ALGUM RITMO – por Thauan Pastrello

Os pensamentos se sucedem rapidamente, assim como os vídeos curtos passam na tela com um simples toque do dedo. Ao contrário dos vídeos, os pensamentos não passam. Eles sedimentam-se acima dos olhos quando a secura me obriga a fechá-los. Logo, ao abrir das pálpebras, outro porquê surge incessante, rompendo o sentido da gravidade e pairando como uma suave bigorna içada sob as pálpebras abatidas. Não desaparecem, mas também não os vejo. Estão ali, exigindo decisões sem importar-se com as alternativas. Um exame que consome da foz aos fatos a energia vital. Um moinho da íris a retina persegue minha mente, entendo porque, apesar de coloridos, são tristes os cavalos do carrossel de brinquedo. O peso de pensar, pesar e penar o tempo inteiro é permanente, como feito sombra incólume ao corpo contra a luz, insuprimível. Exceto por uma diferença acachapante: repousa a sombra quando tudo é escuro, mas não descansa os olhos, nem quando durmo. O feixe de luz dos pensamentos vem de dentro. E de caço jeito de ajuizar o devaneio, ordenar o desatino, planejar o desastre e apostar na insensatez, sigo os planos e fracasso com sucesso. Afinal, o que se vê por esses olhos consumidos pelo planeta morto e o buraco negro? A princípio, parecem imagens faladas. A sucessão sem lógica, desordenadamente caótica, é narrada pela circunstância; as escuto. Sua fiel descrição visceral descola o narrado do vivido, tornando foto o que era vídeo. E, na fina superfície tomada pelo medo, invés de destrato, o alimento. O egoísta assombro quer estar certo mesmo sem razão. É o milagre da multiplicação, do medo, da angústia e da indecisão. Num condão faço do fato siamês da opinião. Torno inquestionável o que penso, uma obviedade, tal qual para erguer uma torre deve-se utilizar ferro e cimento. Os ouvidos captam a divergência, farejam a negação, mas não alcançam nada além do milagre inaudito. O indivíduo serial e inespecífico, autoproclamado autêntico, esbate na esteira dos dias úteis, atrás das grades das agendas, sem julgamento, mas com perpétua sentença.Não bastasse o caos, a realidade é repartida em sequências, fragmentos e ciscos quase incompreensíveis. Um quebra-cabeça sem gabarito, um labirinto. O protagonista não escuta a narração, mas o presságio é sempre certeiro e os desfechos são atados tal qual o previsto. Os vídeos de curta duração continuam no passar dos dedos. E os pensamentos se acumulam, vez ou outra sopra a circunstância e o vento toma a decisão. Não me ponho a corrigir ou retificá-los. Se existem qualidades, essa é a benesse da insegurança, o maior valor do covarde.Me dou o indulto da exaustão da inoperância, anistia da não agência. E sigo passando, tal qual um vídeo curto me empurro pelos dedos. Enquanto os vídeos passam, eu mesmo passo e, comigo, o tempo. A circunstância é firme e segura. O homem não. Se querem me convencer que há beleza na solidão, também posso crer que escolha é diferente de decisão. Cada qual com sua religião. Eu até escolho se vejo o vídeo ou não. Mas a circunstância é quem decide, pode-se chamar isso de algoritmo da decisão. E de que te adianta tal conclusão? Nada, argumento sofista, forma sem conteúdo, estética eticista. Os vídeos curtos no rolar dos dedos repetem-se na tela que habito, escolho mas não decido. Sequer este assunto é lícito, não tem validade dado que não há pensamento, pois apenas existo.”

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Thauan Pastrello. Pai da Clarice. Assistente Social, Mestre em Serviço Social pela UFRJ. Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos das Crianças e Adolescentes do Espírito Santo, CRIAD/ES. Foi Referência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI. Membro do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador. Integrante do Fórum Araceli de Combate ao Abuso e Exploração Sexual. Membro da Comissão de Ética e Direitos Humanos do CRESS-ES.