ASTROPSICOGRAFIA – por Januário Esteves

“A estátua do peixe. O homem com a criança” de Salvador Dali

Peixes

Quando os vorazes famintos atacaram a pacifica comunidade,

tirando-lhes o seu lugar de viver e relegaram as pessoas

para os subúrbios onde ninguém se conhece e cumprimenta

veio transcendente uma alucinante ideia de transformar

casas em plataformas temporais que os levariam a paraísos

artificias num lugar distante como uma bolha cósmica

que os transportasse para um alinhamento aparente

em que se viam a si próprios rodeados de simbioses

platónicas de afirmação social numa espécie de elevador

sensorial criado a partir de lembranças intemporais da infância

assumindo formas de animais nossos companheiros, nascidos

do ovo vernal da húmida matéria, saídos do beijo cloacal

perpetuando o prazer e alegria na espuma dos dias férteis

embriagados de néctar divino, eles dão-se à volúpia dos corpos.

♣♣♣

Leo

Ela adorava seu gatinho que a tinha escravizado num

ronronar de caricias e esfregões que lhe eriçavam os pelos das pernas

e a mantinha como refém de emoções viciantes de anfetaminas

criando-lhe uma sensação de bem estar e euforia que se focaliza

numa metástase que encalha e se transfere de lugar na corrente

sanguínea proporcional por uma única singularidade

a da comunicação com a lente gravitacional que oculta

um chorrilho de leõezinhos galácticos que alugou

sentimentos de pai, mãe e amigos para que a vida tivesse

algum sentido na diáspora mental das emoções circunvizinhas

dos apelos vindos da infância numa urbana selva enigmática

obscurecida pelas vozes gritantes do céu metálico

amordaçando aforismos platónicos com as ideias

que perpassam luminosas na oculta mente deslumbrada.

♣♣♣

Pegasus

Quando chega a Primavera e o vento alado traz com ele

as sementes da vida e a ousadia do prenuncio da criação

a maravilhosa sublimação de matrizes que se curam

numa dança cósmica providenciada na atração dos contrários

relampejava junto à fonte de Pirene, quando na seca

ofereciam bolos de mel aos adivinhos das transações

ousadas que se repercutem em espiritualizar o dia

das metáforas desestabilizadoras da ignorância a meias

como o absurdo de cortar a cabeça de uma minhoca

e ela crescerá uma nova, regenerando-se por si só

ou esfregando o recto dos surfistas para criar antibióticos~

com agua do mar criando superbactérias que eliminem

doenças degenerativas por engenharia neuro fórmica

pelo cérebro aprimorado pelos raios da cabeça-olho.

♣♣♣

Gémeos

Eram filhos de pais diferentes mas tinham o mesmo feitio

ora indolentes e caprichosos, ora versáteis e vigorosos

viviam numa espécie de limbo congénito desde a infância

em que foram surpreendidos por luzes que vinham do céu

e começavam a bater-se como se tivessem numa terrível batalha

ficando com o corpo marcado, visivelmente electrocutados

e as luzes iam e vinham silenciosas ora rápidas, depois estáticas

cavando sobre a casa ruídos sibilinos de gravitação espectral

ficando os irmãos em aparatosa suspensão rodando sobre si

numa escarpa fugidia de aceleração gravítica , nus

na forma como se reconheciam disfuncionais e violentos

lambidos por uma estranha excrescência que emitiam

quando separados da sua irmandade binária coagulavam-se

numa espécie de tecido único que os mantinha seguros

sendo por isso levados por uma luz nebulosa numa viagem

sem volta, partiram para Pólux para as manhãs azuladas de Thestias.

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Januário Esteves usa o pseudónimo “Januanto”. Nasceu em Coruche, Portugal (1960).   Escreve poesia desde os 16 anos. Em 1987 publicou no Jornal de Letras e participou ao longo dos anos em algumas publicações colectivas. Publicou na revista brasileira Musa Rara, na revista americana EIGHTEENSEVENTY .POETRY.BLOG., na Revista Brasileira LiteraLivre, na revista romena Poesis, na revista australiana Otoliths, na revista americana BlazeVox, na revista americana Harbinger Asylum, na revista americana Ducor Review, na revista indiana Taj Mahal.