DOIS POEMAS DE Cecília Barreira

 

© Karolina Grabowska

UM TEMPO DE PAZ, UM TEMPO DE GUERRA

Veio um tempo de paz
Veio um tempo de guerra
Os comboios não paravam nas estações
As geografias não coincidiam com os mapas
Os meses eram anos
E os anos eram séculos
Veio um tempo de paz
Veio um tempo de guerra
E os soldados não tinham pátria
E as munições eram do mundo inteiro
Os países alargavam-se nas fronteiras
As geografias não coincidiam com os mapas
O amor, uma saudade uma impossibilidade
Os homens e as mulheres já não choravam
As lágrimas secas de tanta pólvora
E as bocas quietas
Sem palavras
Sem gritos
Sem sons
Porque os dias eram cinzentos
E os segundos já não cabiam nos relógios
Um tempo de paz
Um tempo de guerra

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É PRIMAVERA, É TEMPO DOS GIRASSÓIS

E hoje é primavera
E já nada trava os girassóis
Nada
Nem a guerra
Nem os mísseis
Nem os ocupantes
Nem os discursos
Nem as amnésias
Nem os tamanhos
Nem os uivos
Nem as latitudes
Nem as fórmulas químicas
Nem os ambíguos
Nem os donos dos dinheiros
Nem os que se deitam em leitos de ganância
Nem as hipérboles
Já nada trava os girassóis
É Primavera
Já é tempo de acabar a espera

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Cecília Barreira nasceu em Lisboa, licenciou-se em História na Faculdade de Letras de Lisboa e entrou como assistente estagiária na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, nos anos 80.  Em 1991 defendeu doutoramento na FCSH e em 1999 agregou-se em Cultura Portuguesa Contemporânea. É autora de muitos ensaios  sobre figuras do pensamento contemporâneo. Escreve poesia como hobby. Pertence ao CHAM-Centro de Humanidades como Investigadora Integrada.