Introdução
Recentemente tive oportunidade de ultimar artigo referente às capelas da antiga família Cavalcanti em Florença.
Nesta ocasião inventariei importantes peças artísticas encomendadas por esta importante familia florentina. Entre essas peças de arte sobressaíram na ocasião três delas, magníficas – obras que considero historicamente significativas, merecedoras de trabalho detalhado para um publico ampliado – até mesmo visitação especial quando em viagem à Florença. Nesse presente artigo apresento uma delas.
A “Anunciação Cavalcanti” de Donatello e o tríptico que a acompanhou*
Para a rica Capela dos Cavalcanti na Igreja Santa Maria Novella em Florença no ano de 1435 foi encomendada por Nicolò Giovanni Cavalcanti um belíssimo auto-relevo em pedra ao então já conhecido escultor Donatello (1386-1466).
O tema da obra, “A Anunciação”, observamos era já muito caro aos florentinos, e no passado possivelmente também aos francos – pois Santa Clotilde esposa do rei franco Clovis teria tido no ano de 496 um sonho ou visão premonitória durante uma batalha travada por seu marido, e na ocasião teria recebido lírios de anjos, segundo relata sua halografia – episódio muito semelhante à própria Anunciação de Maria (1).
Nicolò Giovanni Cavalcanti o autor desta encomenda da “Anunciação” a Donatello para a capela Cavalcanti fora casado com Contanza Peruggi – moça proveniente de família muito antiga e requintada, de origem etrusca.
O pai de Nicolò, Giovanni di Amerigo Cavalcanti – mais tarde famoso escritor, historiador e genealogista da família (1381-c. 1451) – na época passara, entretanto, por grandes dificuldades econômicas, tendo sido preso por dívidas (2).
Nicolo teve uma irmã, Genevra Cavalcanti, jovem que pelas dificuldades da família fora muito oportunamente casada em 1416 com o poderoso Lorenzo de Médici, o Velho (3); e um irmão, Amerigo Cavalcanti, que sabemos já escolhido dos “Signori” em Florença no ano de 1451 (4).
Esta antiga capela Cavalcanti na Igreja Santa Maria Novella em Florença, para onde a Anunciação de Donatello fora encomendada, no século seguinte será entretanto destruída por ocasião de reforma da Igreja proposta pelos banqueiros Médici – família prepotente que já nesta ocasião acabava com ao sistema Republicano da cidade. A destruição da capela possivelmente uma vingança dos Médici pela descoberta da Conspiração em 1559 liderada por um republicano convicto da familia neste século, Bartolomeu di Mainardo Cavalcanti (c.1503 – 1563),conspiração que fora acompanhada por famílias florentinas e mesmo vários ramos da família Cavalcanti (5).
Mesmo com a reforma da igreja e a destruição da capela Cavalcanti pelos Médici, a celebre obra da ”Anunciação Cavalcanti” de Donatello foi mantida em seu local original nesta igreja – fato significativo da sua relevância artística.
O crítico de artes da época Giorgio Vasari (6) que muito apreciava esta obra afirmou sobre a “Anunciação Cavalcanti”, e o próprio talento de Donatello:
“Mas acima de tudo, grande gênio e arte demonstra [Donatello] na figura da Virgem, a qual amedrontada pela súbita aparição do Anjo, move timidamente sua pessoa numa honestíssima reverência, com muita graça dirigindo-se àquele que a cumprimenta, de maneira que se vê no seu rosto a humildade e gratidão que ao inesperado senhor é devido, e tanto o senhor é o mais alto”. Do original: “Ma sopratuto grande ingegno et art mostro nella figura della Virgen, la quale impaurita dall´ improviso apparire dell´Angelo, muove timidamente con dolcezza la persona a uma onestissima reverenza, com bellissima grazia rivolgendosi a chi la saluta , di maniera che se le scorge nel viso quella umilità e gratitudine che del non aspettato dono si deve a chi lo fa, e tanto il donno é maggiore”.
Ressaltamos que o retábulo da Anunciação estava acompanhado em sua parte inferior por um tríptico, obra também notável – enquadrado em belíssima moldura entalhada, peça que não se encontra mais nesta igreja, atualmente alocada no Museu Buonarroti.
Em 1457 Nicolo di Giovanni Cavalcanti encomendara este tríptico ao artista Giovanni di Francesco (Arezzo, 1412 ou 1428 – Florença, 1458) – uma “tavola” com três estórias da vida de São Nicola di Bari –um deles tendo como tema o milagre feito pelo santo relativo a um dote em benefício de três jovens moças pobres. Este pintor italiano Giovanni di Francesco em Florença nos meados do século XV teria freqüentado o estúdio do muito famoso artista Filippo Lippi ( – ).
Comentado sobre a “predella” (base, estrado) com as histórias de São Nicolau de Bari – “São Nicolau dá o dote a três meninas pobres; São Nicolau levanta três jovens colocados em salmoura por um estalajadeiro; San Nicola salva da execução três condenados a morte’ – Esta obra hoje mantida no Museu da Casa Buonarroti em Florença é considerada a obra-prima do artista.
Não sabemos se o tema escolhido seria pertinente à história da família Cavalcanti que o encomendou, mas observamos pelo menos sua semelhança com a situação difícil e o casamento de Ginevra, irmã de Nicolo.
As pinturas muito minuciosas comentadas, entre outros críticos de arte por Giorgi Vasari e Roberto Longhi.
Este último chegou a afirmar relativamente a ”predella” “ser um dos melhores trabalhos do autor, também o de figuras mais numerosas do Quattrocento florentino”(7).
Dito que São Nicolau levanta três jovens colocados em salmoura como punição por um estalajadeiro.
A “Anunciatta Cavalcanti” na igreja de Santa Maria Novella e o belo tríptico transferido para o museu Buonarroti são simbólicos do antigo prestígio, cultura e requinte que a poderosa família Cavalcanti, de comprovada origem franca, havia conseguido manter em Florença ainda no sec. XV. Prestígio mais tarde ensombrecido pelos também poderosos Medici anti-republicanos.
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*Este artigo faz parte de trabalho mais longo, em que três outras importantes peças de arte dos antigos Cavalcanti são também inventariadas e historiadas, citadas todas as fontes. Trabalho editado em nosso blog.
http://rosasampaiotorres,blogspot.com
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Rosa Maria Sampaio Torres – pesquisadora em História (PUC-Rio), é também graduada em Estudos Sociais e pós-graduada em Ciências Políticas. Aluna do filósofo brasileiro Carlos Henrique Escobar acabou por desenvolver, também, seus dotes artísticos – especialmente como poeta, autora do livro “Bendita Palavra”. Já reconhecida como ensaísta, é autora de inúmeros artigos históricos sobre a família Cavalcanti, da qual descende, e agora sobre o poeta Guido Cavalcanti.
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