O QUARTO – por Cassiano Russo

                                                                                                          Foto byTima Miroshnishenco

Uma fumaça com cheiro de enxofre começava a sair do quarto do subsolo daquela velha pensão situada na Vila Mariana. Lá dentro estava um homem a registar seu diário. Os transeuntes que passavam por perto do imóvel, assustados, decidiram chamar os bombeiros.

– A casa está pegando fogo!

– E do lado fica uma distribuidora de gás! – gritou um dos expectadores.

Quando o caminhão dos bombeiros chegou, um dos agentes entrou no quartinho e, para sua surpresa, viu um homem que, embora estivesse em chamas, continuava sentado a escrever. Ele simplesmente ignorava o incêndio.

– Estou pensando, senhor bombeiro. É por isso que tudo neste recinto está ardendo – disse o misterioso homem em autocombustão.

– Você precisa sair daqui agora! – gritou o bombeiro.

– Escute bem. Você sabe quem eu sou? Sou o diabo e me encontro neste estado há muito tempo. Ninguém pode me livrar da minha maldição!

– Mas você está queimando! – tentou advertir o bombeiro em vão.

– Ah, isso é normal. Já espalhei minhas chamas pelo mundo. Dostoiévski, Camus e Beckett são alguns dos queimados – e o homem soltou uma gargalhada satânica.

Vendo que não havia jeito de tirar o extravagante morador do cômodo daquela velha casa, os bombeiros decidiram soltar um jato d’água por fora mesmo, em direção à janela do quartinho, mas as chamas só aumentavam à medida que a água se espalhava.

– Isso não é coisa deste mundo! – gritou um observador.

Foi então que a dona da pensão disse ao bombeiro que há anos ninguém habitava aquele cômodo.

– E como a senhora explica que agora há pouco havia um homem, livros e papéis aqui?

– Não há nada nem ninguém aqui, senhor bombeiro.

O quarto estava completamente vazio quando ela abriu a porta.

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Cassiano Russo (Cassiano Clemente Russo do Amaral) é graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista – Unesp – câmpus de Marília, Estado de São Paulo, Brasil. Inspirado por Dostoiévski, Kafka, Beckett, Camus e Cioran, as suas crónicas constam no jornal local da sua cidade e escreve também para a várias revistas digitais.