NINFA
são lírios
——–os teus braços,
erguendo-se
——–de um
charco fundo,
anelando
——–o beijo do sol
——–e outras carícias de luz
são lírios
——–depois da chuva,
——–os teus braços
– puras formas
——–ocadas
em laço,
——–decantando
——–água por curvas-mãos
perpétuas
——–iluminações
do espaço,
——–jorro-de-vida,
——–em salpicos, pelo chão
– e neles
——–me enlaço,
antes que
a turva, escura
——–nuvem regresse,
——–coando as cores do Verão
♣♣♣
HESPÉRIDE
fruto e flor
——–ao mesmo
tempo,
——–Primavera
——–que já Outono
gomos
——–de janeiro
amontoando luas,
——–sumarenta
——–seiva da geada
noite
a Ocidente,
——– discórdia
ácida da beleza,
———por mero gesto
———contemplativo
travo
na língua,
———amargo-doce,
como o beijo,
———perpétuamente,
———a tenra guerra
jardim
———a insaciável sede,
onde o prazer
é mordido
——–o sabor das pétalas
——–que caiem
♣♣♣
PALAVRA
essência
temperamental
——-do espaço vazio,
transporte
——-de irrequietudes
——-dispersas e furtivas
perpétuas
——-oscilações,
harpejando,
——-vindas de longe,
de outro lugar,
outro espanto,
——-o som trágico
——–e antigo de canções
mas,
——- ó vento,
tem cuidado,
——–não vá esse estado
——–volúvel, desigual,
tornar um fôlego teu,
——–nem sequer rajada,
——–mas vendaval
♣♣♣
PRÉDICA
direi a raça
——–artificial
e sem Deus,
——–de osso e polpa,
——–areia e seiva,
a vida nova,
——–na lógica pura,
——–de sim e de não
direi o dilema
——–irreconciliável
da espécie,
——–o filho ingénito,
——–o pai gerador,
a mãe cruel,
——–no espelho-eterno,
——–sem imagem
direi a subida
——–oblíqua
da árvore,
——–o galho vertical
——–e dourado,
o fruto curviforme,
——–de hausto leve
——–e amargo
direi o lume
——–ousado
da manhã,
——–num céu
——–sem mistérios,
de anjos à janela,
——–à espreita
——–na órbita dos dias
direi o fechar
——–insensato
da noite,
——–com a vontade
——–ao alto,
o lago escuro
——–onde se esconde
——–o riso do tempo
– em derramadas
——–palavras,
breves,
——–tocadas apenas
ao de leve
——–com a mente,
que soam
glória e força,
——–que soam
——–flor à beira da morte
♦♦♦
Henrique Miguel Carvalho nasceu em Lisboa em 1970. É formado em filosofia e os seus interesses, muito variados, incluem, a par da literatura, a música, a arquitectura, a matemática e a história do pensamento em geral. Publicou alguns artigos de natureza académica, mas nunca poesia. Gosta de fazer longas caminhas pelo campo, onde vai à procura de inspiração.
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