Entrevista imaginária de idalina Correia Silva a
Albert Camus
Em jeito de comemoração dos 111 anos do seu nascimento
(1913-1960)
Considera-se um artista e não um filósofo. Porquê?
A. Camus – “Eu penso de acordo com as palavras e não com as ideias” e, por outro lado, considero que “um romance é sempre uma filosofia feita por imagens”. Mesmo o “Mito de Sísifo” que é, efetivamente, um ensaio sobre o absurdo da nossa existência não traduz um corpo teórico sólido nem corresponde a uma categoria metafísica. Esta série sobre o absurdo (juntamente com “Calígula” e “o Mal Entendido”) resulta do facto de ser essa a minha preocupação antes da Guerra: o absurdo. E diria mais “nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico” Enquanto, “o sentimento do absurdo pode esbofetear qualquer homem à esquina de qualquer rua”.
Considera-se um existencialista?
A. Camus – “Não, não sou um existencialista. Sartre e eu ficámos surpreendidos de ver os nossos nomes ligados. Pensámos até um publicar uma pequena declaração em que afirmávamos não termos nada a ver um com o outro e em que recusávamos ser responsáveis pelas dividas um do outro. Na verdade, isso é uma piada. Sartre e eu publicámos todos os nossos livros antes de nos conhecermos. O nosso encontro serviu para vermos o quanto somos diferentes. Sartre é um existencialista e o único livro de ensaio que escreve -“O Mito de Sísifo” – foi escrito diretamente contra os chamados filósofos existencialistas.”*
Como justifica essa repulsa tão grande que o levou a escrever contra os existencialistas?
A.Camus -Não se trata de sentir repulsa pelo existencialismo embora até devesse sentir… mas de considerar que a posição existencialista é em si mesma filosoficamente suicida. Todos os filósofos existencialistas sem exceção propõe uma evasão. Conseguem o feito de avistar qualquer coisa pela qual vale a pena esperar por dentro daquilo que os esmaga e reprime.
Está a referir-se à grande narrativa salvífica da História?
A. Camus – A miséria impediu-me de acreditar que tudo está bem sob o sol e na História; o sol ensinou-me que a História não é tudo.
Então, qual é o problema essencial a que temos de responder quando questionados sobre o sentido da vida? Não havendo evasão, nem salvação na História…
A. Camus – “Em todos os problemas essenciais (e por tal entendo os que podem fazer morrer e os que decuplicam a paixão de viver) só há provavelmente dois métodos de pensamento, o de La Palisse e o de D. Quixote. É o equilíbrio da evidência e do lirismo o único que nos faculta ao mesmo tempo o acesso à emoção e à clareza”.
As suas posições não são existencialistas, podemos dizer que são absurdistas, então?
A.Camus – A palavra “absurdo” tem uma história pouco feliz e confesso que agora até me aborrece. Quando analisei o sentimento do absurdo no “Mito de Sísifo” estava à procura de um método e não de uma doutrina. Estava a praticar a dúvida metódica. Tentei fazer tábua rasa de tudo, de forma a tornar possível construir alguma coisa. Se assumirmos que nada tem sentido, então, temos de concluir que o mundo é absurdo. Mas é verdade que nada tenha sentido? Nunca acreditei que pudéssemos chegar a esse ponto.**
No entanto, a mensagem central de “O Mito de Sísifo” é a de que para julgar se a vida vale a pena ou não ser vivida temos de nos despir do conforto e na ausência dessas doces ilusões constarmos a radical falta de sentido da vida e do mundo.
A.Camus – O Homem procura desesperadamente sentido e clareza à sua volta e, para isso, necessariamente, tem de confrontar um universo que é irracional e sem sentido, que é absurdo. E, por isso, é que não sou um filósofo nem sequer um signatário do existencialismo, quero poder ser contraditório e paradoxal. Na verdade, até defendo, ao contrário do que se tratava no “Mito de Sísifo”, de que a vida é tão melhor quanto menos sentido tiver. Já não me parece que é importante determinar se merece ou não ser vivida. ***
Não lhe parece irónico que aquilo que estabeleceu como base para o suicídio – a consciência de que a vida não tem sentido – possa ser ao mesmo tempo a base para uma vida vivida ao máximo e com toda a intensidade?
A. Camus – “O Mito de Sísifo” é inteiramente irónico nesse sentido. É constatável que “muitos morreram por acharem que a vida não merece ser vivida e outros tantos morrem por ideias ou por princípios que lhes dão razão de viver”.
- Por que razão considera que as obras, “A Peste”, “O Homem Revoltado” e também os editoriais coletados em “Nem Vítimas, Nem Carrascos” correspondem ao seu período positivo, ao seu período de revolta? A Guerra e os ajustes de contas posteriores que implicaram condenar à morte os ditos colaboracionistas foram o ponto de rutura?
A. Camus – Um Homem revoltado é um homem que diz não, ora este não, na época de conflito não pode continuar a ser uma recusa metafísica, mas real e histórica. O Homem diz que não sobretudo ao desejo de ser Deus. E deuses, julgam-se, neste momento, os defensores das ideologias que parecem dispostos a sacrificar a Humanidade pela perpetuação dos seus modelos de ideais.
- Foi essa recusa de cumplicidade com as ideologias que provocou a crítica acérrima que recebeu das vozes do “Les Temps Modernes” que afirmaram que A. Camus nem se situa à direita, mas que paira no ar. Ou de Sartre que afirmou que a sua personalidade real e viva se foi perdendo e que em 1952 pertencia já ao passado, que o acusou de pensar de forma arcaica?
A. Camus – A revolta podemos defini-la como a recusa total de permitir a perda de vidas humanas e de persistir em entender a morte como um escândalo. Nesta medida, os personagens das minhas obras acerca do absurdo, nomeadamente Sísifo, vejo-as agora como aqueles que lutam pela defesa de vidas concretas e pela recusa de participar nas sentenças de morte e nos obituários construídos pelos movimentos políticos e pelas instituições em nome das pessoas. Bom, podemos por as coisas desta maneira: “Eu não admiro qualquer verdade que me coloque na obrigação de direta ou indiretamente participar na condenação de um homem à morte”
- Pretendia agora fazer-lhe um conjunto de perguntas muito curtas para as quais pedia que me desses respostas igualmente breves e de forma quase automática. Aceita este desafio?
A. Camus – Sim, avance.
- Defina morte
A. Camus – Morte é confissão.
- Quem é Sísifo?
A. Camus – Sísifo é o herói absurdo.
- O que significa ser-se um estrangeiro?
A. Camus – É não conseguir escapar à lucidez implacável que transforma tudo em absurdo.
- Qual o papel das doutrinas?
A. Camus – “É encobrir a falta de caráter. Só quem não tem caráter é que se desmultiplica em silogismos ideológicos.”
- O que são crimes lógicos?
A. Camus – “São os crimes cometidos ao abrigo das doutrinas” e que são usados para transformar simples criminosos em juízes.
- O que é a revolta?
A. Camus – Revolta é o cogito, a primeira evidência. Revolto-me, logo existo.
À bientôt! Je vous remercie bien pour cette conversation.
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* From as interview with Jeanine Despech, in Les Nouvelles Littéraires (1945) Cited in Albert Camus Lyrical anda Critical Essays, Vintage (1970).
** From an interview with Gabriel D’Aubarède, in Les Nouvelles Litérraires (1951). Cited in Albert Camus Lyrical and Critical Essays (1970).
*** Essais, pag 138
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Idalina Correia da Silva e Maria Correia são a mesma pessoa. Ambas trabalham em estreita colaboração, a primeira escreve, a outra fotografa e desenha. Idalina Correia da Silva é Mestre em Filosofia pela Universidade do Minho. Sempre que pode ensina Filosofia nas escolas secundárias aqui e ali. Quando não pode, é copywriter publicitária e consultora de comunicação.
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