Dona Sinhá é um dos expoentes femininos na história do samba da Pauliceia. Trouxe o samba no DNA: o pai era sambista de Pirapora e a mãe foliona e entusiasta do carnaval.
Seu verdadeiro nome é Cacilda Costa, nascida a 9 de fevereiro de 1917, à Rua Saracura Pequena, nº 39, na Bela Vista. Ganhou o apelido de Sinhá, porque quando nasceu seu pai achou que ela tinha a pele muito clara e falou: “Essa menina é clara demais. Parece nega Sinhá”. E o apelido pegou.
Félix da Costa, seu pai, era operário. Costumava frequentar, nos meses de agosto, as festas do Bom Jesus de Pirapora, e outras festas religiosas ocorridas em São Paulo. Seu apelido era Felão. Gostava do batuque e do samba. Félix era paulistano, nascido em 1887, filho de Aquilino da Costa e Júlia Glória da Costa. Em maio de 1914, sua irmã Gesse Glória da Costa casou-se com Dionízio Barbosa, fundador do Grupo Carnavalesco Barra Funda (março de 1914). O que nos indica que a família de Félix e de Dionízio se conheciam da região da Barra Funda, pois o endereço declarado por Gesse ao se casar pertencia ao distrito de Santa Cecília, que englobava, naquela época, uma fração da Barra Funda.
A mãe de Dona Sinhá, Florência Ernestina da Conceição era paulista, sendo seus pais Aprígio Conceição e Maria Ernestina da Conceição.
No registro de batismo de Sinhá, consta que seus pais consorciaram-se em 1913, na paróquia de São Joaquim, no Cambuci[i], mas não foi localizado esse registro. Félix e Florência podem ter mentido para que não constasse no livro de batismo ou assento de nascimento do registro civil, que a menina era fruto de união ilegítima.
Na verdade, Félix da Costa contraiu matrimônio, em 16 de agosto de 1913, com Maria Luiza França Nascimento, natural de Indaiatuba-SP. Félix era viúvo de Ana Camaragibe, que morrera a 10/12/1908, em São Paulo.
A pequena Cacilda foi batizada solenemente, com seis meses de vida, pelo vigário Adoniro Krauss, na paróquia do Divino Espírito Santo, à Rua Frei Caneca, na Bela Vista. Foram seus padrinhos Diogo da Conceição e Maria da Conceição.
O casal Costa teve muitos filhos. Encontramos o nascimento de Júlia, nascida em 29/12/1918, que casou-se em outubro de 1937, com Antônio Martins Franco, indo morar à Rua Mazzini, nº 294, no Cambuci.
Foi através de Dª. Florência que Sinhá e seus irmãos tiveram contato com o carnaval. Ela costumava levar os filhos para assistirem o desfile de corso na Avenida Paulista. “Eu sou do tempo do corso na Avenida Paulista. Época muito divertida, com as pessoas desfilando nas baratinhas conversíveis, jogando confete e serpentina. Quem estava na calçada brincava e pisava em um verdadeiro tapete de confete”, contou Dª. Sinhá a Folha de S. Paulo, em 1984.
Quando surgiu o cordão Vai-Vai em 1928, notaram que Sinhá gostava de dançar e pular com muita desenvoltura. Perguntaram à menina de 12 anos se ela queria desfilar. Sinhá pediu permissão à sua mãe, que consentiu.
Praticamente toda sua família era do samba, os irmãos Nino, Euripes, Maria Aparecida, Júlia e os primos também.
Dª. Florência não desfilava no cordão, mas servia de apoio seguindo com a turma levando um balaio com lanches, frutas e petiscos para alimentar os foliões do Vai-Vai.
“Aos 12 anos desfilei como baliza no Vai-Vai, no tempo em que ainda era cordão e não havia escola de samba. Na época, o grupo era improvisado, embora seguisse as instruções dos líderes, que eram normalmente compositores, e explicavam como deveria ser feita a fantasia. Tudo era animado, não havia pano brilhante, e o pessoal usava mais cetim, bordados etc.”, afirmou a sambista à Folha de S. Paulo, em fevereiro de 1981.
Sua participação fez tanto sucesso, que no ano seguinte Sinhá saiu como destaque. Naquele tempo não havia o luxo de hoje em dia. As fantasias eram confeccionadas com tecidos lamê ou cetim.
Por volta de 1933 ou 1934, Sinhá se casou com um rapaz de sobrenome Arruda. Sua primogênita, Maria Aparecida, nasceu em 1935, e com três aninhos desfilou no Vai-Vai. Parece que o casamento não deu certo e Sinhá separou-se do marido. Foi trabalhar como empregada doméstica em casas de família. Sua arte culinária ficou famosa. Algumas sambistas lembram-se com saudades dos pratos com camarão que Sinhá preparava ou do bolinho de chuchu, que só ela sabia fazer.
Resolveu deixar a Bela Vista e se mudou para os Campos Elíseos. No final da década de 1940, foi viver com Inocêncio Tobias, também carnavalesco e que fazia parte da diretoria do Cordão Campos Elyseos. A turma do Vai-Vai ficou furiosa quando Sinhá deixou tudo para trás e ingressou no cordão rival. Ela tinha que sair muito bem disfarçada para não apanhar e não ter a fantasia rasgada pelos membros do cordão da Bela Vista.
Em 1950, nasceu o único filho do casal, Carlos Alberto Tobias, que faleceria jovem, aos 40 anos, em 1990.
Inocêncio Tobias, grande baluarte do samba paulista, nasceu em 1905, em Jundiaí, SP. Aos 15 anos deixou sua cidade natal e mudou-se para a capital paulista. Trouxe consigo as recordações do pai, festeiro do interior, e do avô, pandeirista. Não demorou muito para se associar ao cordão Camisa Verde, na Barra Funda.
Por volta de 1952, Tobias desentendeu-se com a diretoria do Campos Elyseos e se retirou do cordão. Conversou com outros três amigos no Largo da Banana e decidiu que iria falar com Dionízio Barbosa, tio de Sinhá, para reativar o cordão Camisa Verde. E assim, inicia-se a segunda fase desta pioneira sociedade carnavalesca
A turma da Barra Funda chorou de alegria, antigos membros voltaram a integrar o cordão. Inocêncio, Sinhá e demais associados, batalharam com muita garra para o crescimento e reconhecimento do grupo nos anos seguintes. Começaram a ensaiar na rua, em frente ao porão onde Sinhá e Inocêncio moravam, à Rua Conselheiro Brotero, 338. No início, os vizinhos reclamavam do barulho. Depois, foram se afeiçoando ao cordão e tornaram-se contribuintes.
Em 1970, Tobias inaugurou o salão São Paulo Chic, à Rua Brigadeiro Galvão, que também ficou sendo a sede de sua escola de samba. Em pouco tempo, o salão passou a ser frequentado por estudantes universitários e depois pela classe média, tornando-se um ponto de referência do samba na cidade. Nos anos 1970, a EMURV doou ao Camisa Verde um terreno na Rua James Holland, na Barra Funda de baixo, para construção da sede da agremiação.
Inocêncio Tobias faleceu aos 75 anos em 21 de setembro de 1980. A escola, então, passou a ser dirigida por Carlos Alberto Tobias, tendo sempre ao lado sua mãe, Dª. Sinhá, que era chefe da ala das baianas do Camisa Verde. Depois que seu companheiro faleceu, Sinhá deixou a Barra Funda, indo morar no Imirim, próximo de seus 17 netos e 14 bisnetos.
Dª. Sinhá “ferveu” muito no samba, ficando famosa por sua leveza e flexibilidade acrobática como baliza. No final dos anos 1970, foi agraciada por todas as escolas de samba de São Paulo com o título de “Dama do Samba Paulista”.
Muito estimada e querida na comunidade alviverde, Sinhá veio a falecer aos 71 anos, em 24 de fevereiro de 1988.
Em sua homenagem, a G.R.C.E.S. Raízes de Vila Piauí, de São Paulo, em 1989, teve como tema a vida desta grande foliona. O samba enredo Dona Sinhá – A Primeira Dama do Samba foi escrito por Denício e Finé.
Ó Raízes
Que lindo tema melhor não há
É nossa primeira dama do samba
Cacilda da Costa. Dona Sinhá.
Menina do Bixiga e Barra Funda
Seu coração é preto, roxo e verde-branco.
Alguém perguntou qual a razão
Ela deixou claro com um sorriso franco.
Sinhá do samba
Sinhá dos cordões
Desde menina
Alegrando multidões
Sinhá lembra os velhos carnavais
Do pierrô e colombina
Do corso das lindas fantasias
Lança perfume, confete, serpentina
Ela foi baliza, foi príncipe, foi rei
Naquela cadência de samba
Vai-Vai, Campos Elíseos e Camisa
Deu a primeira Dama do Samba
Alô povão da Piauí
É a raiz que segura o tronco
Não deixa cair.
Foto destaque: D. Sinhá em 1987
[i] Livro de batismo da paróquia do Divino Espírito Santo nº 28-1-18, página 128, nº do registro 681.
Thais Matarazzo é paulistana, jornalista, escritora, pesquisadora cultural e diretora da Editora Matarazzo (Brasil). Organizadora das antologias da Editora Matarazzo. Tem 17 obras publicadas lançadas no Brasil e em Portugal, entre elas, “Fado no Brasil: Artistas & Canções” (2013), “Artistas Negros da Música Popular e do Rádio” (2014), “Brasil & Portugal: teatro, músicas, artistas e tal” (2015), e “Giro noturno: fragmentos das noites paulistanas” (2017).
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