MATRIOSKA
que vontade de me meter
outra vez no menino
despir o incêndio da idade
ser o desperdício de mim
em pés alheios
com a urina demarcar
o enigma do totem:
um circuito de cicuta
no beiço da memória
abrir em mim mesmo minha fuga
para dar de cara enfim
comigo
ESTOICO
buscar na chaga
o que não for
sangue
buscar na cinza
o que não for
silêncio
o que não for ruína
é caco de espelho:
o rosto resiste outro
ainda na doença
se aninha o pássaro
ainda na lágrima
brota a paisagem
há uma lua no lago:
as mãos vazias
a podem colher
UM POETA
vi um homem andando estrada fora
cabeça baixa desfigurado
não pisava o chão – espremia
heroicamente a nervura dos dias
algo farfalhava debaixo de sua pele:
talvez sintagmas e o pomar de pústulas
que o separava da estratos-
fera
dos bolsos pendendo como língua
uns restos de ilusão retórica
não lhe coube empacotar em 5 itens
a solução para os dilemas do mundo
não o preocupava o juízo que dele faziam
juízo era o de menos
as árvores continuariam acesas
e as glândulas a rosnar sob os lençóis
levava o desterro dos obsoletos
e uma quota de ventos para um opúsculo
não queria ser acolhido
consolava-o a mão obscena acenando um poema
que ninguém leria
recuperava do chão o milagre da revolta.
♦♦♦
Kissyan Castro nasceu em Barra do Corda, Maranhão, em 1979. É poeta e pesquisador, graduado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Boa Esperança, MG, e pós-graduado em História e Literatura Brasileira. Publicou, entre outros livros de poemas, Bodas de Pedra (Chiado, 2013), O Estreito de Éden (Penalux, 2017) e Pássaros Lacunares (Penalux, 2023). Com participação nas coletâneas “Caleidoscópio” (Andross), “Além da Terra Além do Céu” (Chiado), Babaçu Lâmina (Patuá) e “Haicais e Tankas” (Persona), tem poemas publicados em diversos sites, jornais e revistas digitais, entre as quais Germina, Mallarmargens, Caqui, Literatura & Fechadura, Acrobata e Portal de Poesia Ibero-Americana.
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