AS RUAS DE POMPEIA – por Francisco da Rocha

 

In memoriam omnium Pompeianorum plebis
perierunt anno LXXIX A.D.
Pompeii, Aestate MMXXI.

Num meio-dia escaldante de Verão,
Perambulávamos pelas ruas desertas de Pompeia
Espiávamos pelas janelas abertas das casas e vilas destelhadas,
Hipnotizados pelos objectos carbonizados e mudas, petrificadas estátuas humanas,
Pestanas semicerradas contra os raios solares omnipresentes
Que pareciam envolver as testemunhas do Passado numa luz ofuscante,
Impressionados diante dos templos vazios, em silêncio pensante,
Ansiosos por ouvir os ecos das orações nunca atendidas,
Pedidos e suplícios dos adoradores de numes há muito extintos.

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

Apolo, Ceres, Ísis, Júpiter, Minerva, Mercúrio, Neptuno, Príapo, Vénus e Zeus?
Inúteis divindades que abandonaram os seus adeptos à fúria da Natureza,
Indiferentes à chuva de pedras e cinzas a cair do céu.
Pompeianos, aceitaríeis post hoc, sem pestanejar,
A presunção da inocência dos Deuses no Tribunal da Humanidade?
Ou continuaríeis adoradores devotos apesar da calamidade?

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

O ardor das indagações brechtianas tumultua a mente durante o passeio.
Cansado da procissão de nomes de senadores e comerciantes ricos,
Casca Longus, Diomedes, Holconius Rufus, Paquius Proculus und Marcus Porcius,
Pergunto-me se pelo menos as alcunhas dos obreiros das ruas de paralelepípedos
E dos magníficos edifícios que até do irado Vesúvio d’alguma forma escaparam,
Estariam incrustados n’alguma pedra qualquer, n’algum muro qualquer
A desafiarem orgulhosamente a voracidade destrutiva do Tempo.

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

Calmos a procurar a “Casa de Orion” e a “Casa com o Jardim”,
De estômagos vazios diante da Padaria Popidio Prisco,
Tivéssemos ali entrado, como outrora Iulus ao Enéias,
“Ei, estamos a comer as nossas mesas?”,
Teria o jovem Delius perguntado se tudo deveríamos devorar?
Eu preferia uma corrida ao Thermopolium sem mais subterfúgios
E um pato assado e peixe fresco no anzol ordenar,
Se bem que todos ali porco fritado, queijo ao forno e caracol preferissem saborear.

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

O suor a escorrer em profusão nas nossas testas,
A segurar vazias garrafas plásticas d’água nas nossas mãos,
O sol inexorável a ferver os nossos miolos,
Teríamos com prazer mergulhado nos balneários de Marcus Crassus Frugi,
Mas lambíamos os nossos lábios atormentados pela sede implacável
E em vão a vila de Marcus Tullius Cicero procurávamos,
Atónitos diante da confluência entre eventos há muito esquecidos
E as nossas emoções actuais.

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

Com que satisfação haveria pedido um pato assado
E uma caneca de vinho no termopólio da Asellina,
Se o mesmo não se encontrasse abandonado,
Como se os obreiros, outrora arrebatados em correntes dos seus torrões natais,
Nunca fossem regressar da merecida pausa de almoço,
Dispersados em pânico face à chegada da Morte repentina
Diante da súbita catástrofe a desenrolar-se sobre as suas cabeças.

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

Pompeia, é impossível ignorar os teus numerosos bordéis,
O Lupanare Grande perto da Via Abondaza,
Ali, não muito longe, onde a Justiça outrora no Fórum reinava,
Lá, perto da casa de banho, onde Hígia a pureza e saúde representava,
Lá, onde corpos escravizados, objetos da irrefreada lascívia dos fregueses,
Comprados eram por alguns sestércios, gado humano no Mercado do Prazer,
Violados em espaços minúsculos e fedegosos,
Entregues à angústia e à loucura da Desesperança.

Adultera, Berenice, Cressa, Euplia, Flávia, Fortunata e Victoria,
Quê estaríeis a pensar aprisionadas nos vossos cubículos claustrofóbicos,
Envoltas na tóxica fumaça de lâmpadas falocêntricas e afrescos afrodisíacos?

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

Párias do civilizado modo de vida romano,
Desamparados da Fortuna e dos Deuses,
Abandonados pelos vossos “maestri” romanos,
Teríeis vós, oh cativos, no vosso desespero, pensado nos entes queridos algures,
Repentinas reminiscências duma vida plena para sempre perdida?

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

A multidão de senhores e senhoras gordos, magros, modestos e orgulhosos,
Tomados pelo pavor, fugia em direção à frota no porto,
Curvados pelos fardos de moedas e jóias que consideravam tão importantes,
Teriam alguns deles, exasperados, levantado as mãos no instante fatal?
Porquê insististe em juntar as tuas moedas d’ouro,
Oh Dona Incógnita da Casa do Fauno?
Teria sido a pura ganância mais importante do que a própria vida?

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

Quão contente teria com todos proseado,
Pudéssemos de alguma forma ali nos encontrarmos,
Se não apenas para os tranquilizar,
Os Subjugados de tempos idos e Apátridas do Infortúnio,
Pelo menos para a sobrevivência póstuma lhes assegurar,
Porquanto, se as palavras ao vento voam,
a Memória permanece na escrita e o Passado e o Presente inseparáveis são.

Pompeia, acorda do teu sono secular e revela-nos os nomes dos teus construtores!

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Francisco da Rocha nasceu em Belo Horizonte, Brasil, no ano de 1961. Estudou História na Universidade Federal de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais. Vive actualmente na Alemanha,. Cursou o Mestrado em Ciência Política, Sociologia e Educação na Universidade de Kassel, Doutorou-se em Economia na Universidade de Bremen (Dr rer.pol.). Trabalhou como Tradutor para o Tribunal Distrital de Kassel e analista Político na Universidade na mesma cidade. Trabalhou como integrador social e como conselheiro para refugiados de guerra no Norte Alemanha. Escreve periodicamente para a revista sociológica austríaca “Soziologie Heute”.