Na viragem do séc. XIX, o grande polímato francês Henri Poincaré inventou a topologia algébrica. Este ramo da matemática adiciona aos, à época estabelecidos, conceitos de compacidade, conexidade e separabilidade da topologia geral os de homotopia e homologia, matéria que apresentou no seu livro de 1895 “Analysis Situs” [1] que se pode traduzir como análise do sítio, do lugar, condizente com a etimologia grega da palavra topologia, λόγος τόπος, estudo do lugar.
São os estudos realizados neste ramo da matemática que permitem conhecer características únicas da forma de um objeto e que, por exemplo, nos demonstram que uma esfera é um objeto essencialmente distinto de um toro (um donut) e ambos de um pretzel (um doce de origem alemã com a forma aproximada de um 8).
São também da topologia as ferramentas que permitem conhecer características de “espaços” em forma de rede, como a de estradas que ligam aldeias, vilas e cidades do mundo, e também das propriedades das redes de relacionamento, as tão modernas e em voga redes sociais.
É ainda da topologia a capacidade absolutamente libertadora de abstração dimensional, a qual permite conceptualizar objetos de 4, 5, 29 ou quantas dimensões se queiram. Sem os conceitos da topologia estaríamos condenados a ser uma formiga que caminha sobre a superfície de uma esfera (um objeto tridimensional) ao qual não pode senão ser alheia e para quem o mundo é apenas um plano (um objeto bidimensional).
Em talvez poucos períodos como o deste trimestre, o conhecimento do lugar onde vivemos confinados, as redes de relações que nos vimos obrigados a interromper, os horizontes repentinamente cerrados, em suma, a compacidade, ligação e separabilidade que Poincaré ajudou a cimentar há 120 anos, estiveram tão no centro da nossa atenção e no cerne da nossa vida.
Se a topologia ajuda a conhecer e a melhor caracterizar, não apenas o que existe e se vê, mas também a conceber o que, por deficiência fundamental, estamos impossibilitados de representar, como um cubo de 4 dimensões ou um pretzel hepta-dimensional, a arte, só a arte, consegue esse portento de nos fazer levantar os olhos de formiga, furar confinamentos, ultrapassar barreiras tantas vezes auto-impostas e tomar contacto com uma superior dimensão da nossa existência.
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DAVID PAIVA FERNANDES
[1] http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k4337198/f7.image
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