O Castelo du Grand Perron – Rosa Sampaio Torres

O Castelo du Grand Perron

O presente artigo pretende chamar a atenção do leitor para a precursora atuação republicana do intelectual e conspirador florentino Bartolomeo di Mainardo Cavalcanti – empenho republicano que obteve até mesmo o reconhecimento, paradoxalmente, de uma rainha. O artigo apresenta como pano de fundo o Chateau du Grand Perron – castelo comprado por Bartolomeo na França, que descobrimos ainda se mantém em relativo estado de conservação.

Sobre as relações de amizade entre rainha da França, Catarina de Médici, e a família Cavalcanti de Bartolomeo muito há a ser recordado.

O reconhecimento de Catarina de Médici aos membros da família Cavalcanti – especialmente Mainardo, pai, e seu filho Bartolomeo por terem salvado sua vida quando ainda uma criança é assunto de relevância histórica, merecedor de estudos aprofundados. A pequena Catarina esteve refém nas mãos de revolucionários radicais republicanos quando dos episódios da Republica Florentina de 1530-37, tema já abordado em nossos artigos “Médici x Cavalcanti”, “Bartolomeo Cavalcanti” e “Conspiração Pucci & Cavalcanti” – artigos publicados em nosso blog com todas as fontes.

Em “Bartolomeu Cavalcanti” mencionamos que revoltosos mais radicais ameaçaram a pequena Catarina de ser baixada numa canastra nas muralhas da cidade, frente à tropa, ou mesmo de ser enviada para um bordel militar. Por fim, a muito jovem Catarina foi obrigada a desfilar no meio de turba enfurecida. Por intervenção de Mainardo e Bartolomeu Cavalcanti, lideres revolucionários, mas não radicais, a revolução fora por fim abreviada.

Catarina ao crescer tornara-se Rainha da França. Para seu casamento convidou Bartolomeu, que nesta ocasião foi até mesmo homenageado publicamente. Levara ele no cortejo do casamento de Catarina para a França sua pequena filha Lucrecia e um pequeno filho do seu parente Giovanni di Lorenzo Cavalcanti, do ramo Cavalleschi – parente que já estava também a perigo político em Florença frente aos prepotentes Médici, de ramo mais tarde migrado para o Brasil.

A partir do casamento de Catarina, as relações dos Cavalcanti com a corte francesa se tornaram cada vez mais estreitas. Bartolomeo exilado de Florença ocupou em Versailles o cargo de “Maitre D Hotel” do rei Henrique II, marido de Catarina. Entretanto, ainda na ocasião continuava conspirando pela República florentina e será até mesmo apoiado por esta rainha, também ela já “sdegnosa” contra seus parentes Medici que não haviam honrado compromissos relativos ao seu próprio dote.

A influência de Bartolomeo na corte de Catarina se fará sentir mais adiante através sua filha Lucrecia, tornada dama de honra da rainha e casada com outro importante banqueiro exilado de origem florentina, Bernard Albizzi Del Bene.

Um belíssimo quadro ainda hoje marca a harmoniosa convivência entre as duas jovens senhoras – Lucrecia Cavalcanti retratada na companhia de Catarina de Médici aparece em bela cena campestre, entre várias outras jovens damas florentinas refugiadas – todas gentilmente abrigadas nesta corte.

O marido de Lucrecia, dos Albizzi del Bene, já passara para a França no começo do século, ainda no governo do rei francês Francisco I. Bernard Albizzi D´Elbène foi intelectual, escritor, banqueiro, conselheiro e “almocer” da rainha francesa – seu agente financeiro na península italiana. Dele se disse ter sido o “general e superintendente das finanças que saiam do Reino” no período de reinado de Henrique II (1547-1559) – “facteur” da banca Gadagne – em suma o responsável pelas ligações financeiras com os atuantes conspiradores na península italiana.

Em 1552, durante o episódio da guerra entre a França e as forças do Sacro Império Germânico, Bartolomeo Cavalcanti foi ainda convocado pela rainha Catarina para atuar na defesa da remanescente Republica de Siena, na Toscana, ameaçada pelas forças dos Medici e do Império. Em 1555 ele atua como regente da cidade em nome dos franceses. Catarina escolhera Bartolomeo seu representante na guerra em Siena e com certeza acompanhara a situação dolorosa do jovem Giovanni, filho de Bartolomeo, tornado nesta ocasião refém por Cosimo I de Medici.

Derrotadas as forças republicanas na luta inglória pela republica de Siena, Bartolomeo voltara à França em 1555 e comprara para sua filha Lucrecia o Castelo do Grand Perron próximo de Lyon, do seu parente afim Antonio Gondi. Mas aí Bartolomeo pouco irá permanecer.

No ano anterior, Bartolomeo Cavalcanti tivera seus bens em Florença arrestados, declarado rebelado e traidor. Mesmo assim, na corte francesa de Versailles “os fuoriusciti” – republicanos florentinos exilados – não haviam desistido de combater os banqueiros Medici prepotentes. Aí sempre muito bem acolhidos, esses “fuoriusciti” logo retomavam teimosos às suas atividades conspirativas – conspiradores pertinazes cada vez mais indignados depois da derrota em Siena, a partir da corte de Catarina pretendiam continuar em ação pela Republica florentina.

Catarina de Médici acolhera a pequena Lucrecia com amizade em sua corte, e também o pequeno filho de Giovanni di Lorenzo Cavalcanti, do ramo Cavalleschi, que tudo indica aí teria permanecido. Assim sendo, Catarina teria recebido com igual gentileza a visita em sua corte do filho do banqueiro Tomasso Cavalcanti, do ramo Ciampoli da família – o elegante e decidido Stolto que tramava juntamente com Bartolomeo a conspiração florentina de 1559. Por fim ela mesma dera o aval final para esta desesperada e vingativa “Conspiração Pucci-Cavalcanti” que dramaticamente pretendeu explodir o trono do poderoso e tirânico Cósimo di Medici da Toscana.

Com o fracasso da “Conspiração Pucci e Cavalcanti de 1559” Catarina deve ter sinceramente lamentado a morte trágica do tão jovem e sofisticado conspirador Stolto, decapitado em punição pelos Medici – ainda a morte logo depois do seu sofrido pai, Tomasso. Adiante lamentado o fim inglório do próprio Bartolomeo – tantos outros Cavalcanti exilados e foragidos. E Filippo Cavalcanti do ramo Cavalleschi no ano seguinte, fugitivo, vem parar no Brasil.

A visita de Catarina ao ”Grand Chateau du Perron” – residência de Lucrecia – para prestigiar sua dama de honra após a morte de Bartolomeo em 1564, será realizada na companhia de seu próprio filho, o rei Henrique III, fato que nos deixa perceber a medida da amizade e do reconhecimento desta rainha aos Cavalcanti – em especial a esta descendente de Bartolomeo – um sincero e empenhado republicano florentino, falecido quando ainda abrigado na corte de Pádua.

Neste castelo do “Grand Perron”, Lucrecia Cavalcanti receberá certamente com todas as honras possíveis Catarina de Medici e o rei Henrique III, depois da morte de seu pai.

O filho de Lucrecia, Alessandro d´Elbène, nascido em Lyon (1554-1613) adiante há de se destacar como militar em atividades na França e, em 1597, chegará a Conselheiro de Estado francês – cargo antes até mesmo ocupado pelo conspirador e poeta do ramo brasileiro, Guido di Giovanni Cavalcanti. Guido, irmão do patriarca brasileiro Filippo Cavalcanti – tido como o segundo poeta Guido da família – nesta corte também tivera carreira completa, chegando a Conselheiro da Rainha.

Já o outro filho de Lucrecia – Pierre, abade e humanista – ocupará o cargo de professor assistente do erudito florentino Jacobo Corbinelli na corte francesa. Corbinelli igualmente havia sido perseguido por envolvimento na Conspiração Pucci-Cavalcanti de 1559.     Pierre del Bene acompanhará Jacobo Corbinelli na leitura de Tácito, Políbio e Maquiavel – este o pensador preferido de seu avô Bartolomeo. Pierre d´Elbène, ou simplesmente del Bene, foi também poeta, nomeado “aumonier” em 1558 na corte de Charles IX, filho de Catarina. Falecido em 1590.

O castelo Du Grand Perron a nosso ver apresenta relevante simbolismo, não só para a família Cavalcanti – família atualmente muito numerosa no Brasil – mas também, em seu sentido histórico mais amplo, relacionado à tarefa republicana precursora de Bartolomeo Cavalcanti. O Chateu du Grande Perron, localizado por nós próximo de Lion, ainda hoje de pé, em péssimas condições, não sabemos se pode ser visitado.

Neste Castelo viveram não só as personalidades da família Cavalcanti referidas, mas também em período anterior os parentes maternos de Lucrecia, da família dos Gondi – estes desde o começo do século exilados na França, aí também apoiados pelo rei francês.

O castelo du Grand Perron ainda hoje existente sofreu grandes prejuízos pelo passar do tempo, localizado no município de Pierre-Bénite, metrópole de Lyon – onde um grande vale separa esta área de Longchêne, a maior parte do Centro Hospitalar Lyon Sud.

No castelo du Perron, em que pese seu grande abandono e decadência, ainda estaria em sua lareira um antigo brasão dos Gondi, e possivelmente também dos Cavalcanti.

Mais algumas informações e fontes no nosso blog – artigo “O Castelo du Perron”.

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Rosa Maria Sampaio Torres – pesquisadora em História (PUC-Rio), é também graduada em Estudos Sociais e pós-graduada em Ciências Políticas. Aluna do filósofo brasileiro Carlos Henrique Escobar acabou por desenvolver, também, seus dotes artísticos – especialmente como poeta, autora do livro “Bendita Palavra”. Já reconhecida como ensaísta, é autora de inúmeros artigos históricos sobre a família Cavalcanti, da qual descende, e agora sobre o poeta Guido Cavalcanti.