A palavra viagem cria em mim o sonho qual Peter Pan em busca da Terra do Nunca.
Interiormente agita-se a ideia de organizar, de selecionar o importante de uma nação, lugares, próximos ou longínquos. O mapa, o atlas, livros informativos instalam-se na mesa de cabeceira em busca desse conhecimento de hábitos, tradições, gastronomia, língua; escritores ou artistas famosos. Enfim, proponho-me beber de todas as fontes, esbugalhar o olhar para ver para além do que todos os turistas vêm. Continuar a ler “VIAGEM – por Lionilda Pereira”
[ A Criatura — no caso, uma rapariga do género feminino, de orientação sexual hétero, e não praticando vampirismo nem nenhuma outra modalidade olímpica, pois nem frequentava o ginásio, nem tinha experiência de caminhadas, quanto mais de corrida… — vinha de perder seis dos seus namorados, o que, coexistindo com outra ocorrência, configurou uma situação trágica que A Criatura desabafou com A Amiga… ] Continuar a ler “HISTÓRIA TRÁGICA DA CRIATURA QUE(….) – por Maria Toscano”
O sertão é por um fio. Insetos, folhas, raízes e formigas em volta da terra. Tudo tão seco e ao mesmo tempo inteiriço. No sol escaldante, uma flor luta e sobrevive. Mesmo trincada, a vontade de vida insiste. Na cidade de Jenipapo, tudo é quebradiço, a moeda de troca circula nas lavouras de algodão. Plantam, colhem e se submetem aos três compradores. Não há banco na cidade. Roberto, um dos usineiros que começou como intermediário, disponibiliza o dinheiro e as sementes de baixa qualidade. O pagamento vem com as futuras safras do ouro branco. Um santo mártir, no momento de sua morte, certa vez falou: “Serei trigo nos dentes das feras”. Um pouco isso, o que acontece, as pessoas são trituradas e ainda agradecem, sorridentes. Elas vendem o fruto do seu trabalho praticamente de graça e esbanjando contentamento, como se a compra fosse um gesto altruísta. Continuar a ler “EXCERTO DE “JENIPAPO WESTERN” de Tito Leite”
Afuera del supermercado se estaba juntando gente. Al pasar la vi en el medio. Habíamos estado juntos en el mismo hospital la última vez que me internaron. Era obvio que la habían expulsado del Mall. Es que ella cree que tiene derechos, no la culpo, es lo normal en los ciudadanos de este país, tan distinto del que me tuve que venir por obligación. Me reconoció. Me hizo un además con la mano. El policía que hablaba con ella me pareció sólido, consistente, bajo su máscara. Una joven policía mantenía a la gente a distancia. “Es inadmisible” le dije “que los supermercados no tengan una política especial respecto a las personas con problemas emocionales o mentales, especialmente durante esta pandemia”. No me respondió, pero sus ojos inquisitivos y quizás recelosos revelaban todo un contenido tras ellos, un mundo interior. Una ventaja de la pandemia—desde un punto de vista estrictamente personal—es que el evitar la proximidad, el contacto con los demás, se ha convertido en una virtud. La otra es que lo único que vemos de una cara ahora son los ojos. Antes, nuestra atención se iba hacia otros aspectos fisonómicos, para detrimento de nuestra captación de lo esencial, los ojos. La expresión de los ojos revela lo que se llama un alma, que se manifiesta en múltiples facetas, como los estados de ánimo (Stimmung) tan caros al investigador y simple aficionado a la poesía lírica. Pero incluso el hambre del animal salvaje, la fidelidad del humilde can, el auto contentamiento del gato son otras características, no siempre positivas, que indican la existencia de necesidades, afectos, etc., que es lo que nos hace humanos o animales, según sea el caso, y que se muestran a través de ese órgano de la visión. Continuar a ler “EL MIEDO A LAS VACAS – por Jorge Etcheverry Arcaya”
Acabada a escola primária, com passagem no exame da quarta classe com distinção, havia que sair da aldeia para continuação dos estudos. Não era para todos, aliás era a exceção, mas uns tios residentes no Porto abriram-lhe as portas e acolheram-no como a um filho. Evitou assim a ida para o seminário, ou o continuar nos árduos trabalhos da lavoura.Continuar a ler “VINHO FINO PARA OS REIS MAGOS – por Manuel Igreja Cardoso”
DIGO-VOS QUEDE NADA ADIANTOU ajuizá-lo sobre a preocupação que me ocorrera diante da temeridade de se denunciar a figura mais respeitável da Corte de São Sebastião do Rio de Janeiro, pois que, entre o juramento de inocência de uma reles ciganita Juana, mal parida por uma marafona de alcoice, a desaparecida Maria Egípcia, mais validade houvera de ter a acusação de adultério descabida, forjada pela maledicente Dona Carlota Joaquina. Logo, humilhada pela acusação de deslealdade conjugal, o senhor meu esposo Assir Lubbos me devolveu ao escravagista Manolo Negreiro, que me comerciou, a bom preço, ao conselheiro Manoel Vieira da Silva; e, por fim, o Fidalgo da Casa Real de D. João VI me entregou aos cuidados da cafetina francesa de nomeada Sofia Beaurepaire-Rohan, a Madame Sophie. Continuar a ler “A INCRÍVEL HISTÓRIA DE MARÍA JUANA PILLAR DE LA CRUZ – (CAP. IV, V, VI )- por Wander Lourenço”
Saí da hospedaria para a cidade. Sufocante e doida na ânsia de tempos dóceis. Mimos e negócios sempre de mãos dadas. Ia com a cabeça a latejar por via de álcoois nocturnos. Deram-me o dia na instituição e não sabiam que ele já era meu. Para não adoecer rasgo as receitas. Encontrei folhas escritas sobre uma certa rixa entre o senhor Pacheco e o senhor Mário. Delicados safados com lábio de ponta e mola. Depois falei com uma menina de olhos pintados a forte traço negro. Aprendiz de joalheira. Fará um dia ornamentos para viperinos figurantes.
O rapaz que me vendeu os cadernos de crítica musical disse que vão fazer uma instalação sonora no Grande Mercado. Sons e sardinhas. Ritmos e malaguetas. Electrónica e azeitonas. Sónicas broas e alfaces psicadélicas.
Andei pelas ruas com desinteresse. Sem linhas prévias. Não tinha onde ir. Não vi nada. Só ir. Por terrenos inabituais.
Naquela mesma noite, o negruzim Deolindo acordou-me com o repuxão de ansiedade, para cobrar-me pela promessa de entrega corpórea, em troca do arranjo da união conjugal com o comerciante Assir Lubbos, o Turco, que me propositara sobrenome árabe e situação familiar. Como palavra empenhada há de ser cumprida à risca, eu permiti que o escravo ladino se esbaldasse da carne fresca daquela ciganita Juana, até desmaiar feito animal feroz capturado em armadilha de mandíbula.
Copio para o caderno: petúnia significa “flor vermelha” na língua dos Índios Tupi.
Foi no Grande Mercado das flores e especiarias que disse esta palavra pela primeira vez. Levámos pimenta negra feijão e alhos.
Escrevo ainda: pertencente à família Solanaceae, a mesma de pimentão, tomate e beringela, a petúnia, apesar de ser perene, deve ser replantada a cada Primavera para manter-se sempre florida.
Quando os mercados eram de ferro e ficavam no centro da cidade tu usavas saia como as petúnias e caminhavas como uma flor por entre peixes e frutas.
Confesso eu que houve certa hesitação de minha parte, María Juana Pillar de La Cruz, quando me propus ao desígnio da escritura das inúmeras transformações geográficas, políticas e morais desta Corte de São Sebastião do Rio de Janeiro, a partir da chegada da Família Real, na corrente data de 08 de março de 1808. Isto porque me questionava se, de fato, seriam válidas e importantes as impressões de uma alcoviteira de prostíbulo centenária, com a memória falhosa e mui decadente, que se decidira por discorrer a respeito da biografia (e intimidades) dos habitantes que, por estas paragens tropicais, já assistiam; e também dos ilustríssimos cortesãos europeus que, por acá, aportaram após a chegada da tripulação das naus-caravelas provindas do Reino Unido de Portugal e Algarve. Em verdade, eu me proponho aos registros do que são meras reminiscências de uma marafona tagarela e já meio decrépita que, sem qualquer intento literário, se debruçou sobre o longínquo passado para discorrer sobre ações dos assíduos frequentadores dos cafés, tabernas e joalherias da Rua do Ouvidor e do Theatro São Pedro de Alcântara, no período das reinações d’El-Rey d. João VI. Em razão da longevidade desta Madame Pillar, eu reportar-me-ei à época posterior ao período de governância do esposo de Dona Carlota Joaquina, denominado Primeiro Império, liderado pelo magnânimo d. Pedro I do Brasil; e ao tempo longevo do Segundo Império, sob a égide do seu sucessor d. Pedro II de Orleans e Bragança.Continuar a ler “A INCRÍVEL HISTÓRIA DE MARÍA JUANA PILLAR DE LA CRUZ – (I) por Wander Lourenço”
Às vezes acontecia de Antônio Moura ter bloqueios criativos. Olhava para o papel e não conseguia escrever uma única palavra. Ele se sentava em frente à máquina de escrever, pensava em vários acontecimentos, porém nenhum deles lhe parecia digno de ser registrado. Nessas horas, era como se Antônio não soubesse mais transpor para o texto a vida que ele tanto admirava, o que lhe deixava à deriva de seus pensamentos a vagar pelo mundo. Era outro nessas situações de crise. Não, ele não encontrava inspiração nos momentos em que mais precisava escrever. Tinha crônicas a entregar para três jornais, sabia do que pretendia tratar, mas quando era chegada a hora do trabalho da escrita, então ele não era mais do que uma criança que ainda não conhecia as primeiras letras. Ficava horas se contorcendo em cima de uma frase, que ele reescrevia e apagava, por não encontrar a fórmula perfeita, pois não sabia que não há perfeição nesta vida, muito menos na escrita, algo tão pessoal e único, com todas as imperfeições de cada autor em sua labuta com as letras. Não, Antônio almejava a perfeição, queria ser um deus na arte de escrever. Jamais aceitaria um texto feito de uma tacada só. Como escritor, ele buscava filigranas. Por isso passava um dia inteiro para terminar um parágrafo, que para ele estava sempre incompleto e que ia para a redação assim mesmo, porque precisava do emprego.Continuar a ler “ANTÓNIO – Cassiano Russo”
Somos os dois irmã. Passos lentos nos dias roubados em terra de além Tejo.
Tapas ao cair do escaldante sol. Nas bandas do azul sorvem nossas narinas ávidas. Há vidas, logo embelezem-se. Os olhos com planícies sem fim. Queijo muito fino. Aterrar lentamente. Uma folha na brisa. Nada de utopias nem psicanálise. Esquecidos exames institucionais e ignoradas recomendações. Só apalpar o instante. Inspirar as manhãs e seguir de mansinho. Sem pressa. Em trilhos vazios. Onde árvores antigas repousam. Foram arrumadas ali pequenas casas. E histórias de dor. Que a pintura oficial vai apagando. Com suas escrituras vampiras. Olhamos e sentimos a vida. O que ali sangrou.Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (5) – por Lúcio Valium”
Escapei enquanto ele se descuidou e deixou o portão aberto, não sei nem como eu fiz para correr com todos os filhotes que carrego na barriga. O homem que me maltratava naquela casa repetia que enquanto eu parisse, ele iria matar os meus bebês porque eram lixo: “Que nem você, cadela feia”, dizia ele com um cinto na mão prontinho para me bater com raiva.Continuar a ler “A CARAMELA – por Via Plaza”
O apoteótico e hipotético duelo entre Caetano Veloso e Chico Buarque de Hollanda
Dentre a produção musical brasileira, há de se destacar a excelência das letras trabalhadas por exímios artesãos do vocábulo que, em alguns casos, migraram da poesia de livro de modo a alavancar a MPB à categoria de World Music mais aclamada em todo território interplanetário, desde quando a canção “Coisinha do pai”, do sambista Jorge Aragão, estourou nas rádios marcianas nos fins do século passado. O que os extraterrestres não têm ideia, no entanto, é que entre os mestres do cancioneiro brasílico há inúmeras discordâncias sobre fatores mais diversos, que ora são veiculadas nos noticiários da Via Láctea; ora são silenciados pelas formadores de opinião pública.Continuar a ler “DOIS CONTOS FANTÁSTICOS SOBRE A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA – por Wander Lourenço”
Enquanto corre o teu banho quente as gaivotas fazem círculos demorados no azul e ouve-se um saxofone desvairado. Há pouco falavas da neve e de hospitais desta luz invernal e de arroz. Dei-te a manta e compus as roupas da jangada. Agora falas do cenário que avistamos da janela. Um frágil amarelo a escorrer entre a lã imensa de chumbo fumegante que se eleva para lá dos telhados por cima do mar. Já quase noite vestes o corpo de calças. Na cozinha falas de aviões e polémicas publicitárias. E da tua cidade nas palavras da pobre jornalista que serve a encenação enquanto cortas o alho para a panela. Depois vens ao corredor escuro contar uma cena de estrangeiros no restaurante por causa das línguas e dos lucros. Os gestos e as atitudes. E já tens os crepes de legumes prontos. É hora de sair e dizes que há pessoas que viajam ao passado e continuas a falar sozinha na cozinha. Perguntas se há hora marcada. Ainda temos de ir comprar um salpicão e vinho Mas antes tens que secar o cabelo.Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (4) – por Lúcio Valium –”
Nem ele mesmo conseguia explicar, mas desde que sabia de si, o menino sentia uma enorme atração pelo rio. Encantava-se com o fluir da água, ora calma e muito quieta como se fosse a pele do rio, ora revolta, como se com a sua fúria o rio quisesse mostrar descontentamento e tomar os lugares que são seus.Continuar a ler “CONTO DE NATAL – por Manuel Igreja”
Depois de dilacerados os dias de calor, voltava a chuva à vida das pessoas que aos primeiros pingos do céu resmungavam, contra as pérolas frescas que escorregaram por algumas frinchas da alma.
No Parque Nacional da Peneda-Gerês caminhava um grupo num passeio pedestre para observação da natureza ambiental, quando dentro do trilho começou o forte temporal.
O coração da floresta transformava-se num esguicho de águas esparsas e desalinhadas, sem encontrar saída ou buraco.
Com esta chuva o grupo olhava a montanha velha da serra, e as escarpas envolventes: tudo se admirava ao longo do trilho.
Ele falava alto, muito alto. Tão alto que sua voz batia no teto. Ricocheteava, batia e rebatia, atingia a alma, estremecia a calma. E falava errado. Menas, pobrema, enfiava o dedo no nariz, coçava suas partes íntimas em público. Era rico, abastado, estudado. Viajou o mundo todo, sempre com os agentes de viagens dos ricos e famosos.Continuar a ler “DOIS – por Paulo Weidebach”
Sair da cama após duras batalhas por bocados de sono. Azuis laranja nascem na escuridão enquanto olho o rio. Escrever-te na sala de máquinas de alta temperatura. Afastado de vozes e vacuidades. Reencontrar o doente do 24 e ignorar os figurantes da sala central. Algumas antonímias na jarra do dia.
Bem vistas as coisas uma delícia num rasgo cósmico. Assim me apresento à geometria demente da eternidade. Com o casaco insondável que me deste. E me é querido na sua compostura irreal. Com sublinhados de alfaiataria ébria. Diz-me o do 24 que estou a andar mais lentamente e com cadência melancólica. Coitado dele o mesmo lhe acontece. Mas tem ainda argúcia para detectar traços novos na história repetida dos homens. Saberá ler os olhos. Quem terá sido o que terá lido pergunto-me. Conhece certamente a poesia do não escrito. As palavras que nos olham por dentro. Encontros ao nascer do dia com o inesperado. O belo nas garras de uma fêmea. O único ocupante do quarto 24 é livre em seu pensamento de bebedor solitário.
Na verdade há uma lentidão nos passos. Mas apesar do feroz ataque da insónia a disposição é boa. Ler no espelho a tua escrita foi o melhor dos vinhos. Sempre gostei de palavras em vidro. De sensuais letras vermelhas. E vi o dia nascer na rua.Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (3) – por Lúcio Valium”
Eu sigo o caminho das nuvens escuras. Sou como o Sócrates de Aristófanes. Sim, sou um sofista. Minha função é levar a dúvida aonde houver fé. Mas não se enganem, meus senhores, não sou um pregador, sou apenas alguém que duvida. Só isso. Nas horas de folga, duvido de mim mesmo, pois carrego o espírito da dúvida, que dissemino por todo o globo. E vocês, com suas certezas, precisam entender que fabulações de mau gosto não são melhores do que a estória de chapeuzinho vermelho. Eu não sou o lobo mau que devora a avozinha.
En el pueblo de Brujas vivía una mujer blanca de ojos negros, quien llamaba la atención de los hombres por sus senos turgentes y caderas anchas. Por su cuerpo fue objeto de halagos por parte de muchos pretendientes, quienes la desearon con fines sexuales, mas no como compañera eterna.Continuar a ler “PUEDE OCURRIR – por Moisés Cardenas”
Una joven dama argentina casada se halla con un mexicano licenciado en abogacía. Tienen un hijito y una mansión en ciudad de México. Ella era cancionista de tangos hasta que se produjo su enlace, sin lo que se dice amor-amor, para acceder así, legalmente (por la puerta grande, principal), a la suprema misión a la que una mujer muy mujer está destinada: dar a luz y consagrarse al retoño. Continuar a ler “FILM – por Rolando Revagliati”
Quem tem olhos para ver pode convencer-se de que nenhum mortal consegue guardar um segredo.
Sigmund Freud
Quando a memória o obrigava, debruçava-se no próprio colo, entre os mistérios estomacais. Punha-se a cismar, na postura de ampulheta imóvel. Por dentro, bulia, como areia a cair por estreito trajecto. Talvez sentisse uma ligeira febre, um aquecimento de motor. O organismo tinha de funcionar. A maravilhosa máquina não iria decepcioná-lo, sabia-o: conhecia as manobras interiores, o mínimo alerta ácido, as sedes, as fomes, as indisposições, os enjoos, os vómitos, as temperaturas, as fricções. Acaso seria possível voltar ao vaso inteiro de si mesmo, no âmago de uma contrariedade apertada?Continuar a ler “O PERISCÓPIO – por Marília Miranda Lopes”
Comi no meio de um ruído imenso. Tomei dois cafés. Procuro um lugar fora do mecanismo. No futuro será mais difícil de encontrar. Cada vez haverá menos lugares desses. Atravesso as compridas artérias institucionais e fecho-me numa sala para escrever. Não há música mas podem enviar-se escritos. É uma área de organismos tecnológicos. Uma visão da vida controlada nos nossos tempos. Fórmulas dados sintomas diagnósticos perfis são palavras que saltam destes aparelhos. Tudo em gráficos e grelhas. As vidas como gravações para consulta pragmática. Nada que lembre coreografias sexuais desmesuras sem palco ou o espanto de quem se perdeu nas cidades e nas vidas de outros.Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (2) – por Lúcio Valium”
Vê? Que tudo virou medida. Esses números que a gente regurgitava. Que engolimos, fazendo hematomas por nós adentro. Uma semana. Que virava duas e três. Um morto que nunca era um, era nome, era gente, eram cinquenta mil. Eram cem. Cem mil nomes. Sem mil nomes. E quatrocentos mil. Mais sem. Aquela espécie de virose que medo mete. Sentir-se em contradição, o tempo todo tempo, tempo cem tempo. O que cabia num tempo não era um, era cem, era sem, juro. Tempo sem tempo dentro. Os cômodos, incômodo. Ficava. Eu medindo a aflição crescer pelos batentes da porta de um em um mês. Tanto que crescia, pegava lápis pra escrever, assim, como mãe que acompanha a mania de grama que criança tem. Minha aflição pôs-se pra mato. De um em um metro. E aquilo era auto distância.Continuar a ler “METRO MEDIDA* – por Lua Nê”
You must be logged in to post a comment.