(…) TINHA 6 NAMORADOS FALECIDOS E MAIZUM.
(Paródia)
[ A Criatura — no caso, uma rapariga do género feminino, de orientação sexual hétero, e não praticando vampirismo nem nenhuma outra modalidade olímpica, pois nem frequentava o ginásio, nem tinha experiência de caminhadas, quanto mais de corrida… — vinha de perder seis dos seus namorados, o que, coexistindo com outra ocorrência, configurou uma situação trágica que A Criatura desabafou com A Amiga… ]
- os antecentes
A Criatura
vinha de perder seis dos seus namorados,
devido às mais diversas causas e razões:
o primeiro
morrera por desistência.
o segundo
sofrera um susto de morte.
real.
um outro
despistou-se contra um chaparro, encandeado pelo sol,
na curva de uma anedota alentejana.
outro enforcara-se semanas antes do casamento. também outro havia que morrera enforcado – quer dizer: tinha-se casado.
e o sexto
expirara no fim de um dia
dos seus adiantados anos de inspirada vida.
acontece que o inusitado desta
história trágica
— como se não bastassem os episódios já relatados —
reside, em absoluto,
no facto inédito
de o tal namorado maizum
— de hercúlea teimosia e apurado egoísmo —
insistir em continuar vivo.
ora, como já deve ter-se percebido
esta renitência deste maizum
em bater a bota, se esfumar ou fenecer
estragava, sobremaneira,
o retrato da trágica vida de vítima
que A Criatura almejava difundir
de modo a rentabilizar
de algum modo
a fatalidade dos fatais e trágicos falecimentos de seus namorados
— impedimento apenas e tão-somente devido
à hercúlea teimosia e ao apurado egoísmo
de maizum sobrevivente narcisista.
se até o namorado da Adele tinha querido rentabilizar os maus-tratos de que fora autor cobrando lucros da venda da canção que a ex lançara — só devido a maus-tratos! — mais direito tinha A Criatura a rentabilizar as mortes dos seus sete (mágico número!) namorados, direito que estava privada de exercer devido a maizum sobrevivente narcisista apaparicado, no seu quotidiano, pelas transfusões das suas prestimosas vítimas (confiando praticarem serviço social ou voluntariado típico do estado-providência, pois, coitadas, nunca tinham estudado sociologia, nem serviço social nem política social… ) que, na sua boa-vontade de fazer o bem, lhe alimentavam e garantiam a longevidade de maizum sobrevivente narcisista.
- os preparativos
naquela tarde, num certo e renomado salão de chá
A Criatura desabafou com A Amiga
— mulher de certeira e apurada pontaria,
mãe de família e casada com um homem —
íntima de condes
Vampir, pelo lado alemão e Vampires, pelo lado francófono
e por esses temida
por ter-se evadido, várias vezes, das suas terras
e castelos,
silenciosamente,
enquanto familiares desses escorriam sangue
do centro das suas camisas brancas
(não há nada mais lindo — para quem aprecie… —
do que um homem de camisa branca.
já um vampiro
apesar de os vampiros se apresentarem
nos filmes com as mais belas camisas brancas…)
dizíamos: enquanto escorriam do centro das suas camisas maculadas
que ela esventrara com pontaria certeira
como se se tratasse do lançamento, em plenos Jogos O,
de um punhal de madeira afiado com esmero,
estaca que A Amiga sempre voltava a guardar
depois de bem bem bem limpa
na bolsa de veludo bordeaux
com franjas e cordão dourados e pretos.
naquela tarde, num certo e renomado salão de chá
chinês
com pareces forradas de cetim em tons rubros e dourados
A Criatura desabafou com A Amiga
portadora de tais skills (leia-se: competências)
e protagonista de tais feitos
que A Criatura desconhecia
e dos quais ficaria a saber entre o tinir de xícaras de chá
e umas belas mastigações de scones soberbos.
A Amiga da Criatura,
— solidária, pois era letrada e tinha,
mesmo
namorado com um cientista social
especialista na pós-modernidade e temas quejandos —
ofereceu-se para resolver a situação
de modo a potenciar a absoluta verdade
da trágica história vivida pela Criatura
— que não tinha cursos superiores
mas ouvia muitos podcasts e áudio-livros
(vá lá o leitor saber sobre o quê,
pois a nós não nos interessa nadica o que ela ouvia:
apenas queremos acabar de relatar esta trágica história vivida pela Criatura,
pois somos pagos à linha, e embora as linhas sejam previamente contadas
relatar a história trágica não são favas contadas!) —
portanto: A Amiga ofereceu-se para resolver a situação d’A Criatura
garantindo a verdade da morte dos seus seis namorados maizum.
- a acção
ágil, muito prática e assertiva
( como todos os bons Amigos deveriam aprender a ser )
afirmou, uma só vez, em alta voz
de volume razoável para A Criatura captar bem
mas não de volume tão elevado
que se ouvisse por cima do tinir das xícaras das mesas vizinhas:
“ — Deixe comigo, minha Amiga!, que eu resolvo
e garanto que, por fim, passará a viver
a expensas da sua plena e cabal história trágica”
(pode traduzir-se, para quem não entenda,
que o que ela queria dizer com este palavreado todo, era:
‘que, por fim, passará a viver à pala dos gaijos por todos terem batido as botas’)
“ — Eu mesma dou fim a maizum sobrevivente narcisista
foco da minha aorta e da minha vida.”
dito isto, A Amiga d’A Criatura
pousou a xícara
levantou-se da mesa
beijou na testa A sua Amiga, A Criatura,
e, num rapidíssimo esvoaçar pela sala
deixou o renomado salão de chá
( não sem, antes, pegar num dos deliciosos
scones que levou para a viagem )
voou sobre os telhados pitorescos da provinciana cidade
cruzou os céus do condado e do reinado
até se acercar do castelinho
entrar pela janela avarandada, de branco ferro forjado,
do sombrio compartimento
onde maizum sobrevivente narcisista se resguardava
durante o tempo luminoso e cálido
e, sem aviso nem outro som
que o do cordão da bolsa a desatar-se
para aceder ao punhal
puxou da estaca, luzidia,
como se se tratasse de um lançamento, em plenos Jogos O,
e cravou-a no centro da belíssima camisa
branca
(uma pena, uma estragação!…)
engomada à mão por uma fã
(das tais que confiavam praticar voluntariado típico do estado-providência,
pois, coitada, nunca tinha estudado
sociologia, nem serviço social nem política social… )
dizíamos
(e continuamos a dize
para acabar com muita emoção este clímax narrativo)
cravou a estac
no centro da belíssima camisa branca
exactamente no meio do centro do grande ego
daquele maizum narcisista
sobrevivente, apenas, até àquele momento solene.
Maria Toscano (muito agradecida pelas leituras e sugestões das queridas amigas Celeste Maria Pacheco e Júlia Moura Lopes).
Escrito entre Porto, Coimbra e Lisboa, de 20 a 27 de Agosto / 2024.
♦♦♦
Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.
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