POEMA SEM GALINHA NEM FEIJÃO
Tradução de Anderson Braga Horta*
A panela
nua e fria
esqueceu os caldos
o fumo da tarde
a lenha estalejante (o fátuo fogo)
verduras e sais
A mão que lavava sua pele
jaz vencida e prostrada
vazio adentro da casa solitária
os filhos muito longe
Chile Argentina Peru
Brasil Colômbia Equador
Chamam diáspora a esta solidão
eu a chamo vento derrota lágrima
fastio céu caído
Se algo deixou tristeza
caducidade
desamparo
foi o pranto da mãe
e esta panela vazia
As bananeiras do quintal são cicatrizes
do barranco
as folhas sem varrer
onde antes houve jogos de meninos
as aves de cercado e o louro
só deixaram penas na terra
algum sismo levou a alegria do lar
a inocência da criançada
o olhar de amor dessa mãe
algum punhal cortou sua língua
rasgou seus trapos
derrubou as gamelas de lavar
os talheres de pobre
as máquinas de costurar as calcinhas
algum alfinete espetou seus olhos ternos
apagando ilusões sonhos e esperanças
prostrada na velha cadeira de madeira
consumida nas poeiras da tarde
Ninguém semeia junto à casa os feijões
carreiras de milho
ou amores-perfeitos amarelos
As borboletas passam como fantasmas inocentes
alguém tosse e se apaga
enquanto as portas de outro mundo deixam cair
desvencilhados raios apontados ao paraíso
Depois das cinzas
resta apenas um poema
sem galinhas nem feijões
nem sóis à vista
♣♣♣
POEMA DA BOA SAÚDE
Tradução de Anderson Braga Horta*
Desde o Renascimento
não choro
Como vacas mansas vi passar
os séculos sobre jardins improvisados
guerras quixotes libertadores e libélulas
As horas vencidas saúdam
Píndaro e Virgílio
Netzahualcóyotl
meu pai índio meus sóis
biombos da vida e da morte
atesourando
segredos de boa saúde
silêncios poeiradas
amores de pedra e mel
leitos de espinhos e algodão
Tal é o sentido da felicidade absoluta o segredo
do amor divino
a grandeza de toda busca
os caminhos inversos de todos os desastres
Debaixo de minha testa dorme um povoado
insetos da noite lombrigas paisagens do trópico
segredos e estâncias onde os vinhos descansam
miam as cervejas
sem livros impossíveis de ler
pirâmides nem rios de papel e fogo
mas está o mar e as flores desenhados
num corpo de mulher
Desde a Idade Média
não rio
apenas gozo da boa saúde deixada
por ingratidões traições e insônias
tochas aceradas dilacerantes indiferenças
meus monstros sorriem
internados no ar
parecendo no deserto
a linha vermelha
minha família dorme no arame
come na pedra
mira os pássaros
cala seu vazio
Nossa saúde é inversamente proporcional
à saúde dos grandes salões dos ministros
ex-presidentes gerentes de transnacionais
economias de mercado
ofícios bancários mesas de câmbio
testas de ferro de todas as índoles
copos de uísque e trapaças
mas a terra nos fala segura
nossos passos assinala uma origem
uma ilusão em que o mundo é lâmpada
estrela estática ou pólvora
♣♣♣
ESTA É MINHA PAISAGEM
Tradução de Anderson Braga Horta*
A José Antônio Pereira,
em Cataguases, in memoriam
Minha paisagem tem sido um pedaço de lata
castelo azul com guirlandas
pele do deserto o rio mais bravo
montanha amanhecida com a lua ao fundo
neve abraçada a um tímido sol mediterrâneo
ou a mirada do coqueiro
onde o mar é a menina que brinca
Ou talvez uma paisagem de semeadura
com milho recém-nascido
tapetes de bananeiras vistas do ar
rebanhos de gado manso ou girafas estendidas
também pequenos roedores de armazém
ou insetos venenosos
debaixo as folhas podres
Enfim, qualquer paisagem boreal
ou do Caribe
da Patagónia ou do Evereste
de Paris sob aguaceiro ou de Pequim em noite escura
Cartagena das Índias ou Cataguases de nostalgias
Moscou gelado ou Roma com tochas
o Guadalquivir ou o Amazonas do Brasil
a Grande Savana de tepuis
a sombra do caju em Guanipa
o luto do jacarandá e do ipê
os ruídos da cidade o caos do subterrâneo
a rosa triste do balcão e o smog
o simples voo do sonho no pesadelo
Mas não, não é essa a minha paisagem
Seu significado está oculto na palavra
triste
e não vejo um caminho para abandoná-lo
♦♦♦
José (del Carmen) Pérez nasceu em El Tigre, estado Anzoátegui, Venezuela, em 1966. Reside em Pariaguán, Planalto de Guanipa. Licenciado em Letras. Doutor em Filologia Hispânica pela Universidade de Oviedo, Espanha (2011). Professor Associado Jubilado da Universidade de Oriente, Núcleo de Nueva Esparta, na área de Linguística. Pertence a Redè Nacional de Escritores da Venezuela. Poeta, narrador, ensaísta, promotor cultural. Obra diversa obra publicada.
♦♦♦
*Sobre el traductor
Anderson Braga Horta nació en Carangola, estado de Minas-Gerais, Brasil, el 17 de noviembre de 1934. Poeta, cuentista, crítico literario, miembro de la Academia Brasilense de Letras y profesor universitario. Representa una de las más altas voces poéticas e intelectuales de su país. Ha sido traductor al portugués de poetas del Siglo de Oro Español y de poetas suramericanos contemporáneos.
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