O INAUDITO
(Sonhar
sonhar
sonhar
sonhar)
-Já não respiro
sufoco
não quero falar-
-Pões o lenço no decote e em pano de fundo
fecho as mãos numa epístola
as borboletas nascem episódicas-
Ele era como um animal. Um touro. Uma reminiscência de galáxias marítimas.
Fauno Vibrátil Latejante.
Ela era como os cacilheiros. Atravessava margens do mesmo rio, repetidamente.
Ela progredia nas alcáçovas por ele.
Ele era arte selvagem desnorte alcateia demónio muro.
Ela queria renascer com ele.
Fosse em que país ou oceano.
Fosse nas mandíbulas fosse na pele.
(Quando o céu e a terra se coadunavam nos espaços e nos impérios havia uma história de príncipes e princesas . Um beijo hipnótico. A salvação. O ignaro)
Os alarmes disparam. Ele passa no corredor.
Uma adolescente loira lança-se .
Ele por um instante humilde olhou .
Búzios sombras apneias.
Ele nos seus 19 anos deslumbrava alunas e professoras.
Sabia da sua aura. Nos trabalhos do desejo era nota 20
Tinha fama de predador.
Bagos de romã e uma cerveja porque não?
Com as calças amarrotadas e uma t-shirt moldada divertia-se com aquelas hastes de úteros jovens.
Pegou na mota de alta cilindrada
A cidade parada violenta descida não tinha identificação.
Os campos eram azuis e verdes ,consoante.
Chegara.
Num relapso viu-a . Colocava água nas plantas do pequeno terraço da casa.
Aproxima-se e toca-lhe nas ancas
-O Pai já chegou. Cuidado.
Ele pálido ,pergunta
– Quando ?
-Há bocadinho.
-E a mãe?
-Tinha ido ao supermercado. Estava a voltar a todo o momento.
A todo o tempo a vigília.
Ele amava-a nos seixos e nas têmporas desde sempre.
Eram gémeos.
Partilharam as águas e as resinas.
Amor do desespero.
Só fugindo, fugindo para um mundo outro
Quando ela tivera o primeiro namoro ele ponderou o suicídio.
Mas em improvisos e meneios tinha-a recolocado nas estrias das suas mãos .
Ela não sabia como sobreviver a uma paixão inaudita.
Ele bombeava a paixão e as brumas.
Nunca poderiam ter filhos- seria arriscado
O pai não poderia sequer desconfiar. Era capaz de o matar. De o expulsar
Impaciente, com os ombros em escada, diz-lhe em segredo que está farto dos progenitores
Ela em bocados de sede referia que só fugindo sem dizer a ninguém o destino
Sentado num improvisado banco , ele esplêndido e em vertigem, exclamou para o Pai que se aproximava- Vais ver hoje o jogo ?
– Não sei
– Queres que vá contigo ?
-.Não comprei bilhetes
– Eu tenho. Ofereceram-me dois
– Pode ser
O Pai afasta-se esdrúxulo minguante.
Ela questiona
-Nem costumas ir ao estádio, porquê isto?
– Vou livrar-me dele de vez.
-Não faças disparates Não há crimes perfeitos
Com uma ferida enorme cratera e redenção por ele passava o branco dos cilindros.
Amava-a tanto que até não media as asas
As estradas eram tortas.
O calor apagava-se em cabelos longos.
Os abrigos viriam.
Os estádios de futebol podiam ser agarrados estrídulos
E haveria sempre quedas fatais.
♦♦♦
Cecília Barreira é Professora de Cultura Portuguesa Contemporânea na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É investigadora integrada do CHAM-Centro de Humanidades. Publicou na Cordão de Leitura os livros de Poesia, Desvarios e Erros Meus (2018) e Voando Sobre um Ninho Fêmeo (fev. de 2019). Iniciou a sua atividade poética em 1984 com o livro Lua Lenta (Europress). É ensaísta e, de momento, cruza a História da Cultura com a Filosofia e a Literatura nos séculos XIX e XX.
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