As sociedades, de uma forma crescente, vêm ficando atentas à situação delicada em que nos encontramos, no concernente à problemática do aquecimento global antropogénico. Com efeito, cada vez mais, é menor o número daqueles que prescindem de reconhecer que este se afigura como um dos principais problemas com que a Humanidade se confronta ou se confrontou. A ciência mais credível e bem estabelecida, com efeito, é perentória, ao afirmar que a atual trajetória de emissões de gases causadores do efeito de estufa está a encaminhar-nos para um desastre de dimensões bíblicas. Subsiste, todavia, uma, aparente ou não, dicotomia entre preservação ambiental e crescimento económico. Como se pudesse haver economia sem ambiente e, sem economia, possibilidade de apreciarmos e beneficiarmos de um bom meio ambiente. Tal como as Histórias políticas do século XX e do início do XXI demonstraram à saciedade, todo o tipo de fundamentalismos encaminha o ser humano para a sua perdição. Deste modo, o desafio existencial com que, atualmente, nos confrontamos só encontrará resolução, efetiva e duradoura, quando for possível harmonizar estes dois mundos – o económico e o ambiental.
Desde que a Humanidade existe, ou seja, desde que o Homo Sapiens caminha sobre este mundo, os ecossistemas vêm sofrendo um impacto, ou, para sermos mais precisos, um conjunto de impactos, causado pela nossa espécie. Esse fenómeno não é, portanto, um exclusivo dos nossos dias nem, tampouco, do mundo do pós-Revolução Industrial. A título de exemplo, refira-se que existem evidências, apontando para o facto de que, em algumas das suas províncias, o antigo Império Romano, possivelmente, tenha praticado uma gestão insustentável das suas florestas, criando um cenário de pesada desflorestação (Veal, 2019: 16). Essa tendência de sobre-exploração florestal, na Europa medieval, agravou-se e massificou-se. (ibidem). Poderíamos dar muitos outros exemplos como o da alegada extinção de espécies de mamíferos de grande porte, aquando da povoação humana do continente americano (Martin e Steadman, 1999: 26), ou, ainda, o da poluição massiva que a extração intensiva de cobre, aparentemente, terá causado na região de Wadi Faynan, no Sul da atual Jordânia, durante os séculos X e IX a.C. (Beherec et al., 2016: 70). Não existem dúvidas, portanto, de que, contrariamente ao mencionado por uma certa visão romântica, durante os últimos milhares de anos, o mundo natural tem vindo a ser subjugado e modificado pela atividade humana. E é natural que assim seja. Afinal, não nos devemos esquecer de que, de todas as espécies, é a nossa, aquela que detém as ferramentas para se impor perante as demais. Para os crentes, o mundo foi-nos entregue por Deus, para o dominarmos. Para os não crentes, a nossa espécie venceu a corrida evolutiva, tendo vindo a tornar-se na mais bem apetrechada de ferramentas de domínio sobre as demais. De um modo ou de outro, todos concordamos no facto de que, objetivamente, a nossa espécie é, por enquanto, a dominante. Deste modo, faz o que as espécies dominantes fazem – transforma o meio circundante para, desse modo, gerar os recursos necessários à sua própria multiplicação. Significa isto que tudo vai bem na nossa relação com a natureza? Que devemos continuar com o modelo de desenvolvimento, inalterado, que nos trouxe até aqui? Com certeza que não. Esta contextualização permite-nos entender o momento da nossa História coletiva em que nos encontramos. Esse ponto poderá ser definido como o mais alto de um gráfico em que o seu eixo horizontal representa o nosso progresso e, o vertical, o nível de exploração da natureza, por nós perpetrado. Desde tempos imemoriais, o início do gráfico, que a linha é crescente – face a aumentos do nosso progresso, aumenta a exploração da natureza –, sendo que, desde o século XIX, e da Revolução Industrial aí vitoriosa, a razão de subida dessa linha se intensificou, dramaticamente. Encontramo-nos, atualmente, num momento disruptivo em que a linha terá, forçosamente, não só de estabilizar como de infletir. Ou seja, a força da correlação, que desde sempre nos acompanha, entre progresso da Humanidade e exploração da natureza, tem de ser fortemente cerceada. Dito por outras palavras, temos de encontrar formas de conseguir manter níveis crescentes de progresso (económico, tecnológico, social…) que não dependam, ou que dependam muito menos, de uma exploração da natureza. Isto poderá parecer utópico mas tal ideia é falaciosa. Por exemplo, refira-se que, desde há vários anos, todos os anos, aumenta a percentagem de energia produzida por fontes renováveis e não poluentes, no mix energético global (a nível nacional e mundial). O mesmo se verificando com a percentagem de automóveis elétricos vendidos, na totalidade de carros vendidos, também a nível nacional e global. Cada vez mais, as nossas economias lineares se metamorfoseiam em economias circulares onde os materiais e bens em fim de vida, ao invés de irem parar a aterros ou incineradores, tendem a ser reciclados e incorporados na produção de novos produtos, reduzindo-se, assim, quer a poluição quer a exploração da natureza para obtenção de matérias-primas. Ou seja, felizmente, dispomos, já, das tecnologias necessárias para mantermos o nosso paradigma civilizacional, de bem-estar e de progresso, solicitando, para tal, à natureza, um esforço muitíssimo inferior. A solução para a nossa atual relação insustentável com o mundo natural (de que, importa referir, fazemos parte) não passa por um retrocesso civilizacional. Essa visão, que advoga uma incompatibilidade entre o progresso e bem-estar, e a preservação ambiental poderá muito bem ser um dos maiores inimigos da sustentabilidade da natureza. Assim o é, porque se afirma como a semente do desânimo, da desistência. Importa notar que, por muitos que sejam os defeitos da nossa atual sociedade e sistema económico, e são alguns, em nenhum dos tradicionais indicadores de bem-estar e de desenvolvimento, o mundo pré-Revolução Industrial consegue, sequer, se aproximar do atual. Um exemplo pode ser encontrado no valor energético da dieta típica do povo francês que, no início do século XVIII, era tão baixo como o verificado no Ruanda, em 1965 (Fogel, 2004: 8). A marcha da História não pode ser trilhada para trás. Não é aceitável nem realizável que se ofereça à Humanidade o retrocesso civilizacional como solução para o problema ambiental, ou para qualquer outro. O caminho faz-se para diante e, neste caso, com tecnologia, com progresso científico, com a descoberta de meios capazes de nos fazer alcançar ainda mais progresso, ainda mais bem-estar material, ainda mais riqueza, com cada vez menos poluição, cada vez menos impacto no meio circundante. Não se trata de saber se estamos no caminho certo. Tal como, com os anteriormente mencionados exemplos da produção de eletricidade renovável, da venda de automóveis elétricos, da economia circular, era referido, não há dúvida de que estamos no caminho certo. Mas, com a mesma certeza, podemos afirmar que não estamos, ainda, a trilhar esse caminho com a velocidade necessária. Há, efetivamente, uma ameaça à espreita e o tempo urge. Assim vamos nós, neste planeta-nave que atravessa o Cosmos, na direção certa, com otimismo, à velocidade errada, com pessimismo, nesta encruzilhada histórica de uma manhã do amanhã esperançoso que persistimos em construir, ameaçada por uma tarde de um amanhã tenebroso que não conseguimos afastar.
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Ricardo Amorim Pereira é doutorando em Ciência Política, com interesse na área da ecologia política
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