POEMINHOS (71-80) – por Jaime Vaz Brasil

71.

Primeiro amor
é um efeito represa:

arrebatador
porque se ama
       o amor.

72.

Muda tudo
quando a forma vence

      o conteúdo.

73.

Domingo

começa gato-em-preguiça
na almofada.

Termina
em um sino
que badala
      para o nada.

74.

Deserto não é paz

Deserto não é paz
e paz não é silêncio.

Silêncio não é vazio
vazio não é solidão.

Solidão não é saudade
saudade não é passado.

Passado não é memória
memória não é retrato.

Retrato não é instante
instante não é presente.

Presente não é horário
horário não é relógio.

Relógio não é o tempo
e o tempo não é a vida.

Vida não é destino
destino não é estrada.

Estrada não é distância
distância não é espaço.

Espaço não é ausência
ausência não é deserto.

75.

A água toma a forma
daquilo que a contém.

Os sonhos,
também.

76.

A pena
na jugular
      do poema:

quanto mais sangra,
      mais vive.

77.

Crendice
é a crença dos outros.

Mito
é a história dos outros.

Superstição
é a bobagem dos outros.

(Por isso, é arriscado
rezar ao deus errado…)

Pelo sim pelo não
nem falei de religião.

78.

Encontro Noturno

Ela ia entrando
e eu disse: – Alto lá.

Entrou mesmo assim.
Segui em pé. Ela, não.

Do sofá, me olhou com sede.

Eu, em queda
e sem rede.

Foi ao quarto.
Eu, antes pedra, me movi.

Na cama
ela dentro de mim:

vagarosa foice
e o hálito do diabo
      logo ali.

79. 

Futuro
também é memória:

       o maior aviso
       é a História.

80.

O pai terreno
– conforme a distância –

 

às vezes respondia,
às vezes não.

O pai do céu
não respondia nunca.

Foi assim que ele escolheu
o lá de cima:
     pela constância…

♦♦♦

Jaime Vaz Brasil – Poeta gaúcho, com 7 livros publicados e vários prémios, dentre os quais: Açorianos, Felipe d’Oliveira e Casa de Las Americas (finalista). Atua também como compositor, tendo vários poemas musicados e interpretados por vários parceiros, dentre os quais Ricardo Freire, Flávio Brasil, Zé Alexandre Gomes, Nilton Júnior, Vitor Ramil e Pery Souza.