… de trevos e rosas imaculadas
1.
há muitas palavras para mentir e apenas uma para a verdade.
no jardim das maravilhas da minha vida
jazem vários caules hercúleos,
eternamente iluminados pela seiva
interna
a correr desde o coração.
morrerei já não jovem, sei-o agora.
e do passar dos tempos sei, também agora,
que as convenções podem matar o brilho de um olhar
uma covinha no rosto
um arrepio na nuca.
só que nunca o amor será vencido.
mora em lugar altaneiro
onde poucos acedem
de onde muitos desabam
– ali
ao alcance da tal palavra pura.
2.
havemos de saber
um dia
a misteriosa mecânica
da roda.
após olharmos
atentamente
as muitas variedades,
e materiais,
usos, finalidades e tamanhos,
após descobrirmos
a afinidade oculta –
essa rigorosa teia de raios
a ligá-las perfeitamente
pela ligação rigorosa
ao centro
ao coração
que tudo organiza ordena e dispõe
em posições paralelas ou concêntricas
sempre ligadas sem jamais se tocarem
sempre ligadas sem jamais se encontrarem –
um dia havemos de saber
por fim
a encantadora mecânica da roda
da vida.
3.
esta pedra no centro do teu peito/
é herança de feitos e desfeitos./
encimada pela pomba da esperança/
nela jorram o sangue e o sal/
da vida./
nela brilha a lamparina/
consolação/
sempre instigando dor e morte para longe/
para longe /
para onde não haja pão nem vinho/
nem o bater/
de teu, agora, novo/
coração/
de trevos e rosas imaculadas.
4.
lembra-te
de cada guinada das costas
depois do trabalho,
de cada esticão da coxa e dos músculos dos pés,
de tanta fadiga nos ombros depois de carregares aos ombros/
a maldição de Midas dos secos patrões/
esganados entre o parecer e o ter/
sem pingo de paz nem poesia/
para a sua própria salvação./
lembra-te dos versos que te nascem da exaustão e da dor /
lembra-te do Poema, dos mestres da Palavra e do ardor/
lembra-te do ardor benéfico da Palavra/
que a tudo queima/
a tudo lavra /
a tudo respiga até à mais funda raíz /
até a terra eleita emergir sob os passos desgastados/
do operário manual/
do camponês à jorna/
da mulher invisível apoucada por outras mulheres/
e de todos os viventes adiados sonegados e banidos/
lembra-te de cada dor e sentir exasperado/
destaca, diferencia, distingue, sofre e vive/
o rebordo da angústia/
o recorte da frustração/
o amargo da tristeza e da dureza do que te morre/
para poderes sempre regressar aos teus territórios amorosos e limpos /
e para conservares em ti o fio de prumo da justiça/
da beleza, do respeito/
e, sobretudo, da redenção.
5.
a vulva
continente
planeta
universo
de encontro dos amantes
6.
e, depois,
sonhar.
estes os gestos magnânimos
do ritual do amor a mãos.
7.
cuidemo-nos
enquanto o fio da vida
segue inteiriço sem desfiar nem partir
– também os olhos das gazelas se entusiasmam/
com o sereno rebordo da lagoa
em pleno estio em plena selva em plena vida.
cuidemo-nos
como só o tronco sabe
segurando sustendo enraizando
– assim os voos das gaivotas se espraiam
confiantes do poiso liso no retorno
em pleno inverno em pleno mar em plena vida./
cuidemo-nos
sejamos o colo desejado
de amante cuidador desejante.
– todas as savanas, todos os oceanos ensinam
os mistérios guardados sanadores/
em pleno dia em plena noite em plena vida.
cuidemo-nos.
curemo-nos.
demo-nos.
Maria Toscano, 2022.
Coimbra, Praça da República.12 / Janeiro;
Figueira da Foz, Casa da Marina. 28 Janeiro 18, 23, 24 /Março; 1, 12 Abril. O CORAÇÃO
Nota da redação: A autora comemora este ano de 2022 os 25 anos de carreira literária. Athena felicita-a pelo facto e deseja-lhe as maiores felicidades!
♦♦♦
Natural de Campo Maior, Maio/63| www.maria-toscano.com |
Escritora com obra editada – 28 livros de poesia e 1 romance – desde 1997. Performer e Cantora.
Doutora em Sociologia (Out/2010. ISCTE), foi professora universitária durante 28 anos. Trainer em Programação Neurolinguística/PNL (Julho/2019); Coach Neurolinguístico (Set/2018).
Publicada em várias Colectâneas e Antologia, é membro da Associação Portuguesa de Sociologia e da Associação Portuguesa de Escritores.
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