso estacionamento de bicicletas, ao lado da ferrovia. Milhares, estacionadas numa confusão de rodas e guidões, uma aparente visão do caos urbano amontoado. Tentou imaginar a lógica dos ciclistas na identificação da própria bicicleta, na hora de voltar para casa. Ao lado, o braço de mar sobre o qual se estendia a pequena ponte que conduzia ao centro da cidade, com suas flores, canais e complacências. Continuar a ler “MARIA SALVADORA – Joaquim Maria Botelho”
EXCERTO DE “Barata, minha barata” – de Alberte Momán Noval
Ninfa
Parte I
«A luz não é mais do que um remorso. Construíramos um mausoléu imaterial para os nossos mártires sobre uma ideia que nunca foi.» A barata jantava os restos de um animal morto em concorrência com outras, um número indeterminado que chegava com atraso ao festim. Continuar a ler “EXCERTO DE “Barata, minha barata” – de Alberte Momán Noval”
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