SERÁ A CHINA O MAIOR POLUIDOR DO MUNDO? por Ricardo Amorim Pereira

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Será mesmo a China o maior poluidor do mundo?

No presente artigo, submetido a esta prestigiada Revista, proponho-me introduzir uma distinção analítica frequentemente negligenciada nos debates acerca do aquecimento global de origem antropogénica: a diferença entre o indicador de emissões totais de gases com efeito de estufa (GEE) e o indicador de emissões per capita, ambos aplicados à avaliação do contributo climático de diferentes países. Esta distinção, de natureza metodológica e normativa, visa contribuir para uma apreciação mais rigorosa e equitativa da responsabilidade climática, com especial incidência no caso da República Popular da China.

A retórica amplamente difundida de que a China constitui o maior emissor mundial de GEE — ainda que empiricamente sustentada em termos absolutos — revela-se, do ponto de vista analítico, insuficiente e potencialmente enviesada. Tal conclusão desconsidera um elemento fundamental da equação: a dimensão populacional. A análise exclusivamente ancorada em volumes agregados de emissões carece de sensibilidade à escala demográfica e, por conseguinte, à intensidade média de emissão por indivíduo, fator este com implicações significativas na formulação de juízos éticos e políticos sobre justiça climática.

O indicador de emissões per capita, por sua vez, permite uma aferição mais refinada do impacto ambiental relativo de cada sociedade e constitui uma métrica indispensável para a construção de uma arquitetura global de responsabilidades diferenciadas, em conformidade com o princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respetivas capacidades”, consagrado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC).

Ignorar esta métrica compromete não apenas a precisão da análise empírica, mas também a legitimidade das propostas de mitigação que daí decorrem. É neste quadro teórico e normativo que se inscreve a presente reflexão, cuja finalidade passa por promover uma reorientação do discurso climático global, deslocando o foco do quantitativo absoluto para uma lógica proporcional e equitativa, mais condizente com os imperativos de justiça distributiva e eficácia ambiental.

De acordo com os dados mais recentes, a República Popular da China posiciona-se, de facto, como o maior emissor mundial de gases com efeito de estufa em termos absolutos. No entanto, para que esta informação adquira significado analítico e normativo, é imperativo contextualizá-la à luz da dimensão demográfica do país. Com uma população superior a 1,4 mil milhões de habitantes — aproximadamente quatro vezes superior à dos Estados Unidos da América e mais de dez vezes à da União Europeia (UE) —, a China apresenta uma estrutura populacional que, inevitavelmente, distorce qualquer análise baseada exclusivamente em agregados totais.

Neste sentido, a métrica de emissões per capita assume um papel central. Quando se calcula a média anual de emissões de dióxido de carbono (CO₂) por habitante, verifica-se que o nível observado na China se encontra significativamente abaixo do constatado nos Estados Unidos. Enquanto os EUA apresentam uma média superior a 16 toneladas de CO₂ per capita por ano, a China regista cerca de 8 toneladas — um valor que, embora não desprezível, representa apenas metade do valor norte-americano. Por contraste, a União Europeia, fruto de um processo de descarbonização mais avançado e de uma matriz energética menos intensiva em carbono, apresenta uma média per capita em torno de 6 toneladas por habitante.

Esta desagregação estatística permite uma leitura mais calibrada da contribuição relativa de cada país para o aquecimento global, revelando que a aparente desproporcionalidade das emissões chinesas se atenua significativamente, quando ponderada pela escala populacional.

Além disso, importa destacar que a China tem vindo a investir fortemente em tecnologias de transição energética, liderando, em termos absolutos, os investimentos globais em energias renováveis, nomeadamente solar e eólica, bem como no desenvolvimento de infraestruturas para transporte eletrificado e produção de hidrogénio verde. Tais esforços, embora ainda insuficientes para compensar inteiramente o crescimento da procura energética interna — impulsionado por um processo contínuo de industrialização e urbanização —, constituem evidência de um compromisso progressivo com a mitigação climática.

De acordo com os dados mais recentes (2023), o ranking mundial das emissões per capita altera substancialmente a hierarquia tradicional. Pequenos Estados com economias baseadas na exploração de combustíveis fósseis apresentam os valores mais elevados do mundo: Qatar com cerca de 35 toneladas de CO₂ per capita/ano; Emirados Árabes Unidos com aproximadamente 20 toneladas; Kuwait com cerca de 23 toneladas. Entre os países mais industrializados, os níveis continuam elevados: Estados Unidos da América, com cerca de 15 a 16 toneladas de CO₂ per capita/ano; Austrália, com aproximadamente 15 toneladas; Canadá, entre 14 e 15 toneladas.

Por comparação, a China regista aproximadamente 8 toneladas de CO₂ per capita/ano; a União Europeia (média dos 27 Estados-Membros) cerca de 6 a 7 toneladas e a Índia, com uma população comparável à da China, regista apenas cerca de 2 toneladas per capita, evidenciando um perfil ainda muito distante dos padrões de consumo energético dos países industrializados.

Concluindo, afirmar que a China é o ´maior poluidor do mundo`, sem qualquer qualificação adicional, é uma simplificação tecnicamente imprecisa e politicamente redutora. A adoção de indicadores proporcionais, como as emissões per capita, mostra ser a única forma de se fundamentarem políticas climáticas mais equitativas e coerentes com a complexidade dos desafios globais.

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Ricardo Amorim Pereira, doutorando em Ciência Política