MOTIVAÇÕES DE Correia Machado

ODE AOS MOVIMENTOS NOCTÍVAGOS QUANDO A MOTIVAÇÃO É UMA MULHER

Lovers, 1904, by Pablo Picasso

No gosto do teu encanto,
Degustei, sim, ao  teu lado,
Lençol acima fronha abaixo,
Demais, por demais relaxado,

Desatinado quem importunado está,
Teu sereno sono incauto,
Longe do frio que se faz chuva,
Lá fora noite estampida, aguda.

Cerra a janela que não está quebrada,
Como loiça lançada contra a calçada,
Assombrado não sou, não diz minha mãe,
Não giro o pescoço, sou apenas um moço.

Podes confiar, deixa-me entrar,
Descalço-me pronto, deslizo com gozo,
Para perfazer, tal aparição,
Não venho do mal, mas corro a tal.

Assombro-te os sonhos, acordo-te em bem,
Com cor nos olhos, que expatrias porém,
Desculpas com culpas, tumultos, revoltos,
Quem me fazem voltar, com sede de te enlaçar.

E tudo não passa de uma ilusão,
Sempre real, nunca imaginação,
Num quarto perdido, cidade esquecida,
Duas almas partilham duas uma só vida.

Paredes e tecto e luz estelar,
Moldura de histórias, que se evitam falar,
Deposto narrador, contracenantes apenas,
Sem estudar os dizeres, olham e beijam poemas.

Que são cantos dos contos dos gostos da existência,
Da minha sina ou de ti, ou é amor ou doença.
E no fim querem-se as almas, pequenas crianças,
Um pequeno suspiro, um credo uma lembrança.

♣♣♣

Não me julgues

Não me julgues, não sabia,
Que um dia te perderia,
Foi sem querer não estava em mim…

Dei cem passos sem querer,
Era fúria a correr,
Dizia-me ser assim.

Que um homem se balança,
Entre o gozo e a esperança,
Entre a dor e o prazer.

Mas no fundo do moinho,
Está o rio e o caminho,
Sorte de quem o viu nascer.

Deste-me um trago caseiro,
Desse teu licor ligeiro,
Que só tu sabes fazer.

Vendi-o barato ao vento,
Que de noite teve alento
E de mim ainda se riu.

Só no fim eu quis saber,
Ao longe ias já partias,
Dor no peito o que senti.

Que era pra onde tinha que ir,
Seguir o cheiro a Jasmim,
Que levavas no cetim.

Agora não sei que faça!
Estou sem gosto nesta praça,
Estou sem preço, esmoreço…

Fui um verso do avesso,
Neste poema te não esqueço,
Quero um bilhete com o teu endereço.

♣♣♣

Vem viver para o meu país

Por favor, vem viver para o meu país,
Por favor, vem viver para o meu país,
Nós temos casas ao sol,
Temos pastéis e queijadas,
Eu canto-te em ré bemol nas madrugadas.

Por favor, vem viver para o meu país,
E se não, vou viver eu para o teu,
Vocês têm açúcar de cana,
São Paulo e Copacabana,
Estradas mil e uma moto e tu e eu.

Por favor, vem viver para o meu país,
Por aqui todos estão à tua espera,
Do ministro ao padeiro,
Do padre ao carteiro,
Todos sabem que tu vais fazer furor

Por favor, vem viver para o meu país
Se não vens, vou viver eu para o teu,
Vocês têm a minha amada,
A mim não perguntaram nada,
Quem disse que ela não é para estar ao pé de mim?

E neste pranto corredio, eu espero de mansinho,
Quero-te aqui e ao teu pai e mãe também.
Serão todos bem-vindos, ou não fossem todos lindos,
Tenho espaço na casa de minha mãe.

Por favor, vem viver para o meu país,
Por favor vem viver para o meu país,
Temos um homem que te ama,
Que já nem quer sair da cama,
Deprimido está sem o teu olhar.

Por favor, vem viver para o meu país,
E se não, irei eu viver para o teu,
Vocês têm música e futebol,
Talvez o meu lugar ao sol,
Eu quero ser só eu e tu à beira mar.

Por favor, vem viver para o meu país,
Se não gostares eu deito abaixo e faz-se novo.
Compro tijolo e pedra a granel,
Agarro tintas e pincel,
E monto uma casa bem branquinha como tu.

Por favor, vem viver para o meu país,
Se não vens, vou viver eu para o teu,
Montamos uma jangada,
Com três paus e um lençol,
E velejamos costa fora por aí…

E neste pranto corredio, eu espero de mansinho,
Quero-te aqui e ao teu pai e mãe também,
Serão todos bem-vindos, ou não fossem todos lindos,
Tenho espaço na casa de minha mãe.

Por favor, vem viver para o meu país,
Por favor, eu não sei viver sem ti,
Compramos um hectare, para os lados da caniçada
Com vontade e uma enxada
Faremos o chão medrar,

Por favor, vem viver para o meu país,
Pensa bem, eu quero-te para casar.
Médico e advogada,
Que sedutora misturada,
À aventura, na espreita do que o destino diz.

La fin du Monde, par René Magritte

♣♣♣

Corte e Costura

Jamais, disse o vento incauto,
Jamais, que o acto é rude!
Mas falta a força, a coragem,
Para não realizar o corte, a ilicitude.

Lacerar, persuadir, aplicar,
Num golpe só, e ver chorar a jugular…
Corre o fluido visceral, de dentro para fora,
Uma cabeça descolada, que não sente e não chora.

E quando o novo olhar amanhece,
Mirando o arcaboiço de topo ao solo,
Nervosamente sente, conscientemente,
O corpo que não era seu até agora.

♦♦♦

Correia Machado Bem parido, melhor criado. Dizem-me carismático, enérgico malandro, que quer ser e quer saber, que quer estar e ver e ouvir. Não confirmo tudo, não desminto nada.
Estudo para tentar compreender, porque é que depois de ser, continuamos a aprender.
Médico de profissão, cantigas nas entre horas, sangue na guelra e brasa na alma.