TRÊS POEMAS DE Tito Leite

Foto de zsófia fehér

URGÊNCIA

Procuro uma palavra sobre a matéria
pueril dessas tardes.
Uma palavra escondida em alguma
boca seca de detalhes.

Falta mãos para colher as flores
de março e o mormaço dos dias
atuais espanta todas as borboletas.

Já não falo da oitava mais alta
de um poema, mas de pessoas
desapontadas que trocam os sonhos
pela corcunda de um dromedário.

É tanto alvoroço sem sentido
e peço para não confundir
o burro com a mensagem.

Na falta de sentido um convite
para sair do labirinto do Minotauro.
Jogar fora o carretel e seguir a linha.
É possível sem sangrar a alma?

♣♣♣

OFÍCIO

No poema

nenhuma
luta foi em vão,

há sempre
um contentamento,

uma garota
que amou,

um coração atento,

um repente
de momento

e uma semente
que brotou.

♣♣♣

NAVEGA

No turbilhão das águas,
cada vida
é um livro em reparo.

Fuga de cidades
que são como barcos   

                            que se perderam
                            sem mastros.   

Um imigrante
no além-mar, atravessa
um iceberg sem coração.

Já não faz dIferença
o que encanta e incomoda,

o que não se repete
e por dentro    morde,

                            o que de externo
                            o destroça.

Ele inventa uma pátria
como quem é abraçado
por uma terra onde
                           
corre   leite
                         e hidromel.

♦♦♦

Tito Leite nasceu em Aurora/CE (1980). É poeta e monge, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É autor dos livros Digitais do Caos (Selo edith, 2016), Aurora de Cedro (7letras, 2019) e Dilúvio das Almas (Todavía, 2022). Participou das antologias Sob a pele da língua – breviário poético brasileiro (org. Floriano Martins, Arc Edições, 2019), Revista Gueto: edição impressa n.1 (org. Rodrigo Novaes de Almeida, Patuá, 2019). É curador da revista gueto. Tem poemas publicados em revistas impressas e digitais.