QUATRO ENSAIOS LÍRICOS DE HENRIQUE MIGUEL CARVALHO

Foto de Henrique Miguel Carvalho

NINFA

são lírios
——–os teus braços,
erguendo-se
——–de um
charco fundo,
anelando
——–o beijo do sol
——–e outras carícias de luz

são lírios
——depois da chuva,
os teus braços
……………convexo
……………nome
aberto laço
——–decantando
——–água por curvas-mãos

           Deflação
……………………..súbita
         do espaço,
…………………….em salpicos
…………………….pelo chão

         — e neles
…………………..me enlaço,
         vertigem
…………………..fútil
         ou abraço,
………………..que assim faço
……………….e desfaço

 ♣♣♣

HESPÉRIDE

fruto e flor
——–ao mesmo
tempo,
——–primavera
——–que já outono

gomos
——–de janeiro
amontoando luas,
——–sumarenta
——–seiva da geada

noite
a Ocidente,
——– discórdia
ácida da beleza,
———por mero gesto
———contemplativo

travo
na língua,
———amargo-doce,
como o beijo,
———perpetuamente,
———a tenra guerra

jardim
———da insaciável sede,
onde o prazer
é mordido
——–ao sabor das pétalas
——–que caiem

♣♣♣

PALAVRA

essência
temperamental
——-do espaço vazio,
transporte
——-de irrequietudes
——-dispersas e furtivas

perpétuas
——-oscilações,
harpejando,
——-vindas de longe,
de outro lugar,
outro espanto,
——- o som trágico
——- e antigo de canções

mas,
——- ó vento,
tem cuidado,
——–não vá esse estado
——–volúvel, desigual,
tornar um fôlego teu,
——–nem sequer rajada,
——–mas vendaval

♣♣♣

PRÉDICA

direi a raça
——–artificial
e sem Deus,
——–de osso e polpa,
——–areia e seiva,
a vida nova,
——–na lógica pura,
——–de sim e de não

direi o dilema
——–irreconciliável
da espécie,
——–o filho ingénito,
——–o pai gerador,
a mãe cruel,
——–no espelho-eterno,
——–sem imagem

direi a subida
——–oblíqua
da árvore,
——–o galho vertical
——–e dourado,
o fruto curviforme,
——–de hausto leve
——–e amargo

direi o lume
——–ousado
da manhã,
——–num céu
——–sem mistérios,
de anjos à janela,
——–à espreita
——–na órbita dos dias

direi o fechar
——–insensato
da noite,
——–com a vontade
——–ao alto,
o lago escuro
——–onde se esconde
——–o riso do tempo

— em
……………derramadas
palavras,
……………breves,
tocadas apenas
ao de leve
——–com a mente,
que soam
glória e força,
——–que soam
——–flor à beira da morte

♦♦♦

Henrique Miguel Carvalho nasce em 1970, em Lisboa. Os seus interesses, vida curiosa, vão da literatura à filosofia, passando pela ciência e pela matemática. Acha que a poesia, para ser levada a sério, actividade livre, não deve sê-lo. Gosta de fazer longas caminhadas pelo campo, onde vai à procura de inspiração. 
henrique_mm_carvalho@yahoo.com