A MULHER AVARIADA – por Idalina Correia da Silva


© Maria Correia

Começou por lhe cair o chapéu,
Depois o botão do casaco marron,
Mas logo ficou órfã de pai, mãe, irmão e um punhado de namorados
Emagreceu bastante só até acabar por engordar muito
Perdeu paixões, missas, comícios e ficou sentada à espera do fim do mundo
Como um marco miliar à beira do asfalto, só a fumar.

Estilhaçou tudo o que construiu
Até o disco hernial L5-S1
Mas logo se despediu do rumo que era um homem de carne e osso
Culpou infamemente a literatura, os jornais e o cinema
Abandonou ideias, encantamentos, histórias e ficou sentada à espera do seu fim.

Como o pó de uma corrida todo-o-terreno, só a beber cerveja.

Avariou como uma máquina de lavar pratos antes dos dias acabarem no quartel do tempo mesmo e muito  antes de perder os outros, amigos e inimigos, conhecidos e assim-assim, despistou-se num acidente em que seria preponderante salvar a alma se a tivesse.

A mulher avariada dorme. Não faz nada, está na memória e na prateleira das bonecas velhas da criança, entretanto adulta, à espera de conserto de um mecânico espírita.

Imagem produzida para este texto, por inteligência artificial

♦♦♦

Idalina Correia da Silva e Maria Correia são a mesma pessoa. Ambas trabalham em estreita colaboração, a primeira escreve, a outra fotografa e desenha.
Idalina Correia da Silva é Mestre em Filosofia pela Universidade do Minho. Sempre que pode ensina Filosofia nas escolas secundárias aqui e ali. Quando não pode, é copywriter publicitária e consultora de comunicação.