O dilema da vontade num diálogo fictício entre Schopenhauer e Nietzsche
– O querer é dilacerante!
– Sem o querer não se sai do lugar!
– Fiquemos parados então!
– A apatia é a arma dos fracos, a Vontade de Potência dos fortes!
– Há mais sabedoria em negar um desejo do que em sucumbir a ele…
– Típico de um homem que se guia só pelo pensamento!
– Ora, meu caro, típico de um homem que se guia só pelas glândulas!
E o diálogo durou ainda por muito e muito tempo…
♣♣♣
O Satirista
Vivas tu, Satirista, mil vezes,
com teu riso folgazão,
expondo a mazela e a corrupção
de séculos, décadas, anos, meses…
O sarcasmo é a tua arma,
oh mago de monumental quilate!
Se o poderoso chora e o cão late
é por teu dever, missão, karma…
É por isso que, fazendo o algoz triste,
embora o tempo também te mate,
vives para sempre no chiste!
Se o divino e o diabólico existem,
na sua fusão realizas um arremate
e com engenho eles persistem!
♣♣♣
Vislumbres de Vida
A Vida tem o valor
que damos a ela.
Não que seja algo
em si neutro, sem
importância.
Pelo contrário,
gera, entre os prós
e contras,
uniformidades
e exorbitâncias.
Entre o sentir
calmo, tranquilo,
e aquele férrico,
hiperbólico,
concentram-se gradações
intermédias.
Do fruir ao padecer,
um misto de sensações
afloram, extinguindo-se
ou permanecendo.
A Vida é isto ou aquilo,
isto e aquilo, ou, ainda,
aquilo outro…
Unidade, diversidade,
multiplicidade:
O círculo é infinito!
E na sua forma ímpar
de se manifestar,
pode-se agudamente
experimentá-la!
♣♣♣
Estratégias válidas
Tanto a ação como a inação
são válidas se passam
pela grande peneira:
O crivo do entendimento,
da intuição.
Chega um ponto
em que se é o guru de si próprio!
Esse momento ímpar é que
– independente de doutrinas –
justifica uma Vida!
♣♣♣
Regozijo
Há horas
que pressinto um verdadeiro
regozijo universal!
Como se a energia cósmica
fosse oriunda
da ejaculação criativa
do Criador!
♣♣♣
Triste mudez
Não é o capital que me aborrece!
Não é a ganância que me entristece!
É mais a naturalidade de tudo!
É mais cada um se fazer mudo!
♣♣♣
Gervão
Se sou como o gervão, uma praga…
Se sou o lazarento, repositório de chagas,
talvez seja minha poesia desassossegada,
a expressão débil da matéria malograda!
♣♣♣
Zás
O ronronar do gatinho.
O acariciar da menina.
O eternizar da cicatriz.
♣♣♣
Recordar é viver
A manhã chuvosa
traz à mente do vate
recordações e saudades…
Apesar da neblina do tempo
aguça-se o fio da memória!
♣♣♣
Igrejinha de cartas
Não foi o espetáculo da catarata de neve,
nem a beleza de Catherine Deneuve,
que me trouxeram aqui!
Também não foi no convescote,
aquele em que participou o Conde Scott,
que fui realmente concebido!
Como todos os infames mortais,
com seus jogos virtuosos ou imorais,
filho sou, igualmente, do estupendo acaso!
Se a barba é a essência de ser barbudo,
torno-me pelo meu silêncio, mudo,
e, lamento, sem fazer alarde!
Se o desodorante oferece o bom odor à axila,
de fato, encho e esvazio de Vida a minha mochila,
e de bem e mal vou-me abastecendo!
Mas se até o Colosso de Rodes foi destruído,
e a cada derrocada percebo-me aluno instruído,
pouca coisa ainda me espanta ou comove!
A turba agrupada e solitária,
erguendo sua voz sôfrega e parasitária,
há de no fim desmoronar qual igrejinha de cartas!
Possa entre tudo que aqui se passa,
cada ser humano aceitar sua sina, sua desgraça,
para assim melhor suportar suas chagas!
♦♦♦
Henrique Duarte Neto. Poeta e ensaísta, nascido e residente no interior de Santa Catarina, já publicou oito livros de poesia, sendo que ela também se encontra parcialmente disseminada em algumas revistas e blogs. Os poemas desta seleta estão publicados no seu último livro, A dança da vida (Blumenau: AmoLer, 2023). Sua maior ambição é perseguir no poema aquilo que seria o seu sumo – inesgotável e salutar busca.
E-mail: henriqueduarteneto@yahoo.com.br
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