Os pensamentos se sucedem rapidamente, assim como os vídeos curtos passam na tela com um simples toque do dedo. Ao contrário dos vídeos, os pensamentos não passam. Eles sedimentam-se acima dos olhos quando a secura me obriga a fechá-los. Logo, ao abrir das pálpebras, outro porquê surge incessante, rompendo o sentido da gravidade e pairando como uma suave bigorna içada sob as pálpebras abatidas. Não desaparecem, mas também não os vejo. Estão ali, exigindo decisões sem importar-se com as alternativas. Um exame que consome da foz aos fatos a energia vital. Um moinho da íris a retina persegue minha mente, entendo porque, apesar de coloridos, são tristes os cavalos do carrossel de brinquedo. O peso de pensar, pesar e penar o tempo inteiro é permanente, como feito sombra incólume ao corpo contra a luz, insuprimível. Exceto por uma diferença acachapante: repousa a sombra quando tudo é escuro, mas não descansa os olhos, nem quando durmo. O feixe de luz dos pensamentos vem de dentro. E de caço jeito de ajuizar o devaneio, ordenar o desatino, planejar o desastre e apostar na insensatez, sigo os planos e fracasso com sucesso. Afinal, o que se vê por esses olhos consumidos pelo planeta morto e o buraco negro? A princípio, parecem imagens faladas. A sucessão sem lógica, desordenadamente caótica, é narrada pela circunstância; as escuto. Sua fiel descrição visceral descola o narrado do vivido, tornando foto o que era vídeo. E, na fina superfície tomada pelo medo, invés de destrato, o alimento. O egoísta assombro quer estar certo mesmo sem razão. É o milagre da multiplicação, do medo, da angústia e da indecisão. Num condão faço do fato siamês da opinião. Torno inquestionável o que penso, uma obviedade, tal qual para erguer uma torre deve-se utilizar ferro e cimento. Os ouvidos captam a divergência, farejam a negação, mas não alcançam nada além do milagre inaudito. O indivíduo serial e inespecífico, autoproclamado autêntico, esbate na esteira dos dias úteis, atrás das grades das agendas, sem julgamento, mas com perpétua sentença.Não bastasse o caos, a realidade é repartida em sequências, fragmentos e ciscos quase incompreensíveis. Um quebra-cabeça sem gabarito, um labirinto. O protagonista não escuta a narração, mas o presságio é sempre certeiro e os desfechos são atados tal qual o previsto. Os vídeos de curta duração continuam no passar dos dedos. E os pensamentos se acumulam, vez ou outra sopra a circunstância e o vento toma a decisão. Não me ponho a corrigir ou retificá-los. Se existem qualidades, essa é a benesse da insegurança, o maior valor do covarde.Me dou o indulto da exaustão da inoperância, anistia da não agência. E sigo passando, tal qual um vídeo curto me empurro pelos dedos. Enquanto os vídeos passam, eu mesmo passo e, comigo, o tempo. A circunstância é firme e segura. O homem não. Se querem me convencer que há beleza na solidão, também posso crer que escolha é diferente de decisão. Cada qual com sua religião. Eu até escolho se vejo o vídeo ou não. Mas a circunstância é quem decide, pode-se chamar isso de algoritmo da decisão. E de que te adianta tal conclusão? Nada, argumento sofista, forma sem conteúdo, estética eticista. Os vídeos curtos no rolar dos dedos repetem-se na tela que habito, escolho mas não decido. Sequer este assunto é lícito, não tem validade dado que não há pensamento, pois apenas existo.”
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Thauan Pastrello. Pai da Clarice. Assistente Social, Mestre em Serviço Social pela UFRJ. Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos das Crianças e Adolescentes do Espírito Santo, CRIAD/ES. Foi Referência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI. Membro do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador. Integrante do Fórum Araceli de Combate ao Abuso e Exploração Sexual. Membro da Comissão de Ética e Direitos Humanos do CRESS-ES.
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