
O ATEU TEIMOSO
Oswaldo era tão hiperbolicamente ateu que, além de não crer em Deus Pai, não acreditava em deuses nenhuns, fossem eles mães, entidades, pedras ou animais. Ao deparar-se com um lugar de culto, atravessava a rua; e ao dar uma esmola, coisa que acontecia com certa frequência, fazia questão de deixar claro que Ele nada tinha a ver com aquele pequeno gesto de generosidade.
A turba tende a imaginar os ateus como demônios prestes a saltar à garganta de outrem, mas a verdade é que poucos homens foram tão bons quanto Oswaldo. Sua disposição benfazeja não era, no entanto, fruto do temor de castigos eternos, mas advinha meramente de seus bons sentimentos. Oswaldo nunca desejou fazer o bem e, acima de tudo, jamais fingiu fazer o bem, como esses falsos salvadores da humanidade que deixam por onde passam um rastro de calamidades. Sua bondade não era moral, era fisiológica. Embora fosse turrão, mormente em assuntos religiosos, era um homem alegre e, por isso, não sabia espalhar à sua volta senão louvor e contentamento.
Certo dia, num acidente bobo, Oswaldo morreu e um anjo o cobriu com suas asas.
— Onde estou?
— Estou levando-o para o Céu, onde você irá conhecer Deus, respondeu o anjo.
— Deus não existe!
— Aposto que você tampouco acreditava em anjos.
— Não acreditava e continuo não acreditando. Além do mais, eu nem poderia estar indo para o que você chama de Céu, já que sou ateu.
— Nada a ver. Você deve ter ouvido o Papa…
— Não.
— Não sabe o que disse o Papa Francisco?
— Não quero conhecer Deus.
— Mas por que diabos você não haveria de querer conhecer Deus?
— Porque não. Tenho minhas razões. Leve-me para outro lugar.
— Mas você foi um dos escolhidos.
— Escolham outro.
— Não quer mesmo?
— Não.
— Então vá pro inferno.
♦♦♦
Francisco Traverso Fuchs é o fundador da Igreja da Graça da Criação, cuja doutrina prega que os homens, em vez de chutarem a bunda uns dos outros, devem reconquistar sua semelhança com o élan criador fazendo de suas vidas uma invenção permanente.
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