CEM ANOS DEPOIS DE ATHENA – por Rui Lopo

CEM ANOS DEPOIS

Por motivOs que não interessa agora referir, em 2017, fui impelida a criar uma Revista que queria de literatura, poesia, cultura e artes. Um projecto aberto às novas gerações que não tendo possibilidade de publicar tanto quanto gostariam, pudessem aqui ser acolhidas. Como refere Fernando Pessoa, na Mensagem, no poema dedicado ao português mais empreendedor de todos os tempos, o Infante D. Henrique, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, neste caso já pôde sonhar uma mulher, que com o apoio de outras mulheres e também de alguns homens, originou este projecto que intitulou, acompanhando o fio do tempo, Athena.pt, porque agora outros empreendedores de vários continentes, ditaram não ser o papel o único meio de publicação e difusão, disponível, a todo o tempo, a toda a hora, no mundo inteiro. A revista Athena surgiu em Outubro de 1924 em Lisboa sob a direcção de Fernando Pessoa, contou com cinco números, e esta nossa, bem mais modesta, já vai nos trinta números, na altura em que a Athena original faz cem anos.
Agora no final de 2024, ano de comemoração do centenário, este jovem projecto, conta e situa o historial da publicação original, pela pena de Rui Lopo, a quem agradeço a generosidade do ensaio em torno da sua fundação e vida breve. Sabemos ser quase impossível, sejam quantos forem os anos da nossa publicação, igualar o rasgo criativo de Fernando Pessoa, mas também não aspiramos a isso: apenas a fazer pequenas coisas na senda do sonho pessoano. O resto, a Deus graças.                                                                              Júlia Moura Lopes                                                                                                                                                        http://athena.pt


CEM ANOS DEPOIS DE ATHENA

I

O Modernismo como Vontade e Representação

Uma revisitação lúcida suscitada pelo centenário do modernismo que a partir de 2015 se assinalou, tomando como ponto simbólico de referência a publicação de Orpheu em 1915, assume que as revistas marcam a constituição de grupos e movimentos de ruptura histórica de ampla repercussão. Isto é, mais que assinalar uma obra ou um autor, são os encontros de autores entre si incoincidentes que nos fazem repensar a operatividade de considerar a história cultural a partir da ideia de geração e da quase contingência da afirmação grupal em projectos como o Eh Real! (1915), Centauro (1916), o Exílio (1916), o Portugal Futurista (1917), Sphynx (1917); Contemporânea (1922-26) e Athena 1924-1925). Nos últimos anos organizaram-se colóquios e publicações evocativas destas revistas. É hoje mais fácil aceder ao enorme acervo documental necessário ao estudo pelo facto de estarem em constante aperfeiçoamento importantes sítios em linha como o modernismo.pt e Revistas de Ideias e Cultura – Portugal e o Arquivo Pessoa: Obra Édita e o Edição Digital de Fernando Pessoa.

Do estudo destes projectos editoriais e da sua meditada releitura ressalta a constatação da pluralidade de vozes no seio do que hoje denominamos como modernismo, que nos leva a identificar – em certa medida – uma autoria colectiva das novas propostas literárias e artísticas que se iam apresentando e que fundas consequências tiveram. Na leitura global que propomos, é necessário relativizar a noção de autoria individual valorizando autores até agora menos atendidos, mas afinal determinantes na constituição do espírito do movimento modernista português em seus plurais matizes. Há que estudar sincronicamente o contributo dos participantes nestas revistas em torno de dois eixos principais até aqui obliterados: primeiro importará detectar se nos novos modos de assumir a Arte pictórica ou literária, poética ou ficcional, haveria ou não, subjacente, um programa teórico filosoficamente fundamentado. E de que modo os textos doutrinais e ensaísticos destes autores o revelam e explicitam, numa perspectiva colaborativa, constelada e reticular? Poderá o cultivo da crítica de arte por parte dos próprios artistas ser entendido como uma forma de autoconsciência do seu processo criativo? Por outro lado, importaria aquilatar de que modo é que as novas atitudes filosóficas da passagem do século contribuem para enquadrar, fundamentar ou orientar os novos projectos estéticos para os quais não existiam ainda possibilidades, modos ou categorias de recepção. Haveria, contrapolarmente, que esclarecer como o entendimento até então dominante da categoria filosófica de representação sofre um decisivo abalo a partir das obras de Ângelo de Lima, Amadeo Souza-Cardoso, Raul Leal, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro. Isto é: opera-se uma redefinição da apresentação artística como nova representação do mundo, em seu triplo aspecto: gnosiológico, desconfiando da representação científica ou naturalista; sócio-existencial, revelando o lado teatral de toda a actividade humana, social e política; e ontológico, mostrando todo o ser como representação prévia inconsciente, mais ou menos volitiva. Colocamos assim a hipótese de que o modernismo português supõe uma revolução filosófica prévia e simultânea, que até agora não foi assumida ou explicitada e, em segundo lugar, que os desenvolvimentos filosóficos do século XX português são impensáveis sem o influxo da revolução estética modernista e futurista.

II

Athena? Que Athena?

Um colóquio para Athena!

Tendo como horizonte o sempre incertamente delimitável conceito de moderno e de modernismo a partir do estudo das suas mais influentes revistas, em que se ensaiaram novas formas de escrever e ler a tradição e novas formas de pensar o fenómeno artístico atendendo com inaudita punção ao modo como a sua actualidade o determina, e sua época constitutivamente o enforma, colocamos a hipótese de que criar o moderno implicou que o criador se assumisse enquanto sujeito futurante de um presente incompleto.  Assinalando-se este Outono o centenário da revista Athena editada por Ruy Vaz e Fernando Pessoa em cinco números mensais saídos entre Outubro de 1924 e Fevereiro de 1925, entendeu o Grupo de Investigação Raízes e Horizontes da Filosofia e da Cultura em Portugal do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto organizar um colóquio que pretende colocar questões e lançar hipóteses de trabalho. O colóquio tem como mote a pessoana injunção: não se aprende a ser artista, aprende-se porém a saber sê-loAthena suscita uma certa estranheza, difícil de circunscrever: porque é que aqueles que se manifestam culturalmente num gesto de fractura e cisão optaram por tal título grego? Que (neo-)helenismo é este dos modernos e em que se distingue do neo-helenismo dos renascentistas ou do dos românticos? Qual a natureza, função e valor deste título? Decoração, mais ou menos irónica? Será ele orago, inspiração ou totem? Figura tutelar ou mito fundador (contraposto a Orpheu?) E nisto tudo não se intui algo de programático?

Em que medida a concretização de Athena cumpre o plano de difusão neopagã? Como é que o neopaganismo inspirador da revista pôde acolher colaborações tidas por (neo)clássicas, românticas e contemporâneas? Em que medida é que este modo multiforme de estar na modernidade prepara ou antecipa a presença? O que fez juntar numa revista de arte, que se apresenta, pela pena do seu director, como um acto de cultura, isto é, um modo directo de aperfeiçoamento subjectivo da vida, autores tão diversos como Fernando Pessoa que aparece como teorizador da revista, como crítico, poeta e tradutor (de Poe, Pater e O. Henry), Ricardo Reis, Álvaro de Campos, que também surge como teorizador e como poeta, Alberto Caeiro, Henrique Rosa, Almada Negreiros, António Botto, Mário Vaz, o Visconde de Meneses, Mário de Sá Carneiro, cuja colaboração póstuma, escolhida e interpretada por Pessoa, como que o canoniza, Raul Leal, Augusto Ferreira Gomes, Francisco Beliz, Gil Vaz, Castello de Moraes, José Pessanha, Emanuel Ribeiro, Luiz Montalvor, Mario Saa, Cardoso Martha, Carlos Lobo de Oliveira, Antonio de Seves, Alves Martins, Francisco Costa e Alberto de Hutra?

Sentimos que falta trazer à luz o contributo propriamente filosófico desta revista para a qual Pessoa planeara convidar Leonardo Coimbra. Em Athena avulta a colaboração poética de Alberto Caeiro que Pessoa integra programaticamente ao serviço de uma nova proposta filosófica, o objectivismo absoluto; de Álvaro de Campos com seus Apontamentos para uma estética não-aristotélica, onde se procura substituir a ideia de beleza pela ideia de força, e em O que é a metafísica?, visa redefinir tal matricial conceito, o que dará azo a uma bem encenada polémica filosofante com Mário Saa que procuraremos explicitar e enquadrar. Daremos conta que Loucura Universal, de Raul Leal, é afinal um excerto de uma extensa autobiografia filosófica do autor lavrada a partir de um criativo exercício hermenêutico a partir da sua peça de teatro autobiográfico-reflexivo O Incompreendido. De relevar ainda como M.V. [desencriptado por Patrícia Esquível como sendo o crítico Mário Vaz] propõe uma reinterpretação de algumas obras plásticas e escultóricas à luz de novos princípios de teoria da arte. Procuraremos refletir sobre os elementos programáticos explícitos e implícitos na revista sob a forma de textos ensaísticos que apresentam objetivos e princípios estéticos, e pelo cultivo de várias expressões e géneros literários por parte dos colaboradores (Almada como dramaturgo, poeta e desenhador, Saa como poeta e crítico, Pessoa como tudo, etc.). Há que colocar a hipótese de haver algo de dramático, teatral, performático, em toda esta encenação editorial, em que cada participante desempenha vários papéis, de forma mais ou menos consciente e voluntária. Apontar-se-á ainda a ocorrência de tópicos simbolistas tardios, orientalistas e decadentistas, que nunca deixam de ocorrer nas revistas hoje classificadas como modernistas. Daremos especial importância ao facto de a revista ter como projeto inicial a difusão neopagã, assumindo-se como parte duma vasta e complexa campanha de repaganização da vida, da sociedade e da cultura, o que pode não a definir no seu resultado global, mas avulta poderosamente nas colaborações de Campos e Reis e, de algum modo, nas ocorrências clássicas, mais ou menos explícitas. Ficará ainda por apurar até que ponto o neopaganismo pode ser encarado mais do que como uma criação literária pessoana, como um mais vasto movimento que tem em alguns destes autores um momento de expressão, mas que nunca será interrompido na cena cultural subsequente. A crítica, tanto de literatura como das artes plásticas, surge na Athena como um lugar intermédio, de conexão, lugar medial, entre a criação artística e literária e a reflexão filosófica em si própria, continuando-as por outro modo. Talvez tudo isto se resuma, sintetize e culmine na possibilidade pioneiramente avançada por Álvaro de Campos de redefinir a metafísica como uma das belas-artes, como que implicitamente replicando à cautelar advertência de Kant a qualquer metafísica que se apresente como ciência.

Rui Lopo, Porto, Novembro, 2024

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Rui Lopo é formado em Filosofia e membro do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira. Trabalhou com o espólio de José Marinho, depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, e com o arquivo de Agostinho da Silva, sobre quem publicou diversos ensaios e a cuja comissão do centenário pertenceu. Autor. Colabora em Raízes e Horizontes do Pensamento e da Cultura Portuguesa e é investigador do IF-FLUP no projeto Filosofia e Teoria da Arte no Pensamento do Século XX em Portugal. Ocupa-se, ainda, do estudo da receção do budismo na vida intelectual portuguesa (1850-1940).

EÇA DE QUEIRÓZ NO PANTEÃO? – EDITORIAL POR DANYEL GUERRA

EÇA DE QUEIROZ NO PANTEÃO?
SIM, MAS COM UMA CONDIÇÃO…

“Ao rei tudo, menos a honra”
Calderón de la Barca       

I – Eça de Queiroz. A exemplaridade da sua vida, a excelência da sua obra, a modernidade da sua herança cultural, artística, intelectual  merecem ser (bem) lembradas, são credoras de reiterados tributos. Como, por exemplo, a projeção num ecrã de ‘O Mandarim’, a montagem num palco de ‘A Capital’, a publicação de um ensaio crítico sobre ‘A Relíquia’. O que este insigne autor de dimensão universal não merece, de certeza, é “ver” seu “descanse em paz”perturbado, ter suas (prezável) memória e (impoluta) honorabilidade molestadas pelo viés da vendeta, da armação, da instrumentalização típicas da (baixa) política. Distorções que denunciou, deplorou, até execrou, com estóica têmpera e fértil poder fabulatório, seja enquanto inspirado ficcionista e talentoso romancista, seja enquanto incisivo cronista e aquilino publicista. Continuar a ler “EÇA DE QUEIRÓZ NO PANTEÃO? – EDITORIAL POR DANYEL GUERRA”

EDITORIAL – O CORPO E O ESPÍRITO – por M. H. Restivo

© Pixabay

Conto do vigário, sem séria burla à mistura, sobre a existência e o seu contrário

O corpo é a nossa primeira e última realidade. Tendo todos direito à sua opinião como à sua religião, acreditamos que só há espírito porque há corpo e, por isso, se se vai o corpo, vai-se também o espírito. O espírito é o corolário desta realidade complexa a que chamamos corpo, segue-se dele, no princípio e no fim. Continuar a ler “EDITORIAL – O CORPO E O ESPÍRITO – por M. H. Restivo”

EDITORIAL – IDEIAS SOBRE A POBREZA – por Maria Toscano

Urgem ideias-comuns menos pobres
sobre a pobreza

Reflectir sobre a pobreza nesta época de Natal – desafio da Direcção da Revista Athena a que me cumpre corresponder como estudiosa dos processos de saída — ou requalificação social — de quem é reconhecido como tendo sido pobre.

Começo por recordar noção sólida e transversal aos diversos estudos sociais sobre o fenómeno: a pobreza é um problema multidimensional.

Quem não sabe disto? Quem pode afirmar que nunca ouviu o enunciado das diversas carências que se acumulam num modo de vida dito pobre? Ou, trocando por miúdos: nem a condição social para se ser pobre é linear, nem é gerada -decorrente-causada apenas por um factor.

Quem nunca contactou — numa notícia radiofónica, num debate televisivo, num documentário, mesmo num filme ou numa canção — com o relato da acumulação de carências ou da passagem da ‘falta’ de um recurso à centrifugação da vida pela reprodução da escassez ou ausência de recursos?

Enfim: quem nunca se apercebeu da dor múltipla em que o quotidiano se transforma quando se empobrece por desemprego, ou por um divórcio/separação, ou por maus tratos de cônjuge, ou por dificuldade ou desorganização entre os gastos feitos e os possíveis?

Acrescento: sendo a pobreza vivida por pessoas singulares e únicas, estas vivências integram, sempre e simultaneamente, sectores e meios onde essa condição é transversal e/ou partilhada — outra noção chave para a sociologia e os estudos dos sociais em torno da pobreza e da exclusão social.

Isto é: constatar a multiplicidade das carências vividas por quem vive em condição de pobreza de todo significa que tenham uma causa singular ou individual; é, sim, conseguir perceber que a multiplicidade dos factores é acentuada ou cruzada pela dimensão colectiva e social do que são modos de vida construídos como pobres e como não pobres. Modos de vida que se reproduzem pelos comportamentos, como pelas atitudes e pelas mentalidades, modos de pensar, de falar e de sentir.

Somos todos testemunhas.

Até talvez já tenhamos uma noção dos conceitos ou das teorias sobre a pobreza.

O problema parece-me estar justamente aqui: no facto de acreditarmos que temos uma ideia do assunto, pelo que, todos formulamos uma análise, ou várias, discordantes; e, claro, em consequência, acabarmos por concordar que “como sempre houve pobreza, continua a haver e sempre haverá pobreza”.

O problema é que, ainda que seja mais fácil-cómodo alinhar na frase comum de que “sempre houve pobreza” não temos evidências disso. Aliás, temos evidências de que as desigualdades entre os mais e os menos poderosos foi uma construção, crescentemente elaborada e justificada-legitimada para alimentar o conformismo e a desistência de contribuir para outra maneira de organizar recursos e vida social. A história humana ensina que foi a ‘descoberta’ da terra privada, das ferramentas, instrumentos e alfaias privadas, e a invenção dos alojamentos, dos parceiros e das crias gradualmente exclusivos e ‘privados’ que acelerou a emergência e gradual desigualdade de sectores sociais poderosos, menos poderosos e não poderosos. Desigualdades e poderes são determinantes na emergência e manutenção de realidades pobres.

De todo se pretende defender um – impossível – regresso ao passado ou o saudosismo das puras origens. O tema é: atenção a preconceitos, ideias-feitas disparatadas e sem qualquer suporte empírico-real-fundamentado.

A ciência tem o dever de se tornar clara e acessível – o cada vez tem conseguido mais, como cada vez mais integrar de forma explícita as noções com que governamos e conduzimos as nossas vidas globalizadas.

Sendo a pobreza uma condição multidimensional, colectiva e relacionalmente construída e legitimada e mantida-reproduzida, não bastam à sua mutação e superação  acções singulares, particulares e isolada no tempo e dos vários sistemas-contextos-sectores sociais.

A pobreza subjaz à degradação ecológica dos recursos do planeta; a pobreza suporta o tráfico de seres humanos; a pobreza alimenta as relações de género degradantes e agressivas (podendo estas desenvolverem-se noutros contextos não ‘pobres’); a pobreza estimula a competição, o individualismo, o insucesso escolar e a ignorância social; a pobreza é o rosto das incapacidades relacionais e de justiça que as nossas sociedades manifestam e, nalguns casos, aprofundam.

Somos todos testemunhas.

Sejamos todos sujeitos de mudança, a começar pela distância entre aquilo que pensamos e fazemos.

Ou, calemo-nos de vez e assumamos que, por sermos tão miseráveis, nem somos capazes de admitir que o fim da pobreza envolve e implica a todos, porque os recursos-mãe e os contextos e modos de legislar e organizar a vida são… colectivos, relacionais e sociais.

Que tal, neste Natal, deixarmos de nos convencer(mos) de que somos muito humanos e, de uma vez por todas, admitirmos que aquela gastíssima frase – “pois, sempre houve pobreza…” – sendo cómoda, é uma falácia, pois é um dos nossos comportamentos miseráveis que reproduzimos e nos faz, também por isso, sermos pobres?

Que tal assumirmos ideias menos pobres sobre a pobreza… e acções…?

 ♦♦♦

Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.
Figueira da Foz, 3 de Dezembro / 2022

EDITORIAL- BORGES TINHA RAZÃO, MAS ….- por Danyel Guerra

Jorge Luís Borges

    Creio que os jornais fazem-se para o esquecimento,
                        enquanto os livros são para a memória”(1)

Jorge Luís Borges        

BORGES TINHA RAZÃO
MAS NÃO FOI RAZOÁVEL

1- O ano de 1946 decorria politicamente atribulado na República Argentina. Após ser solto da prisão e se ter casado com Eva Duarte, Juan Domingo Perón ganhava nas urnas, a 24 de fevereiro,  o direito a residir, como presidente, na Casa Rosada. Uns meses depois, o funcionário Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo foi remanejado do seu lugar numa biblioteca municipal da Grande Buenos Aires, sendo mandado inspecionar aves e coelhos nos mercados da capital.

Os motivos são notoriamentre políticos. O portenho de 47 anos, festejado inventor de Ficciones, havia assinado pronunciamentos de intelectuais contra o general Perón. Um saneamento em coerência com os novos tempos que sopravam nas margens do rio de la Plata.

Ignoro de todo se, em tão tumultuada época, o proscrito já sustentava a controversa opinião expressa na epígrafe deste texto.  Se já a defendia, será caso para se dizer que o caudillo justicialista “escreveu direito por linhas tortas”. Nessa conformidade, terá sido, outrossim, uma demissão com justa causa. Continuar a ler “EDITORIAL- BORGES TINHA RAZÃO, MAS ….- por Danyel Guerra”

 EDITORIAL – “Pessoa: Singularmente plural” – por Jaime Vaz Brasil

A singular pluralidade de Fernando Pessoa passa, antes de tudo, pela gênese artística de seus heterônimos. Seja como Fernando – o próprio – , Álvaro, Alberto ou Ricardo (ou ainda Bernardo e outros menores), o genial poeta criou personagens que existiram soberanos em estilo, temática, dimensão estética e qualidade. Continuar a ler ” EDITORIAL – “Pessoa: Singularmente plural” – por Jaime Vaz Brasil”

EDITORIAL – VITOR VITÓRIA – por Danyel Guerra

Vitor Aguiar Silva

“Ele é o mestre completo”
Maria Helena da Rocha Pereira

VÍTOR VITÓRIA

Decorria o ano de 1976, quando o escritor sueco Artur Lundkvist declarou que Jorge Luis Borges jamais ganharia o Prêmio Nobel de Literatura, “devido a razões políticas”.  Categórico, sem dar chance a dúvidas, este membro da Academia Sueca desvirtuava com este anátema o caráter literário da distinção. Continuar a ler “EDITORIAL – VITOR VITÓRIA – por Danyel Guerra”

EDITORIAL por Hilton Fortuna Daniel

Em 1918, terminada a I Guerra Mundial, iniciava-se a Gripe Espanhola.

Esse ciclo pandémico, tendo matado milhões de pessoas, terminava em 1920. Em cada fim de história, há sempre um início de história. Nesse ano, para a música e para a literatura, nasciam Amália Rodrigues e Clarice Lispector. A primeira solfejava poemas dentro de notas bem pautadas. A segunda, com a portentosa pena por que é hoje conhecida, empreendia A Descoberta do Mundo, título de uma das suas obras-primas. Continuar a ler “EDITORIAL por Hilton Fortuna Daniel”

NEM SÓ OS CAVALOS SE ABATEM – EDITORIAL por Danyel Guerra

 “In Berlin, by the wall, you were five foot ten inches tall”

                                             Lou Reed

1 – Me lembro como se tivesse sido ontem. Ou hoje. Ou amanhã. Na noite novembrina em que o Berliner Mauer  começou  a ser derrubado,  a martelo e à picareta, botei a rodar no som o disco ‘Berlin’, aquele álbum conceitual que Lou Reed publicou em 1973. Uma “trágica ópera rock”, que a crítica especializada acolheu com um olhar de soslaio. Continuar a ler “NEM SÓ OS CAVALOS SE ABATEM – EDITORIAL por Danyel Guerra”

EDITORIAL POR JÚLIA MOURA LOPES – “Afastem de mim esse cálice”

“Com toda a lama, com
toda a trama, afinal, a gente vai levando essa chama”.

Chico Buarque

Neste Maio único e tardio, Francisco Buarque de Hollanda, poeta-músico tão nosso, cronista dramaturgo da “Ópera do Malandro”,  romancista e ainda actor, homem lindo, que tão bem exterioriza o eu feminino, foi distinguido com o Prémio Camões”, o maior troféu literário da nossa língua.

Está reacendida a questão iniciada com o Nobel a Bob Dylan, sobre o conceito canónico de Poesia. Como se pode pretender que a poesia escrita seja superior à cantada, quando sabemos que a mesma teve  inicio exactamente na tradição trovadoresca?

*Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno

Além desta polémica, o Prémio Camões 2019 vê-se no epicentro de outra polémica bem mais feia. Os simpatizantes de Bolsonaro  acusam a escolha de Chico Buarque, denunciando ver nela uma mensagem implícita de  conotação política. Continuar a ler “EDITORIAL POR JÚLIA MOURA LOPES – “Afastem de mim esse cálice””

EDITORIAL- por Floriano Martins

Este é o número 6 de Athena e com ele a revista encerra um ano de conquistas em sua agenda editorial, surgida em maio de 2017 com uma edição zero. Desde então trimestralmente vem cumprindo com valioso propósito, de trazer para a mesa virtual de leitura conhecimento e criatividade. Em seu primeiro editorial lemos que Athena quer ser nave, pronta a descobrir textos e autores inéditos, novas reflexões, quer na investigação científica, quer derivados da criação literária. Sua aventura editorial não propriamente se dá em busca de respostas, mas antes na forma de perseguição da dúvida, que conduza a novas questões e faça duvidar das convicções possíveis. Em duas áreas a revista tem avançado, na revelação de autores e na proposição de novas reflexões, em muitos casos reportando ao passado como leito frondoso da existência humana. Continuar a ler “EDITORIAL- por Floriano Martins”

EDITORIAL – ATHENA & AS ARTES, HOJE (1) – por Paulo Ferreira da Cunha

Athena faz um ano, e já nela se evidencia, como traço muito vincado, a vocação cultural geral, do pensamento, das letras e das artes. Neste aniversário, julgamos que seria importante reflectirmos um pouco sobre estas últimas, que andam, um pouco por toda a parte, em maré não tanto de crise (essa já vem de longe, e nem é muito mau que assim permaneça), mas de incompreensão e até de perseguição.

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EDITORIAL – Como ficar bem athenado – por Danyel Guerra

0- Nos desfiles de samba brasileiros, ápice do Carnaval nos alegres trópicos, manda o figurino, dispõe o ritual, impõe a superstição, aconselha o bom senso, que a escola esquente os tamborins da bateria -e não só!- antes de adentrar na passarela com os dois pés direitos. Para começo de conversa, não encontramos alegoria mais assertiva e adequada a fim de festejar a edição do nº 0 da revista ‘Athena’.

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EDITORIAL ZERO – por Júlia Moura Lopes

Diz o mito, que Zeus convenceu Métis a participar de uma brincadeira, onde Métis acabou por se transformar em mosca, que Zeus engoliu, acabando esta por se alojar na sua cabeça. Assim nasceu Athena, do cérebro de seu pai, poderosa, já adulta, guerreira munida de armadura, elmo e escudo – pronta para o combate. Foi o fim do medo, o início da coragem. O caminho.

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