EDITORIAL – EM LOUVOR DO EFÉMERO – por Rodrigo Costa

Em Louvor do Efémero

… Continua a ter-se por sabor a injusto o fim das coisas e dos seres a que nos apegamos. E, tratando-se de coisas e seres que amemos, o desaparecimento provoca, para além do desconforto, a reformulação no modo como passamos a olhar tudo o que nos rodeia, sendo a consciência abalada pelo reconhecimento de que a nossa evolução depende da importância que atribuirmos ao efémero e, consequentemente, ao desprendimento como defesa que ameniza os ímpetos do Instinto de Posse —instala-se a certeza de ser ilusão sentirmo-nos mais do que usufrutuários. Continuar a ler “EDITORIAL – EM LOUVOR DO EFÉMERO – por Rodrigo Costa”

UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (3) – por Lúcio Valium

 

Le Mirroir, by Pablo Picasso 1932

ANTONÍMIAS

Sair da cama após duras batalhas por bocados de sono. Azuis laranja nascem na escuridão enquanto olho o rio. Escrever-te na sala de máquinas de alta temperatura. Afastado de vozes e vacuidades. Reencontrar o doente do 24 e ignorar os figurantes da sala central. Algumas antonímias na jarra do dia.

Bem vistas as coisas uma delícia num rasgo cósmico. Assim me apresento à geometria demente da eternidade. Com o casaco insondável que me deste. E me é querido na sua compostura irreal. Com sublinhados de alfaiataria ébria. Diz-me o do 24 que estou a andar mais lentamente e com cadência melancólica. Coitado dele o mesmo lhe acontece. Mas tem ainda argúcia para detectar traços novos na história repetida dos homens. Saberá ler os olhos. Quem terá sido o que terá lido pergunto-me. Conhece certamente a poesia do não escrito. As palavras que nos olham por dentro. Encontros ao nascer do dia com o inesperado. O belo nas garras de uma fêmea. O único ocupante do quarto 24 é livre em seu pensamento de bebedor solitário.

Na verdade há uma lentidão nos passos. Mas apesar do feroz ataque da insónia a disposição é boa. Ler no espelho a tua escrita foi o melhor dos vinhos. Sempre gostei de palavras em vidro. De sensuais letras vermelhas. E vi o dia nascer na rua. Continuar a ler “UM ROMANCE NAS NÓDOAS DA MISÉRIA (3) – por Lúcio Valium”

RESENÃ A “PUPILAS DE LOCO” DE VICTORIA MORRISON – por Claudia Vila Molino

Leer este libro implica adentrarse en la pequeña y gran muerte, como sombra que levita en forma trascendente y no opone resistencia. Sabiendo que en nuestra cultura occidental la actitud frente al suceso de la muerte lleva consigo una gran carga de temor, desgarramiento y dolor frente a un hecho ineludible, como es enfrentarse cara a cara con el temor a lo desconocido. Debido a esto, asombra esta hablante quien transita desde el inframundo hacia el exterior, en cierta medida su poética posee sesgos del gótico, llevado a nuestra época contemporánea. Ella descansa en las aguas mortuorias adquiriendo naturalidad y como una transeúnte con experiencia en estos lugares se desplaza hacia la vida y luego vuelve a sumergirse en los hábitos del antiguo mundo. Continuar a ler “RESENÃ A “PUPILAS DE LOCO” DE VICTORIA MORRISON – por Claudia Vila Molino”

TEM PATRICIO NOS SETS BRASILEIROS – por Danyel Guerra

FERNANDO DE BARROS (Foto: Leo Feltran)

“Silvino Santos não foi mais um nome para os empoeirados arquivos de cineastas primitivos. Soube sempre colocar sua consciência profissional acima de quaisquer especulações esteticistas”           

                                 Alex Viany

Em Portugal, está ainda por inventariar e historiar, de modo sistemático, abrangente e rigoroso, a muito estimável contribuição dos imigrantes lusos para o fomento, incremento e desenvolvimento do cinema brasileiro. Continuar a ler “TEM PATRICIO NOS SETS BRASILEIROS – por Danyel Guerra”

UM GATO É UM GATO É UM GATO – por Fernando Martinho Guimarães

 

by kirsten bühne

Do gato se pode dizer o mesmo que se diz da tradição: já não é o que era. Mas como o gato não faz a mínima ideia do que isso quer dizer, continua sendo o que sempre foi, o único ser que nos olha sempre de cima para baixo. Na impossibilidade de o domesticarmos, tudo indica que o gato tomou, algures no tempo, talvez há nove mil anos, a iniciativa de nos domesticar. A medida mais recente é a invenção da internet e das redes socias, cuja serventia mais prolífica consiste no facto de podermos partilhar pequenos filmes de e com gatos. Neste processo, não é de desprezar o filme Aristogatos que nos faz crer que toda a gente quer ser gato. E, porque esta metamorfose está destinada ao fracasso, ficamo-nos pelo arremedo de ter um gato…em casa. Trata-se, como é fácil de ver, de mais uma estratégia de gato. Continuar a ler “UM GATO É UM GATO É UM GATO – por Fernando Martinho Guimarães”

POESIA de – Lua Pinkhasovna

 

Espelho de Afrodite

Entre constelações, esferas rochosas, violentas estrelas mortiças e cintilantes cometas, nascer Vênus pode ser considerado uma afronta ao restante dos planetas
Pisando em trompas, ventres, ovários e vulvas e aquela mistura que poucos sabem ao certo o nome, lambuzo-me de sangue menstrual derramado nas ruas
Há polícia? O que há? Será que alguém me escuta? É claro que não, eu sou notícia corriqueira de uma realidade fantasticamente banal
O sangramento da violência não é repudiado, apenas é visto com asco aquele que mostra que sou um ser próprio, forjada em minha natureza
sem ser sexy, sendo apenas espécie
e que sinto por fora e por dentro me desmanchando em vermelho Continuar a ler “POESIA de – Lua Pinkhasovna”

7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano

… de trevos e rosas imaculadas
by hernan pauccara

1.

há muitas palavras para mentir e apenas uma para a verdade.
no jardim das maravilhas da minha vida
jazem vários caules hercúleos,
eternamente iluminados pela seiva
interna
a correr desde o coração.
morrerei já não jovem, sei-o agora.
e do passar dos tempos sei, também agora,
que as convenções podem matar o brilho de um olhar
uma covinha no rosto
um arrepio na nuca.
só que nunca o amor será vencido.
mora em lugar altaneiro
onde poucos acedem
de onde muitos desabam
– ali
ao alcance da tal palavra pura. Continuar a ler “7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano”

3 POEMAS DE “AZUL INSTANTÂNEO”*- por Pedro Vale

É preciso viver sem paixões.
Mergulhar no absoluto anonimato,
Permanecer morto ou vivo até ao fim.
Aclamar o tumulto escuro e bruto.
Encenar o drama clemente e lento.
Sentir um amor ideal por anjos nebulosos.
Descobrir um novo fundo de poesia e aguardar
uma voz que nos ordene docilmente:
– Não te movas, nem te inquietes,
nem traias o que
ainda não
és.

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A GUERRA E O AMBIENTE – por Ricardo Amorim Pereira

A guerra e o ambiente.
Preocupações coexistentes.

Praticamente ninguém nega que vivemos tempos de exceção. Ainda não ultrapassamos, por completo, a mais grave pandemia em 100 anos e, no início deste, deparamo-nos com uma guerra de contornos anacrónicos. Como fruto dessa guerra, ressurgiram os fantasmas da confrontação nuclear; a ordem internacional foi abalada, abrindo-se a porta para o reaparecimento de um tipo de guerra que julgávamos fechado nos livros de História – o que visa o alargamento territorial; o custo de vida, um pouco por todo o mundo, disparou. Neste contexto, que lugar passou a ocupar a questão ambiental na escala de prioridades dos cidadãos comuns bem como na dos políticos que nos governam? Em 1971, Ronald Inglehart afirmou que, desde a Segunda Guerra Mundial, na Europa Ocidental, terá havido uma mudança nos valores priorizados pela sociedade. Segundo este autor, nesses países, o aumento, quer do bem-estar económico quer dos níveis de segurança, permitiu a passagem de paradigma nos valores de um, assente no materialismo, para um outro, assente no pós-materialismo. A ideia subjacente a esta teoria é a de que apenas quando as necessidades mais básicas estão satisfeitas é que a atenção se move para questões que não se prendem, diretamente, com a subsistência. Na mesma linha de raciocínio, Müller-Rommel (1998) referiu que, nos anos 70 e 80 do século passado, nos países desenvolvidos, se assistiu a uma mudança cultural, marcada por um forte crescimento das preocupações sociais que vão para além da satisfação das necessidades básicas. A igualdade de direitos, a atenção às minorias, as preocupações ambientais, a solidariedade para com o chamado Terceiro Mundo, as exigências de desarmamento, entre outras, assumiram-se como novas exigências da sociedade para com a classe política.

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ARQUITECTURAS – de Ricardo Amorim Pereira

Foto de Paulo Burnay

1.

Falta paz
Não apenas a ausência da guerra
Falta faz termos paz
Nada desejarmos ou querermos mudar
Falta nos seres algum “deixa para lá”
“Tudo bem”
“Não faz mal”
Ninguém pediu para nascer mas depois tudo nos é pouco
Quando o pouco do que não pedimos
Quando nada éramos
Nos devia bastar
Contentar
Se assim fosse
Se o pouco dado ao nada que corre para o nada fosse muito
Teríamos tudo
Tudo temos porque sim
Por Deus ou pelo destino
Só nos falta a lembrança do que somos e para onde iremos
Quando nada formos e não nos acharmos
Nem mesmo a reclamar   Continuar a ler “ARQUITECTURAS – de Ricardo Amorim Pereira”