“I am the lizard king, I can do anything”
Jim Morrison.
Feliz Aniversário Manuel António
‘O País das Pessoas de Pernas para o Ar’. Há livros que nos ganham num átimo. O título basta. É esse o caso daquele que encorajou, numa Feira do Livro do Porto, vivia-se uma tarde nublada do Verão Quente de 1975, intrépida expropriação revolucionária. Só depois é que reparei nos prenomes do autor. Manuel António. Até à data, o único Manuel António que eu conhecia era o ponta de lança do FC Porto e da Académica, que se tornaria médico oncologista e chegou a prestar assistência ao Miguel Torga.
Nessa época, em Portugal, não eram somente as pessoas, era o país que estava de pernas para o ar. Todos faziam o pino, perfilhando o desafio do Manuel António. Embora a maioria só o conseguisse encostando o corpo às paredes e aos muros infestadas/os de cartazes e pichadas/os de grafites panfletários. Eis um úmido exemplo:
“No Porto cai chuva. Em Lisboa cai Saraiva de Carvalho”.
Testemunha ocular desses tempos turbulentos, eu estava longe de imaginar que, uma década passada, seria camarada do escritor na redação do ‘Jornal de Notícias’. Porém, o “Lizard King” , como eu o apelidara, por ser torcedor do Sporting de Lisboa, tinha então abdicado de fazer o pino…
Preferia agora conjugar o verbo “pinar”, exercitando o ofício da poesia em textos intemporais, imbuídos de incontida jovialidade e frescor. E também o verbo opinar, cronicando, com uma pena de gume afiado, sua visão acesa da realidade mundial, sempre mutante e contraditória. Por esses dias, ele erguia-se, assestando os óculos de aros redondos, baforando o fumo da cigarrilha, dedilhando as teclas da máquina de escrever voadora, como um dos pináculos da Redação JN.
Lembro da empolgação dele ao telever as defesas do Jöel Bats, o goleiro (guarda-redes) da seleção de França, na Copa do México/86. O keeper gaulês foi decisivo no jogo da eliminação do Brasil, nas quartas de final, defendendo dois penalties cobrados por Zico e por Sócrates.
Para a declaração dessa simpatia por Bats muito contribuiu a cicunstância do francês ter superado um câncer testicular, declarado em 1982, com a ajuda de terapia poética. Ao longo do tratamento, Jöel escreveu poesia, que mais tarde publicaria. Daí que Manuel António igualmente o estimasse como um confrade das lides literárias, por muito que bissexta fosse sua produção.
Numa noite sacudida pelo frenesi dessa fábrica de notícias, o passarinho Fausto soltou-se da gaiola-livro e, voando de pernas para o ar, veio me contar um causo* bem pitoresco. Nele, ao jornalista/ poeta não restou outra incumbência senão a de ser…O..SENHOR.PINA?.
Pode subir, Srª D. Ida…Lupino, é no segundo pino, perdão, piso, autoriza uma voz protocolar, indicando o elevador, estacionado a poucos metros. Instantes antes, ela entrara na recepção do ‘Jornal de Notícias’, o popular diário portuense. Articulação trêmula, elocução denotando indisfarçável hesitação, solicitou. Boa tarde, gostaria de…de falar com… o jornalista Manuel António Pina. É possível?
Sim, certamente!, concede o procurado, suspendendo os dedos buliçosos do teclado da máquina de escrever voadora. Sem demora, a visitante aciona o ascensor, sai no segundo andar e vê um cidadão se aproximando. Ansiosa, a língua indaga espontânea.
O Senhor Pina?! Sim, sim, eu pino…E a Senhora?
A visitante fica um tanto aturdida com a réplica, sem dúvida, inusitada do jornalista, Jorge Cordeiro de sua graça. O embaraço é atenuado pela chegada do visitado.
-Faça o favor, sugere Pina, com sua congenial cordialidade. Sente-se. Em que lhe posso ser útil?
-Obrigado, Sr. Pina, aquele senhor é muito engraçado…, bem o que me traz aqui é o seguinte…
O visitado ouve, escuta, mas não opina. E pede um minuto.
Num impulso, dirige-se a biblioPinateca, pega num exemplar de Os Livros, colocado nas vizinhanças de obras de Jorge Luís Borges, John Milton ou T.S. Eliot. Regressa e, inopinadamente, desata a Pinar* com a visitante, dando uma …consulta de Neuropsicologia.
E a Srª D. Lupino conseguiu finalmente fazer o pino sem encostar o corpo às paredes.
*Glossário:
Causo- estória verídica, contada de modo coloquial
Pinar– para que se evitem mal entendidos, convirá esclarecer e precisar que “pinar” é apenas um eufemismo para “poetar”.
♦♦♦
Danyel Guerra (aka Dannj Guerra) nasceu no Rio de Janeiro, Brasil. Com diploma, licenciatura, em História Universal da Infâmia, Guerra perfilha a opção preferencial pela escrita recreativa, assumindo oposição à “escrita criativa”.
Publicou ‘Em Busca da Musa Clio’ (2004), ‘Amor, Città Aperta’ (2008), ‘O Céu sobre Berlin’ (2009), ‘Excitações Klimtorianas’ (2012), ‘O Apojo das Ninfas’ (2014), ‘Oito e Demy’(2015), ‘O Português do Cinemoda’(2015), ‘Os Homens da Minha Vida’ (2017) e ‘Corpo Estranho’(2021).
You must be logged in to post a comment.