A MULHER AVARIADA – por Idalina Correia da Silva


© Maria Correia

Começou por lhe cair o chapéu,
Depois o botão do casaco marron,
Mas logo ficou órfã de pai, mãe, irmão e um punhado de namorados
Emagreceu bastante só até acabar por engordar muito
Perdeu paixões, missas, comícios e ficou sentada à espera do fim do mundo
Como um marco miliar à beira do asfalto, só a fumar.

Estilhaçou tudo o que construiu
Até o disco hernial L5-S1
Mas logo se despediu do rumo que era um homem de carne e osso
Culpou infamemente a literatura, os jornais e o cinema
Abandonou ideias, encantamentos, histórias e ficou sentada à espera do seu fim.

Como o pó de uma corrida todo-o-terreno, só a beber cerveja. Continuar a ler “A MULHER AVARIADA – por Idalina Correia da Silva”

UMA FOTOGRAFIA VISTA À LU(P)A – por Idalina Correia da Silva

 

Uma fotografia vista à Lu(p)a

© Maria Correia

Entre ficar a olhar para anteontem e fazer uma expedição à Lua há curiosas semelhanças. O facto de me acontecer viver a primeira com a mesma frequência com que desejo a segunda não é mera coincidência. Sempre que revivo mentalmente os lugares por onde passei, tenha sido ontem ou anteontem, sinto-me uma espécie de lunática de trazer por casa. Ver ou rever coisas, lugares, pessoas não é mais do que apontar uma lanterna fosca desde o quarto minguante da Lua.
Só sombra, só floresta densa a irromper pelos muros colossais, pessoas de pedra e animais de vento, noites em fuga pela estrada que se mata pelas matas adentro. Aldeias que ficaram de raízes soltas ou avulsas ou sem raízes a orbitar remotamente sem gravidade nenhuma e a respirar para dentro de si mesmas como quem mergulha na costa do tempo. Carcaças de casas sem gente expedidas anteontem para a lua e, por acidente. O filme negro e a luz um cometa, a história uma dúvida, qualquer presença eternamente distante e a vida inteira pouco mais do uma aldeia vista a montante.

© Maria Correia

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Idalina Correia da Silva e Maria Correia são a mesma pessoa. Ambas trabalham em estreita colaboração, a primeira escreve, a outra fotografa e desenha.
Idalina Correia da Silva é Mestre em Filosofia pela Universidade do Minho. Sempre que pode ensina Filosofia nas escolas secundárias aqui e ali. Quando não pode, é copywriter publicitária e consultora de comunicação.

ENTREVISTA IMAGINÁRIA A ALBERT CAMUS – por Idalina Correia da Silva

 

A. Camus

Entrevista imaginária de idalina Correia Silva a

Albert Camus

Em jeito de comemoração dos 111 anos do seu nascimento

(1913-1960)

 Considera-se um artista e não um filósofo.                 Porquê?

A. Camus – “Eu penso de acordo com as palavras e não com as ideias” e, por outro lado, considero que “um romance é sempre uma filosofia feita por imagens”. Mesmo o “Mito de Sísifo” que é, efetivamente, um ensaio sobre o absurdo da nossa existência não traduz um corpo teórico sólido nem corresponde a uma categoria metafísica. Esta série sobre o absurdo (juntamente com “Calígula” e “o Mal Entendido”) resulta do facto de ser essa a minha preocupação antes da Guerra: o absurdo. E diria mais “nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico” Enquanto, “o sentimento do absurdo pode esbofetear qualquer homem à esquina de qualquer rua”. Continuar a ler “ENTREVISTA IMAGINÁRIA A ALBERT CAMUS – por Idalina Correia da Silva”