EDITORIAL – A ARTE DA RESISTÊNCIA – por Jonuel Gonçalves

 

Fotografia de Paulo Burnay

 

Hipótese de trabalho sobre a guerra na Ucrânia *

O conflito armado na Ucrânia é um daqueles que tem várias datas de começo e não se sabe quando será a data de encerramento. Para o mundo, começou há um ano com a invasão russa, mas para os ucranianos vem pelo menos de 2014 com mudanças de poder em Kiev que desagradaram ao vizinho e às forças internas defensoras de relações especiais com ele. Continuar a ler “EDITORIAL – A ARTE DA RESISTÊNCIA – por Jonuel Gonçalves”

ATENA – por Filomena Barata


Escrever é como fazer uma tapeçaria. Escolher um nome como Atena para uma revista é assumir também o valor a cada letra e com ela construir com palavras, com pontos e nós, uma narrativa.

Mas lá iremos, pois há que lhe contar um pouco a história da divindade.

Na Mitologia, são conhecidas as várias esposas e amantes de Zeus/Júpiter.

Entre elas, lembramos a primeira, Métis, cujo atributo era a prudência.  E recordaremos o nascimento insólito da primogénita Atena. Continuar a ler “ATENA – por Filomena Barata”

ANTÓNIO – Cassiano Russo

Às vezes acontecia de Antônio Moura ter bloqueios criativos. Olhava para o papel e não conseguia escrever uma única palavra. Ele se sentava em frente à máquina de escrever, pensava em vários acontecimentos, porém nenhum deles lhe parecia digno de ser registrado. Nessas horas, era como se Antônio não soubesse mais transpor para o texto a vida que ele tanto admirava, o que lhe deixava à deriva de seus pensamentos a vagar pelo mundo. Era outro nessas situações de crise. Não, ele não encontrava inspiração nos momentos em que mais precisava escrever. Tinha crônicas a entregar para três jornais, sabia do que pretendia tratar, mas quando era chegada a hora do trabalho da escrita, então ele não era mais do que uma criança que ainda não conhecia as primeiras letras. Ficava horas se contorcendo em cima de uma frase, que ele reescrevia e apagava, por não encontrar a fórmula perfeita, pois não sabia que não há perfeição nesta vida, muito menos na escrita, algo tão pessoal e único, com todas as imperfeições de cada autor em sua labuta com as letras. Não, Antônio almejava a perfeição, queria ser um deus na arte de escrever. Jamais aceitaria um texto feito de uma tacada só. Como escritor, ele buscava filigranas. Por isso passava um dia inteiro para terminar um parágrafo, que para ele estava sempre incompleto e que ia para a redação assim mesmo, porque precisava do emprego. Continuar a ler “ANTÓNIO – Cassiano Russo”

SPAGHETTI E SOMBRINHAS JAPONESAS – por Danyel Guerra

Lisboa, 1981- Glauber Rocha tendo ao fundo um cartaz de ‘Raging Bull’, de Martin Scorsese.

   

“Ida Lupino, John Cassavetes e Glauber Rocha foram uma influência  fundamental para a minha formação. Seu Cinema continua sendo  uma inspiração para mim, enquanto cinéfilo e cineasta”   

 Martin Scorsese

 

 Feliz aniversário, Glauber!   

 Num incerto dia de um outono dos anos 70, Juan Luis Buñuel passeava por Saint-Germain-des-Prés, quando, de súbito, alguém cutucou seu ombro. Ao se virar,  logo reconheceu o cidadão. Trazia um pacote nas mãos e intimou Juan a acompanhá-lo. “Ele parecia ansioso, aflito mesmo”. Em passo acelerado caminharam até à margem esquerda do Sena. Continuar a ler “SPAGHETTI E SOMBRINHAS JAPONESAS – por Danyel Guerra”

PETRARCA: AMANTE INFELIZ – por Eric Ponty

Laura e Francesco Petrarca

O idioma vernacular que ele usou ecoa em nossa linguagem própria, tanto literária como musical; e de sua personificação do amante infeliz como anti-herói se tornou um de nossos principais modelos. Petrarca foi um grande poeta lírico, mas também um psicólogo talentoso, cujas pesquisas sobre literatura das épocas e em sua própria psique o atraiu profundamente para as regiões onde a verdadeira culpabilidade e inocência são encontradas. Continuar a ler “PETRARCA: AMANTE INFELIZ – por Eric Ponty”

RECENSÃO DE “CALIFORNIAS PERDIDAS” – por Fernando Martinho Guimarães

Califórnias perdidas:
uma antologia de poesia açoriana

Californias perdidas é uma antologia de poetas e de poemas. O subtítulo diz-nos exatamente isso: Una muestra de poesía azoriana. De Antero de Quental a Emanuel Jorge Botelho. Nela se acolhem alguns dos poetas mais representativos do que, em cerca de século e meio, é exemplarmente configurável como exibição de uma identidade poético-literária e cultural – a assumida «açorianidade» a que Nemésio imprimiu cunho. Assim, para além dos nomes que constam do subtítulo, encontramos na presente antologia Roberto Mesquita, Vitorino Nemésio, Pedro da Silveira, Natália Correia, Eduíno de Jesus, Emanuel Félix, Martins Garcia, Álamo de Oliveira, J. H. Santos Barros e Urbano Bettencourt. Continuar a ler “RECENSÃO DE “CALIFORNIAS PERDIDAS” – por Fernando Martinho Guimarães”

UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (5) – por Lúcio Valium

COMPASSOS

Somos os dois irmã. Passos lentos nos dias roubados em terra de além Tejo.

Tapas ao cair do escaldante sol. Nas bandas do azul sorvem nossas narinas ávidas. Há vidas, logo embelezem-se. Os olhos com planícies sem fim. Queijo muito fino. Aterrar lentamente. Uma folha na brisa. Nada de utopias nem psicanálise. Esquecidos exames institucionais e ignoradas recomendações. Só apalpar o instante. Inspirar as manhãs e seguir de mansinho. Sem pressa. Em trilhos vazios. Onde árvores antigas repousam. Foram arrumadas ali pequenas casas. E histórias de dor. Que a pintura oficial vai apagando. Com suas escrituras vampiras. Olhamos e sentimos a vida. O que ali sangrou. Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (5) – por Lúcio Valium”

ESCREVER- por Manuel Igreja

Escrever é procurar as palavras que urgem para que se desenhe o que sente. É entrelaçar os fios de que a alma é feita na vida que se tece enquanto esta vai acontecendo em madrugadas surgidas para serem vividas. É pontear as costuras onde por vezes se rasga o viver. É deleitar e sofrer. É clarear, mas também pode ajudar a escurecer. Continuar a ler “ESCREVER- por Manuel Igreja”

TRADUÇÃO E LEITURA DE POEMA DE EUGÉNIO DE ANDRADE – por Maria Toscano

TRADUÇÃO E LEITURA DE POEMA

DE EUGÉNIO DE ANDRADE, 

POR MARIA TOSCANO

VER CLARO
.

Toda la poesía es luminosa,
hasta
la más oscura.
El lector es el que tiene a veces,
en lugar de sol, niebla dentro de sí.
Y la niebla nunca deja ver claro.
Si regresar
otra vez y otra vez
y otra vez
a esas sílabas alumbradas
quedará ciego de tanta claridad.
Alabado sea si allí llegar.
.
Eugénio de Andrade – Prémio Camões 2001.
In “Los surcos de la sed”. Ed. Fundação Eugénio de Andrade, 2001.
Versión al castellano: Maria Toscano, Figueira da Foz, Portugal. 13 enero / 2023.

♣♣♣

VER CLARO
.

Toda a poesia é luminosa,
até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.
.

Eugénio de Andrade – Prémio/Premio Camões 2001.
In “Os sulcos da sede”. Ed. Fundação Eugénio de Andrade, 2001.

 

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Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.

 

 

“Por Descartes” de Yasmín Navarrete – Recensão de Moises Cardenas

El pensamiento del poemario Por Descartes de Yasmín Navarrete

 René Descartes fue un héroe del pensamiento, porque sus palabras las llevó más allá del papel, no solo dejó sus escritos, sino que plasmó una frase que dejó en el pensamiento de sus seguidores, pero también de todas las almas terrenales, al moverlas con la siguiente frase: «Pienso, luego existo», palabras que quedaron para la historia, ya que el filósofo en un estado de contemplación las escribió en su mente para dejarla escritas. Dicen que las palabras se la llevan el viento, pero lo que refirió Descartes, sin duda tuerce al ser humano, quienes van y vienen como trashumantes, algunos piensan y otros no, porque viven en sus propias hecatombes. No obstante, Descartes usó este pensamiento para referirse a la duda como estado de búsqueda de la verdad. Además, el dudar era una forma de hallar las respuestas a sus pensamientos. Por lo tanto, surge la pregunta, ¿dudamos? Y esto me trae el recuerdo de un profesor de filosofía que tuve cuando estudiaba la maestría en Filosofía, quien en una ocasión se me acercó y con una mirada taciturna y voz parsimonia me preguntó:
—¿Usted duda?
Cuando me hizo esa interrógate quedé pensativo, por lo tanto, Descartes hizo mella en mí, en el profesor y en muchos otros más, entonces pasaron los años y seguí pensando en Descartes, hasta que me topo con un poemario maravilloso, filosofal, existencial y pensamiento como lo es el libro Por Descartes de Yasmín Navarrete, publicado por Editorial Signo. La poetisa se conmueve con el filósofo y refleja su pensamiento de una forma somera, pero también intuitiva porque ella explora la duda, incluso se apodera de su ser, para debatirse sobre sus pensamientos que inclinan en su corazón.
La poesía de Yasmín Navarrete va desde la duda hasta la preocupación por las cosas, donde el amor está en sus versos, preguntándose por ese sentimiento que viaja en los astros. En el poema «Estrella oscura» la poetisa dice: Continuar a ler ““Por Descartes” de Yasmín Navarrete – Recensão de Moises Cardenas”

A IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA CIRCULAR – por Ricardo Amorim Pereir

Tive já a oportunidade de, nesta Revista, comunicar sobre a importância da prática da reciclagem. Retomarei este tema. De uma forma crescente, as sociedades têm despertado para o facto de caminharmos por um trilho de insustentabilidade, no modo como exploramos os recursos naturais e poluímos o ambiente. É do senso comum que uma redução nos níveis de consumo contribui para o mitigar deste mal.  Este discurso anticonsumo, que não ouso contrariar, todavia, parece-me pecar por não conferir a devida atenção à vertente da chamada economia circular. Não me canso de referir que a apropriação do tema ambiental pelas correntes ideológicas das esquerdas extremadas, anticapitalistas, possivelmente, é parte do problema e não da solução. Entendamo-nos – a questão ambiental deveria estar acima de qualquer conflito ideológico. Trata-se de uma matéria de sobrevivência da espécie e de manutenção de qualidade de vida da mesma. Politizar o tema ambiental seria equivalente à politização de uma hipotética estratégia científica, desenhada com o fito de, no sentido de se evitar uma catástrofe global, se desviar um asteroide que se aproximasse do nosso planeta. Uma total falta de sentido, portanto. Continuar a ler “A IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA CIRCULAR – por Ricardo Amorim Pereir”

Poemas* de Rolando Revagliatti

 

*Poemas de Rolando Revagliatti de su libro ‘Obras completas en verso hasta acá’:

 

Es un chico: no entiende

1

Duerme
                    mujer enroscada: se quedó dormida:
mujer que se queda dormida.

2

Ellos piensan que mi problema es que soy un idiota
Se equivocan: mi problema es que no soy un idiota.

3

Cuando sea grande mi mamá me va a conseguir una novia.

4

Diana Dors
inmiscuye sus tetas de nácar
en mi sopa
¡yeeeeaah!… Diana. Continuar a ler “Poemas* de Rolando Revagliatti”

ADALARDUS – por Rosa Sampaio Torres

 

 Introdução

Em número anterior desta revista Athena havíamos publicado artigo dedicado ao mítico bispo Wilkarius, “o Espada Gloriosa”, que com outros três cavaleiros de muito prestígio apoiaram a descida do Imperador Carlos Magno para a Itália no século VIII, tendo em vista auxiliar o papado a enfrentar os lombardos. Nesta oportunidade havíamos sugerido a associação deste grupo de dignitários com os quatro cavaleiros lembrados pelo historiador Giovanni Cavalcanti no século XV, varões muito religiosos saídos das proximidades de Colônia, do magnífico Castelo de St. Gilles (1). Continuar a ler “ADALARDUS – por Rosa Sampaio Torres”

A CARAMELA – por Via Plaza

 

Escapei enquanto ele se descuidou e deixou o portão aberto, não sei nem como eu fiz para correr com todos os filhotes que carrego na barriga. O homem que me maltratava naquela casa repetia que enquanto eu parisse, ele iria matar os meus bebês porque eram lixo: “Que nem você, cadela feia”, dizia ele com um cinto na mão prontinho para me bater com raiva. Continuar a ler “A CARAMELA – por Via Plaza”

HOMENAGEM AO POETA NICOLA MADZIROV- por Viviane Santana Paulo

 

Nicola Madzirov, poeta, editor e tradutor. https://www.poetryfoundation.org/poets/nikola-madzirov

A liberdade do não-pertencimento na

poesia de Nikola Madzirov

Em uma bela tarde, com a silhueta do vulcão Mombacho acima dos telhados das casas, na famosa Calle La Calzada, em Granada, na Nicarágua, conheci o poeta macedônio Nikola Madzirov. Na ocasião do VIII Festival Internacional de Poesia, em 2012, alguns poetas e eu tomávamos cerveja, sentados a mesa na calçada. Falamos de poesia brasileira e de outras nacionalidades, sobre ser poeta e muitas risadas ecoaram pela estreita ruela. Nikola Madzirov nasceu em 1973, em Estrúmica (a maior cidade no leste da Macedônia do Norte, perto da fronteira com a Bulgária), proveniente de uma família de refugiados das Guerras dos Balcãs. Ele conta que aos 18 anos, o colapso da Iugoslávia provocou uma mudança em seu senso de identidade – como escritor, levando-o  a reinventar-se em um país que se via como novo, mas que ainda era alimentado por tradições históricas profundamente arraigadas. No ano seguinte, Madzirov participou do Festival Internacional de Berlim e me presenteou a tradução para o alemão da coletânea de poemas Pedra Deslocada (Versetzter Stein). Assim traduzi alguns de seus poemas (do alemão para o português), publicados no Jornal Rascunho, em 01/10/2012. A revista semanal alemã Der Spiegel comparou a qualidade da poesia de Madzirov à de Tomas Tranströmer. Seus poemas foram traduzidos para mais de quarenta idiomas. Ele recebeu vários prêmios nacionais e internacionais, é editor da edição macedônia da Antologia da Poesia Mundial: Séculos XX e XXI, e um dos coordenadores do site internacional de poesia Lyrikline, com sede em Berlim, além disso, é membro do júri do maior prêmio internacional para este gênero literário, o Prêmio Griffin de Poesia, do Canadá. Continuar a ler “HOMENAGEM AO POETA NICOLA MADZIROV- por Viviane Santana Paulo”

DOIS CONTOS FANTÁSTICOS SOBRE A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA – por Wander Lourenço

Chico Buarque e Caetano Veloso

I

O apoteótico e hipotético duelo entre Caetano Veloso e Chico Buarque de Hollanda

Dentre a produção musical brasileira, há de se destacar a excelência das letras trabalhadas por exímios artesãos do vocábulo que, em alguns casos, migraram da poesia de livro de modo a alavancar a MPB à categoria de World Music mais aclamada em todo território interplanetário, desde quando a canção “Coisinha do pai”, do sambista Jorge Aragão, estourou nas rádios marcianas nos fins do século passado. O que os extraterrestres não têm ideia, no entanto, é que entre os mestres do cancioneiro brasílico há inúmeras discordâncias sobre fatores mais diversos, que ora são veiculadas nos noticiários da Via Láctea; ora são silenciados pelas formadores de opinião pública. Continuar a ler “DOIS CONTOS FANTÁSTICOS SOBRE A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA – por Wander Lourenço”