O envelhecimento, digo eu, é um privilégio que apenas a idade pode dar.
Nesta afirmação, muito a la palisse, conceda-se, recolhe-se o que a tradição atribui aos que, tendo a experiência da vida, sabem dela o que os ainda novos não podem saber.
As representações sociais da velhice contemplam esta dimensão do idoso como figura frágil, pois claro, mas acima de tudo figura sábia, prudente e venerável que deve merecer da sociedade e das suas instituições respeito e atenção redobrados.
Por outro lado, temos também a percepção negativa quanto aos idosos como indivíduos que já não são (socialmente produtivos) – em declínio, na etapa final da vida, vitalmente decadentes -, e que ainda não são (vitalmente acabados).
É que – e para parafrasear uma frase atribuída a Cícero -, todos desejamos chegar à velhice, mas chegados a ela, acusamo-la de todos os males que nos acontecem.
Em todo o caso, o envelhecimento levanta problemas que, tanto em termos individuais, como em termos sociais, exigem a tomada de decisões de maneira a assegurar uma melhor participação e integração dos mais idosos na sociedade.
É aqui que a apresentação de alguns números permite traçar um retrato da situação actual de Portugal e das projeções que se podem fazer. No relatório que o Gabinete de Estratégia e Desenvolvimento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social apresentou em 2017 à Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa, a leitura dos números é elucidativa: em 2015, 2,1 milhões de portugueses tinham 65 ou mais anos, ou seja, cerca de 20% da população portuguesa. Em 2030, os idosos representarão cerca de 26% e, em 2060, cerca de 29%. O número de pessoas com 80 ou mais anos era, em 2015, de 614 mil, projectando-se para 2060 o número de quase 1 milhão e meio.
É assim que em Portugal, na Europa também, mas com menos expressão, assiste-se a um inexorável envelhecimento: falta de jovens, que é causada pela quebra de natalidade, aumento da idade média da população, pois as pessoas vivem mais tempo, e com isso, o crescimento do topo da pirâmide etária.
Costuma-se dizer que os velhos devem dar lugar aos novos mas corre-se o risco de, vagando o lugar, não haver ninguém que o ocupe.
Num conto de Dias de Melo (1925/2008), intitulado «Eles», os personagens são um casal de idosos, sem nome, que vivem sozinhos numa casa que procuram cuidar com os poucos rendimentos que possuem. Os filhos estão emigrados na América e as notícias são poucas ou nenhumas. Um dia chega-lhes a notícia que vão receber a visita dos filhos. É preciso preparar a casa, acomodá-los com o melhor que se arranjar, que eles na América habituaram-se a coisas boas. Chegados os filhos, a alegria desaparece rápido: os pais que não se preocupem porque estamos alojados num hotel e, além disso, partimos no dia seguinte no avião das dez horas. «Eles», os velhos, não viveram muito mais tempo.
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Fernando Martinho Guimarães (1960) Nascido transmontano (Alijó, Vila Real), foi na cidade do Porto que viveu até aos princípios dos anos 80. De formação filosófica e literária, a sua produção ensaística e poética reflecte essa duplicidade. Publicou em 1996 A Invenção da Morte (ensaio), em 2000 56 Poemas, em 2003 Ilhas Suspensas (edição bilingue, castelhano/português), em 2005 Apenas um Tédio que a doer não chega e em 2008 Crónicas.
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