1º DE MAIO – por Fernando Martinho Guimarães

A história é conhecida. No ano de 1886 os trabalhadores de Chicago revoltam-se contra as condições de trabalho a que estavam sujeitos. Reivindicam 8 horas de trabalho diário e melhores condições laborais, principalmente ao nível da segurança.

As manifestações e a greve geral que se sucedeu foram severamente reprimidas. Mortes, detenções, muito jogo sujo por parte das autoridades e respostas, algumas delas também não muito limpas, por partes de grupos de trabalhadores, organizados ou nem tanto.

Foi preciso esperar pelo ano de 1919 para se ver instituído na lei, e apenas em alguns países (França, Rússia, Portugal), a jornada de 8 horas. A acompanhar a lei, instituiu-se o 1º de Maio como feriado nacional comemorativo do dia do trabalhador. Em Portugal, o dia do trabalhador apenas começou a ser celebrado de forma livre e com feriado nacional após o 25 de Abril de 1974.

É com toda a propriedade que se pode dizer que a história do trabalho, e do reconhecimento da dignidade do trabalhador, se fez – e continua fazendo -, com suor, sangue e lágrimas.

É que, no que diz respeito ao trabalho, encontramos dois aspectos em conflito permanente. Por um lado, há uma desqualificação do trabalho como tarefa de escravo, ou como castigo, na tradição judaico-cristã. Não é sem razão que na origem da palavra trabalho está o termo latino tripalium, que designa um instrumento de tortura, que provoca dor e sofrimento. Por outro lado, temos a concepção do trabalho, como processo pelo qual o homem se torna, efectivamente, humano. Esta concepção, que os filósofos consagraram e da qual Karl Marx saberia tirar todas as consequências, vê no trabalho não apenas a satisfação das necessidades individuais e imediatas, mas antes a expressão maior da consciência pessoal e social do homem.

O reconhecimento do trabalho como processo pelo qual o homem transforma o mundo, traz consigo a exigência do reconhecimento do trabalhador como principal artífice dessa transformação. E, no entanto, não é isso que acontece.

Antero de Quental, na qualidade de organizador da secção portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores, publicou em 1871 um opúsculo panfletário intitulado «O que é a Internacional?»

Nele, o poeta das Odes Modernas pergunta porque é que vivem na miséria, na ignorância, na abjecção, aqueles de cujas mãos saem as condições primárias do progresso e da ilustração, todo o trabalho, toda a produção, toda a riqueza. Descontando o tom, inevitavelmente datado, não haverá, nos dias de hoje, boas razões para insistirmos na pergunta feita por Antero de Quental?

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Fernando Martinho Guimarães (1960) Nascido transmontano (Alijó, Vila Real),  foi na cidade do Porto que viveu até aos princípios dos anos 80. De formação filosófica e literária, a sua produção ensaística e poética reflecte essa duplicidade. Publicou em 1996 A Invenção da Morte (ensaio), em 2000 56 Poemas, em 2003 Ilhas Suspensas (edição bilingue, castelhano/português), em 2005 Apenas um Tédio que a doer não chega e em 2008 Crónicas.