A CONFUSÃO DELIBERADA COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA – por Francisco Fuchs

 

Lula (a usar óculos de realidade virtual) e Chacrinha.

“Eu vim para confundir e não para explicar.” Esta frase, bordão de um dos mais célebres comunicadores da televisão brasileira no século XX (Abelardo Barbosa, o Chacrinha), desagradava-me profundamente quando eu tinha vinte e poucos anos. É compreensível, já que ela era a antítese de tudo que me era mais caro: pois eu, aspirante a filósofo, viera ao mundo para entender, e não há como entender sem desdobrar, desenvolver, desenrolar, ou seja, explicar.[1] A confusão era e continua sendo meu (seu, nosso) ponto de partida, mas nunca deixei de acreditar que ela pode ser, ainda que com muito esforço, reduzida; o que não significa negar ou apequenar a complexidade do real, mas passar, na medida do possível, da confusão original a algo semelhante a uma complicatio. Continuar a ler “A CONFUSÃO DELIBERADA COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA – por Francisco Fuchs”

MARGINÁLIA – por Januário Esteves

 

 

 

 

António Machado

Desbravando caminhos caro António Machado a vida é mais satisfatória e o corpo conserta
a alma dorida como a água que nos sacia
e o vento na cara que nos desperta o coração
comovido pela flor que desabrocha o mistério
da árvore que dá os seus frutos mansamente
ao longo das estações como eu dou ao sonho
as profundezas do meu ser envolto na memória
que se estende pelos campos em volta da infância carregada de segredos ternos e doces
na vastidão incomensurável do amor paterno
encontramos as raízes daquilo que somos
como um arbusto fulminado pelo raio
vemos para lá do tangível, para lá da parede
àquela luz que nunca se apaga, vislumbramos
as épocas de ouro e terror, o caminhar certo. Continuar a ler “MARGINÁLIA – por Januário Esteves”

O AMOR PLATÓNICO: Fragmento a Propósito de um Equívoco – por A. Sarmento Manso

Foto by Paulo Burnay

Platão é um grande exegeta do amor, tratando-o de forma única, deixando um lastro de desejo e luxúria que perdura até à atualidade em qualquer das suas manifestações: homossexual, heterossexual, bissexual, espiritual. No entanto dessa herança ressalta de boca em boca uma ambiguidade em torno daquilo que passou a designar-se de amor platónico expressão cunhada por Marsílio Ficino (1433-1499). Os estudiosos mais atentos vão enunciando o seu verdadeiro significado, mas raramente, nesse pormenor, saem do enredo em que a tradição o confinou. Platão nos diálogos O banquete e Fedro trata do amor físico e metafísico, abrangendo em simultâneo o corpo e a alma, a carne e o espírito, a sedução e a contemplação. Continuar a ler “O AMOR PLATÓNICO: Fragmento a Propósito de um Equívoco – por A. Sarmento Manso”

SERÁ ‘ALICE E OS ABUTRES’* UM ROMANCE ALICEANTE? – por Danyel Guerra

ArteLiteraria, eis a palavra-passe para quem quiser acessar o universo aliceano! Para começo de interação com ele, devo confessar que ignoro qual é a praia predileta de Beatriz Pacheco Pereira, enquanto cidadã. Na certa, todavia, não me enganarei se escrever que, enquanto autora, ela frequenta as finas areias da praia (da) arte literária, onde maresia se faz concórdia com poesia. E desde 2003, em que publicou ‘As Fabulosas Histórias Dela’, coletânea  de contos de feição, noblesse oblige,  fantasista. Continuar a ler “SERÁ ‘ALICE E OS ABUTRES’* UM ROMANCE ALICEANTE? – por Danyel Guerra”

UN EDIFICIO ENORME, CON NUMEROSAS VENTANAS- por Eduardo Dalter

Voces de la poesía argentina

UN EDIFICIO ENORME, CON NUMEROSAS VENTANAS

Seis tomos reunidos de entrevistas a poetas argentinos

Casi ocho años dedicó el poeta Rolando Revagliatti (Buenos Aires, 1945) en realizar más de 150 entrevistas a poetas argentinos (159, en verdad), para finalmente reunir los contenidos de éstas en seis tomos, que llevan el nombre “Documentales/ entrevistas a escritores argentinos”, bajo el sello Ediciones Richeliú. Continuar a ler “UN EDIFICIO ENORME, CON NUMEROSAS VENTANAS- por Eduardo Dalter”

…DA INSÓNIA – Fernando Martinho Guimarães

 

O que se pode dizer sobre a insónia? Que é uma moléstia, um distúrbio do sono, uma disfunção, uma falha, um desarranjo. Como anomalia, a insónia pode ir do simples desassossego em ter dificuldade de adormecer ao desespero da privação do sono.

Dormir é importante. Lembram-no constantemente o nosso médico de família, como também os muitos programas televisivos que se preocupam com a nossa saúde – o sono é regenerador, dormir sete horas por dia é essencial, deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer.

Pelo sono, todo o acordar é um começar de novo, um recomeço. Despertar de um sono restaurador de energias é instalar a esperança no dia que se inicia. Dormir tem isto de reconfortante e de enganador: permite-nos esquecer as preocupações da vida, ausentarmo-nos do mundo. Porém, com o andar do dia, os problemas e as preocupações acabam sempre por nos encontrar.

É assim natural que, do lado do sono, só encontremos benefícios. Alheios de nós e do mundo, abandonamo-nos à inconsciência que é cair nos braços da sonolência e do adormecimento. O paraíso apenas o é porque nele se pode dormir. No inferno, não!

Na insónia, na privação do sono, tudo concorre para nos atormentar, por um excesso de lucidez. Despertos contra a vontade, sofremos, pela insónia, com a desmesura de pensamentos que recomeçam sempre. Quem conhece a experiência da insónia, sabe o tormento que é querer dormir e não conseguir. E, no entanto, a impossibilidade de dormir é saudada como uma oportunidade de fazermos coisas. De acrescentar tempo ao tempo.

No livro Cem Anos de Solidão, que deu a imortalidade a Gabriel Garcia Marques – e o prémio Nobel da Literatura -, narra-se, a certa altura, o alastrar da epidemia da insónia. Os habitantes de Macondo, a aldeia onde se passa o romance, são acometidos da «peste da insónia». Acordados contra a vontade, aproveitam para tirar vantagem da nova condição – tudo o que havia para fazer é feito, e a produtividade torna-se uma vertigem que toma conta de todos. Rapidamente se dão conta que a exaustão e o tédio são consequências de não dormir. Sem sono, sem dormir, as coordenadas do tempo esfumam-se e as lembranças também – paradoxalmente, ou se calhar não, o esquecimento é a consequência de estar permanentemente acordado. Sem mais nada para fazer, sem conseguirem fazer mais nada, são muitos os que desejam voltar a dormir, nem que seja por simples saudade dos sonhos.

Fernando Pessoa, quer dizer, um dos seus heterónimos, Álvaro de Campos, diz-nos isso num poema, precisamente chamado Insónia: «Não durmo; não posso ler quando acordo de noite, / Não posso escrever quando acordo de noite, / Não posso pensar quando acordo de noite -/ Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!»

Quer dizer, o que é preocupante na insónia é, afinal de contas, a impossibilidade de sonharmos.

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Fernando Martinho Guimarães (1960) Nascido transmontano (Alijó, Vila Real), foi na cidade do Porto que viveu até aos princípios dos anos 80. De formação filosófica e literária, a sua produção ensaística e poética reflecte essa duplicidade. Publicou em 1996 A Invenção da Morte (ensaio), em 2000 56 Poemas, em 2003 Ilhas Suspensas (edição bilingue, castelhano/português), em 2005 Apenas um Tédio que a doer não chega e em 2008 Crónicas.

MULHERES NAS RUAS DO PORTO – XVII – por César Santos Silva

 

Cândida Alves (Rua de)
Início: Trinitária (Rua da)
Fim: Cul‑de‑Sac 
Designação desde 2000
 Freguesia de Foz do Douro

Cândida Celeste Nogueira Alves nasceu no Porto em 1893, e desde jovem se tornou costureira. Rapidamente se torna famosa e ao seu ateliê acorrem as elites femininas da cidade que faziam questão que fosse a Candidinha, como era simpaticamente conhecida, a sua estilista oficial. O termo na época não existia e a palavra modista, era a única que se usava para designar a função, que só passado muitos anos é que se viu projectada para o lugar que ocupa hoje no mundo da moda. Continuar a ler “MULHERES NAS RUAS DO PORTO – XVII – por César Santos Silva”

QUEM TEM OLHOS VAI A ROMA CITTÀ APERTA – por Danyel Guerra

Ingrid Bergman e Roberto Rosselini

“Sou uma amadora e faço questão de continuar sendo. E faço questão de não ser uma profissional, para manter a minha liberdade”.

Clarice Lispector

Complimenti, buon compleanno, Roberto!

‘Wuthering Heights’. À introvertida e melancólica Emily Brontë foi suficiente publicar, nos seus 30 anos de vida,  um solitário romance, sob o pseudônimo Ellis Bell, para ter lugar cativo no panteão dos imortais da arte literária. De semelhante privilégio se poderá orgulhar a posteridade de Roberto Rossellini. Embora tenha sido imensamente mais prolífero na obra e longevo na idade, ele teria pleno direito de figurar na galeria dos intemporais da sétima arte, mesmo que só tivesse assinado um único filme. Um filme único, enfatize-se. Continuar a ler “QUEM TEM OLHOS VAI A ROMA CITTÀ APERTA – por Danyel Guerra”

CARTOGRAFÍAS Y ABISMOS DE RONALDO CAGIANO – por José Pérez

 

CARTOGRAFÍAS Y ABISMOS DE RONALDO CAGIANO

-I-

MAPAS Y EXTRAVÍOS O LOS LABERINTOS DEL SER

Si tuviéramos que trazar una línea sobre algún mapa de la tierra para sentarnos a esperar la poesía de Ronaldo Cagiano, habría que pintar un círculo en el vacío y esperarlo dentro. Tal vez la tarde, el tiempo todo, no bastarían para el encuentro. Tendríamos que remontarnos a una estación de trenes de París, la Denfert-Rochereau, bajo un laberinto de huesos, o más allá, en el camposanto Père-Lachaise, de la Rue du Repos, durante el otoño de 2018, mientras busca los enigmas del suicidio del escritor persa  Sadegh Hedayat, ocurrido en 1951; o antes, en febrero de 2013, en Nuremberg, para confesarle a T. S. Eliot que el siglo veinte es el más asqueroso de los siglos, por sus matemáticas salvajes (en cuya cuenta caben horrores, bombas nucleares, guerras, muertes, hambrunas, náuseas, escándalos, naufragios, hegemonías, oscuridad, vacíos, esquematismos, vértigos y abismos); o en Barcelona, España, donde se le adviene en patadas en la frente las manzanas de Apple y la bíblica de Adán y Eva, como signos de las contrariedades e incertidumbres; o  incluso, más atrás, enero de 2011, en Lisboa, náufrago en el tedio de existir; poseído por lo que él llama una soledad atlántica, que lo remite a la infancia, donde seguramente lo hallaremos un día de 1961 —el 15 de abril, hace exactamente 60 años—, saliendo del útero materno, en su pequeño pueblo de Cataguases, frente al valle de Paraiba do Sul, del estado de Minas Gerais, y las sierras y colinas de Mantiqueira, Onça, Neblina y Santa Bárbara, en el sudeste de Brasil; en cuyos pies el río Pomba—que arrastra en su discurrir los riachuelos Meia Petaca, Romualdinho y Lava-Pés— le abre un libro acuático para que navegue la dura senda de la vida. Así lo establece, de manera ácida y árida, quejumbrosa y sentida, sentenciosa y epigramática, en su poema “OUTRAS LIÇÕES DO ABISMO”, en el que el río y el pueblo — Pomba y Catahuases—, discurren por igual en la suma del dolor y el destierro. Continuar a ler “CARTOGRAFÍAS Y ABISMOS DE RONALDO CAGIANO – por José Pérez”

A LIBERDADE – por Manuel Igreja

“Gaivota”, por Clarice Lispector.

Por razões de circunstância que somente terão a ver com coincidência, nas últimas quase cinco décadas, em Portugal a palavra Liberdade surge-nos quase geminada com a palavra Primavera.

Apetece-me dizer ainda bem, pois uma e outra dizem-nos daquilo que mais belo existe na vida de uma pessoa. Há muitas outras mais, mal de nós se as não houver, mas esta duas provocam-nos um brilhozinho nos olhos e um encher d’alma. Continuar a ler “A LIBERDADE – por Manuel Igreja”

TEXTOS DE Valda Fogaça

Arte de Carlos Saramago

O POR DO SOL

Estava  certa vez, num passado não tão distante,  observando o mundo a minha volta. Meu olhar estendeu-se até onde não  dava mais para enxergar, onde o horizonte se misturava com o céu e formava um barrado indefinido. Nesse dia à tardezinha,  o sol mergulhava no horizonte, e lá longe um barrado dégradé surgia. Silenciosa e atenta, nesta tarde fresca de brisa suave que cariciava meu rosto  pude observar quão grande é a grandeza de Deus.

Naquela tarde senti-me inspirada e num breve momento descrevi numa folha de papel, com clareza  e fino senso, a esplêndida natureza que se  descortinava impregnado minha retina. Uma das mais admiráveis tardes, que a primavera a inebriava com o aroma das flores de variáveis espécies. Como nada dizer?  _ Sendo esta, uma tarde para cultuar a estética do universo vivo e sentido pelos poetas em todo seu encantamento.

Arranquei-me do peito um profundo suspiro, e minh’alma sentindo-se elevada até o Altíssimo percebi, então, a pequenez do homem diante da imensidão do Universo. Compreendi, naquele instante, que as dores deste mundo passarão e o essencial alento humanista, o verso sublime, a cantoria matinal e vespertina da passarada nos faz ver o mundo com mais esplendor.  Compreendi que a vida é melhor se não houver perca de qualquer significado e que, a originalidade  não é saber escrever o quê e sim, sentir o que jamais se escreverá.

O sol continuou o seu caminho, submergindo no horizonte derramando seu calor nas águas de algum oceano donde meu olhar não conseguia abarcar.

♣♣♣

ANJO IMAGINÁRIO

Minhas asas estão prontas para o voo se pudessem,
Mas meu corpo cansado da lida impede-as.
Eu retrocederia se pudesse, pois eu seria mais feliz
se permanecesse imersa no tempo, viva.

Às vezes,  imagino que sou um anjo  pretendendo
afastar-me da dureza desse mundo,
com olhos escancarados,
boca dilatada e asas sempre abertas…

É esse o aspecto desse anjo o qual imagino o rosto
direcionado ao passado onde ver uma cadeia de acontecimentos,
uma catástrofe única que acumula incansavelmente
ruínas sobre túnel e as dispersas ao nossos pés.

Ele gostaria de deter  os maus feitores,
acordar os “mortos” e juntar os fragmentos,

mas uma tempestade sopra-o do paraíso e prende-se
em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las.

Essa tempestade  impele-o irresistivelmente para o futuro
ao qual ele vira as costas enquanto o amontoado de ruínas
cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.

Chego à maturidade supercarregada de conhecimentos
e experiências, embora não sendo de fato um anjo bem feitor,
mas, deixo a minha contribuição ao mundo: o meu legado.

 

JOANA MALUCA – por Jonuel Gonçalves

foto de Luís Guerra e Paz

Quando o debate estava nos últimos minutos uma senhora daquela idade sempre comparada às protagonistas do Balzac, embora use roupas street como se fosse saltar muros, pediu a palavra, falou  de voz amedrontada e agradeceu terem lhe deixado entrar no debate mesmo sem ser académica, mas desde que terminou o curso concorreu a diversos empregos e só consegue trabalhos muito abaixo da formação obtida e sente cada vez mais que é por ser negra,  devagar devagar isso oscilou entre pequenos monstros lhe crescendo na cabeça até se juntarem num monstro enorme  e desde o ano passado  começou a ter desmaios foi levada às urgências, a princípio diziam ser do calor depois do cansaço até uma médica passar o diagnóstico de ansiedade perigosa causada por sensação de ameaça constante. Continuar a ler “JOANA MALUCA – por Jonuel Gonçalves”